Após mais de 266 horas de observações em campo, o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) apresentou, em uma pesquisa inédita, 11 comportamentos do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) relacionados ao uso da cauda.
O estudo completo foi publicado na revista científica Journal of Ethology e traz análises comportamentais dos animais registradas entre agosto de 2021 e novembro de 2023, no Cerrado de Mato Grosso do Sul, em regiões impactadas por atividades humanas.
O animal, cujo nome em tupi antigo, “tamanduá", significa “caçador de formigas” (tama = formiga; nduá = caçador), é chamado de "bandeira" em referência à sua cauda longa, densa e peluda, que, erguida, lembra uma bandeira esvoaçante.
Apesar de chamar atenção, até então pouco se havia registrado sobre as funcionalidades da cauda do tamanduá-bandeira.
“Identificamos funções mecânicas, fisiológicas, comportamentais e sociais associadas à cauda, que vão desde o equilíbrio e a termorregulação até o cuidado materno e a comunicação entre mãe e filhote”, explica a bióloga Alessandra Bertassoni, autora principal do estudo.
Uso da cauda
A pesquisa demonstrou que o animal silvestre utiliza a cauda em diversas situações, como:
- cobertor térmico durante o sono;
- abanador nos dias quentes;
- sombra para os filhotes;
- ferramenta de equilíbrio em posição bípede;
- sinalizador de alerta;
- meio de transporte e proteção dos filhotes.
Apesar de algumas dessas funções já serem conhecidas de maneira isolada, a maioria nunca havia sido documentada e descrita como neste estudo apresentado pelo Icas.
A parte mais curiosa envolve as fêmeas e os filhotes de tamanduá-bandeira, monitorados pelo Programa de Conservação do Tamanduá-Bandeira, em um cenário fragmentado por pastagens e rodovias.
Os registros revelaram que a cauda passa por um processo de transformação ao longo do crescimento do animal, desde os primeiros dias de vida até a fase adulta, um dado que até então não havia sido devidamente documentado.
O comportamento observado nas gravações aponta para a dependência intensa do filhote em relação à mãe, já que ele não possui condições de realizar diversas atividades sozinho.
Categorias de comportamento
Os comportamentos foram divididos em três categorias para compreender as múltiplas utilidades da cauda:
- Mecânicos
- Comportamentais
- Fisiológicos
Mecânicos
- Equilíbrio ao caminhar: A cauda permanece horizontal passivamente, ajudando a manter o equilíbrio durante a locomoção.
- Equilíbrio na posição bípede: Quando o tamanduá assume postura ereta, a cauda segue a curvatura da coluna e permanece apoiando o corpo.
- Transporte do filhote: A cauda se mantém horizontal e serve de apoio ao corpo do filhote, atuando também como reforço no vínculo entre mãe e cria.
Comportamentais
- Proteção e camuflagem: A cauda é dobrada sobre o corpo e permanece imóvel, servindo de disfarce contra predadores.
- Aconchego e afiliação: A cauda cobre o corpo durante momentos de contato entre mãe e filhote, oferecendo conforto e calor.
- Abertura da cauda: A mãe abre a cauda para permitir a entrada do filhote quando ele a toca.
- Rejeição do filhote: A cauda se mantém horizontal e ergue-se rapidamente quando a aproximação do filhote não é desejada.
- Sinal de alerta: A cauda é erguida e eriçada, funcionando como sinal visual de atenção ou vigilância.
Fisiológicos
- Sono com função termorreguladora: Durante o repouso, a cauda cobre o corpo e ajuda a conservar o calor.
- Movimento de abano: A cauda é balançada para arejar o corpo, ajudando na regulação térmica.
- Sombra contra o sol: A cauda é posicionada de modo a proteger o corpo do filhote da exposição solar.
Ameaças à espécie
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) classificou o tamanduá-bandeira como “vulnerável”, devido a ameaças como atropelamentos, perda de habitat e mudanças climáticas.
Os novos dados são considerados essenciais para que pesquisadores possam traçar estratégias de conservação e manejo da espécie.
“Lesões na cauda podem comprometer seriamente a sobrevivência de um indivíduo, especialmente no caso das fêmeas com filhotes. Por isso, compreender a função desse apêndice é crucial para decidir, por exemplo, se um animal pode ou não ser reintroduzido na natureza”, destaca o coautor do estudo, Arnaud Desbiez.








