No Brasil, a desigualdade entre a saúde de homens e de mulheres continua evidente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto elas vivem em média 79,7 anos, eles vivem 73,1 anos.
Ou seja, os homens continuam morrendo mais cedo, mesmo vivendo na era com maior oferta de tecnologia médica da história.
O dado dialoga com outro indicador preocupante: a mortalidade masculina entre 20 e 24 anos é 4,1 vezes maior do que a feminina. E não se trata apenas de violência. Doenças cardiovasculares, cânceres, infecções e condições crônicas também chegam mais cedo e avançam mais rápido neles do que nelas.
Dados de 2022 do Instituto Lado a Lado pela Vida corroboram essas informações, indicando que 62% dos brasileiros só procuram o médico quando os sintomas estão insuportáveis, o que mostra um hábito de buscar atendimento tardio e focado na reação a problemas já avançados.
Apesar dos avanços em diagnóstico e prevenção, muitos homens ainda evitam consultórios, laboratórios e check-ups.
Um estudo do Instituto Ipsos para a Sociedade Brasileira de Urologia envolveu 300 homens de 20 a 45 anos, reforçando a constatação do problema. Embora declarem preocupação com a saúde, 64% não sabiam que o HPV pode causar câncer.
“Um indicativo claro de lacunas de informação e comportamentos moldados por tabus”, pontua a médica patologista Annelise C. Wengerkievicz, que dirige um dos mais importantes laboratórios de medicina diagnóstica do País.
É por isso que especialistas defendem que Novembro Azul não pode ser uma conversa restrita ao câncer de próstata.
A jornada da saúde masculina é contínua e começa muito antes da vida adulta. Segundo o patologista clínico Sandro Melim, “a prevenção do homem começa na infância, com vacina, exame, acompanhamento do desenvolvimento e diálogo. Cada etapa bem conduzida nesse início de vida reduz problemas sérios décadas depois”, defende o patologista.
Mesmo com os avanços da medicina, os homens continuam se cuidando menos que as mulheres: 62% dos brasileiros só procuram o médico quando os sintomas estão insuportáveis - Foto: PixabayCUIDADOS COM O CORAÇÃO
“A infância e a adolescência exigem atenção para vacinas essenciais, como HPV nonavalente (até 45 anos), hepatites A e B, meningocócicas ACWY e B, influenza anual e exames laboratoriais e de imagem que ajudam a acompanhar crescimento, detectar alterações metabólicas e investigar sinais precoces de doenças respiratórias, auditivas e estruturais”, reforça a infectologista Rosana Richtmann.
Nesta fase, testes genéticos também se tornam aliados para identificar alterações hereditárias tratáveis e riscos que merecem acompanhamento desde cedo. “Na rotina pediátrica, eles incluem desde painéis genéticos de triagem ampliada, painéis metabólicos até sequenciamento direcionado quando há suspeita clínica”, afirma Sandro Melim.
Ao longo da vida adulta, o cenário deveria se consolidar com um acompanhamento preventivo mais disciplinado. Mas é justamente a partir dessa fase que muitos homens somem do sistema de saúde. A cardiologia é uma das áreas que mais sente esse afastamento.
Para o cardiologista Carlos Eduardo Suaide, “a maioria dos eventos cardíacos em homens ocorre sem aviso prévio, mas não sem sinais prévios. Pressão arterial alterada, colesterol e glicemia desregulados, inflamação, distúrbios do sono, estresse. Tudo isso aparece nos exames muito antes do infarto. O problema não é a falta de tecnologia, é a falta de consulta”, atesta o médico.
APÓS OS 40 ANOS
Nos check-ups masculinos realizados pelos laboratórios de medicina diagnóstica – tanto nas unidades quanto em atendimento domiciliar – avaliam-se indicadores essenciais: colesterol, glicemia, hemograma, função renal e hepática, vitamina D, marcadores inflamatórios, hormônios (como testosterona), exames de urina e eletrocardiograma.
Para homens acima dos 40 anos, a recomendação inclui exame de sangue para avaliar a saúde da próstata (PSA) e, quando indicado, o toque retal realizado em consultório médico. E para aqueles com sinais de queda hormonal, o acompanhamento da chamada andropausa (o climatério masculino), com avaliações metabólicas e hormonais, auxilia intervenções preventivas e melhora da qualidade de vida.
APÓS OS 45 ANOS
A partir dos 45 anos (ou antes, em caso de histórico familiar), a preocupação com o câncer de próstata exige ainda mais atenção. É o tumor mais incidente em homens no Brasil, com 72 mil novos casos estimados anualmente, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca).
E embora seja altamente tratável quando detectado cedo, milhares ainda chegam ao diagnóstico apresentando um estágio já avançado da doença. E isso, justamente, por evitarem o cuidado preventivo.
EXAMES
De acordo com o oncogeneticista Henrique Galvão, “a genética nos permite identificar variantes que aumentam o risco de câncer de próstata e outros tumores hereditários muito antes do aparecimento dos primeiros sintomas. É uma ferramenta que personaliza o cuidado e antecipa o rastreamento com dados científicos sólidos”.
Entre os exames já disponíveis no Brasil estão os painéis de predisposição hereditária ao câncer (que avaliam genes como BRCA1, BRCA2, TP53, CHEK2 e ATM), o painel ampliado para câncer hereditário, além de painéis focados em câncer masculino, como o Score de Risco Poligênico, indicado para homens que possuem casos de câncer de próstata na família ou que precisam avaliar se estão em risco aumentado para esta doença.
Esses exames orientam médicos a mapear riscos, ajustar a frequência dos exames de imagem e decidir intervenções precoces.
IMUNIZAÇÃO
A infectologista Rosana Richtmann, reforça outro ponto frequentemente ignorado pelos homens. “Vacina é cuidado masculino.
Do HPV ao herpes-zóster, do tétano à gripe anual, grande parte dos quadros evitáveis em homens adultos está associada a atrasos ou ausência de imunização”, alerta Rosana. Fica evidente, portanto, segundo a médica, que tecnologia não é o problema.
O Brasil dispõe de check-ups completos, atendimento domiciliar, exames genéticos de alta precisão, vacinas modernas, inteligência artificial (IA) aplicada à radiologia e protocolos avançados de prevenção. O que falta, como mostram os dados, é o passo mais básico: a ida ao consultório.
Afinal, a saúde do homem é construída todos os dias, desde a infância até a maturidade. Viver mais passa, obrigatoriamente, por consultar, acompanhar, prevenir e agir antes do sintoma.


