A confiança de médicos e pacientes vem aumentando com o crescimento das autorizações sanitárias para importação e os investimentos, também cada vez mais frequentes e maiores, em educação médica continuada feitos pelas empresas do setor. É esse o cenário atual da cannabis medicinal no País.
A Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BR Cann) registrou, durante o ano passado, um aumento de 110% nas vendas de produtos que utilizam como base a substância, que é extraída da maconha e precisa ser importada pelos fabricantes nacionais.
A divulgação de estudos científicos que comprovam a eficácia da planta para o tratamento de uma série de doenças constitui mais um fator pró-cannabis.
Sintomas associados ao câncer, à esclerose múltipla, ao autismo, a dores crônicas e a transtornos de ansiedade, assim como a crises epilépticas, estão entre os males de prescrição médica bem-sucedida e legitimada pelo acompanhamento de pesquisadores.
Um estudo recente de duas universitárias do Distrito Federal, que cursam Biomedicina, aponta a eficácia do uso terapêutico de canabidiol (CBD) para o tratamento pediátrico de epilepsia.
Canabidiol é o medicamento que contém a substância de mesmo nome encontrada na cannabis. O resultado da pesquisa converge para a mesma conclusão de vários outros estudos mundo afora.
PRECONCEITO
Ana Carolina Guimarães e Natasha Soares, formandas do Centro Universitário de Brasília (Ceub), formam a dupla que assina o artigo “Eficácia do Uso de Canabidiol em Pacientes Pediátricos com Epilepsia Refratária ao Tratamento: Uma Revisão Sistemática”.
O estudo foi desenvolvido por meio do programa de iniciação científica da instituição.
Com o objetivo de reforçar a eficácia do tratamento com CBD, as pesquisadoras acompanharam 100 pacientes com “epilepsias refratárias pediátricas resistentes aos fármacos convencionais”.
As novas biomédicas centraram foco no amplo espectro de propriedades farmacológicas do CBD, como a ação analgésica e imunossupressora existente na substância.
“Nosso ponto principal é mostrar que, por mais que existam pesquisas e resultados promissores, o preconceito ainda é muito evidente na sociedade brasileira. Precisamos buscar mais alternativas eficazes para ajudar essas crianças”, afirma Natasha Soares.
CRIANÇA PODE?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o CBD pode ser usado no tratamento de diversas doenças, como, por exemplo, ansiedade, estresse pós-traumático, além de atuar como medicamento anti-inflamatório.
Atualmente, o Brasil tem 18 medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a liberação para o uso pediátrico ainda é polêmica e inacessível.
Analisando estudos que testaram crianças a partir de um mês de vida, a pesquisa aponta que a maioria dos pacientes (60%) utilizou o óleo de canabidiol purificado. Os outros pacientes utilizaram produtos combinados de CBD e tetrahidrocanabinol (THC).
SÍNDROMES E RESULTADOS
Os experimentos envolveram crianças com diversas síndromes: Lennox-Gastaut, West, Dravet, Doose, Ohtahara, epilepsia focal e multifocal, encefalopatia epiléptica, epilepsia generalizada, epilepsia infantil intratável, espasmos infantis, Sturge-Weber e epilepsia infantil de ausência focal.
Foram extraídas e avaliadas as seguintes informações: idade dos participantes, tipo de epilepsia, dosagem do canabidiol e redução do número e/ou intensidade das crises e efeitos adversos.
Quanto à frequência das crises, 14 estudos apresentaram pacientes que cessaram totalmente o problema. A maioria, entre 80% e 100% dos participantes envolvidos na pesquisa dos 25 artigos, apresentou reduções menores das frequências das crises.
Por se tratar de uma doença que não responde aos medicamentos convencionais, a investigação de novas formas de tratamento, como o uso do CBD, pode proporcionar qualidade de vida para essas crianças e seus familiares.
O artigo acadêmico destaca a segurança e a eficácia do uso dos dois principais canabinoides (CBD e THC) em pacientes pediátricos. Outro ponto favorável é a reação do organismo aos medicamentos. Os efeitos foram “leves” em comparação a outros tratamentos considerados invasivos e tóxicos para as crianças.
Ana Carolina afirma que alguns pacientes conseguem ter acesso ao medicamento com muita dificuldade, já que é necessário entrar na Justiça para conseguir uma receita do CBD. “Com a implementação de estratégias e políticas públicas sobre o canabidiol, o acesso ao tratamento será facilitado a todas as classes sociais”, diz a pesquisadora.
“Sobre nossa pesquisa, podemos evidenciar a eficácia do CBD, que, quando combinado com o THC, tem mais benefícios, desde que utilizados com dosagem adequada. As reações adversas desse tratamento são bem mais brandas em relação aos fármacos convencionais. Por isso, precisamos incentivar e buscar mais pesquisas efetivas no Brasil. Resultados promissores nós temos, mas, infelizmente, o preconceito inviabiliza e demoniza o uso medicinal”, diz Natasha.
POUCOS MÉDICOS
Apesar do horizonte em ascensão na comercialização do insumo, a biomédica e sua parceira reforçam o entrave gerado por essa barreira na mentalidade geral em relação aos tratamentos.
Ambas declaram que a motivação maior para a pesquisa veio da “ausência de medidas efetivas sobre o assunto no Brasil”.
Em que pese o consumo do CBD ter mais que dobrado em 2021, outro levantamento, conduzido por uma empresa que monitora as oportunidades de mercado para o setor, a Kaya Mind, revela que o acesso aos tratamentos concentra-se em alguns estados, conforme o número de autorizações para a importação de produtos à base de cannabis medicinal.
Considerando uma contagem a partir de fevereiro de 2019, o Distrito Federal é a unidade federativa que acumula mais prescrições autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): 121 autorizações a cada 100 mil habitantes.
Mato Grosso do Sul ocupa o oitavo lugar no ranking: 30 autorizações a cada 100 mil habitantes. O número de médicos aptos a esse tipo de prescrição também é muito baixo. Segundo a Anvisa, são apenas 2.100 profissionais, o que equivale a menos de 0,5% do total de médicos do País.