Quais são as transformações que ocorrem quando uma cidade é escolhida para se tornar capital de estado? É isso que analisa a historiadora Lenita Maria Calado no livro “A Invenção de Campo Grande Capital”, que foi elaborado baseado em sua tese de doutorado, defendida em 2018 pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), e foi lançado na semana dos 125 anos da Capital para marcar o aniversário da cidade.
“Este livro teve início na intriga, que deve ser o motivo do trabalho de todo historiador. E o que me intrigava era: como Campo Grande se inventava como capital, desde o dia da divisão do estado de Mato Grosso e a criação de Mato Grosso do Sul, fato que havia lhe dado o título de capital?”, conta a historiadora.
Para analisar essas transformações, foi necessário escolher um objeto, não a cidade como um todo, mas um lugar que a retratasse em vários momentos. E a escolhida foi a Praça Ary Coelho, localizada entre as ruas 14 de Julho, 13 de Maio, 15 de Novembro e a Avenida Afonso Pena.
“Eu tinha que ter um objeto que me levasse à população da cidade, às pessoas, e achei que a praça seria interessante, pois ela acompanhou todas as transformações, como fonte e objeto da história da cidade ao longo do tempo”, detalha Lenita.
Ela conta que há registros informando que a praça surgiu como um cemitério em 1872 – que, por sua vez, foi transferido para onde hoje é o Cemitério Santo Antônio – e recebeu a denominação de praça em 1909.
DITADURA E DIRETAS JÁ
Depois de sua construção como “passeio público”, a Praça Ary Coelho acompanhou várias transformações de Campo Grande, já teve casa de chá e foi palco de apresentações de orquestras no coreto. Serviu também de lugar de encontro da alta sociedade, tornou-se um ponto, ao mesmo tempo, abandonado e vigiado durante a ditadura militar, foi ocupada pelo movimento das Diretas Já e passou por sua última reforma em 2013, quando foi revitalizada, cercada por grades e passou a ter horários mais restritos de circulação e visitação
“As transformações por quais ela passou, ao longo do tempo, foram reflexos das transformações da cidade. Assim, pôde-se entender o que fez Campo Grande se inventar como capital e como as relações de poder na Praça Ary Coelho representavam esse processo contínuo, que se estende até os dias atuais”, comenta a autora.
CG FORA DA CAIXINHA
No livro, Lenita investiga as transformações que envolveram Campo Grande ao deixar de ser município do interior de Mato Grosso e passar a ser capital de um novo estado, destacando um panorama que combina tradição e modernidade.
“As transformações maiores foram as ondas migratórias, que aumentaram com a divisão, o crescimento da população, a modernização dos comércios, a verticalização, o prolongamento das avenidas, a construção do Parque dos Poderes, mas principalmente o imaginário. O próprio olhar das pessoas mudou a partir do que seria o modo de se viver em uma capital”, resume.
“Existiu uma ruptura, a criação do Estado, mas só ela não determinou o futuro. Por isso, o que está para além dessa ruptura foi o que me interessou. A história é assim, ela nos constitui, nos forma, nos deixa vivos. E quando você conhece a história, ela te liberta de conceitos que te limitam. Então, entender que a história de Campo Grande é diversa é muito mais interessante que ficar tentando colocar em uma só caixinha”, finaliza a historiadora.