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Capa B+: Entrevista exclusiva com o Chef Paulo Machado

Cultura e gastronomia mundial

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Paulo Machado é plural. É mestre em hospitalidade, chef do Instituto Paulo Machado, apresentador de TV do canal Modo Viagem da Rede Globo e colunista de gastronomia da CBN, além de ministrar aulas sobre gastronomia pelo Brasil e pelo mundo.

Apresentador do "reality show" gastronômico "Sabor a Prova", na TV Record MS.

Desde 2013, ele realiza Food Safaris, expedições gastronômicas  por vários destinos no Brasil e pelo mundo, que promovem profunda imersão na cultura alimentar das regiões por que passa.

No currículo de Paulo ainda estão estudos e períodos de trabalho em restaurantes da Europa e do Brasil, onde assina o menu dos passeios: Recanto Ecológico Rio da Prata e Estância Mimosa na região de Bonito, um dos principais destinos do ecoturismo no mundo.

Já promoveu Festivais de Cozinha Brasileira em mais de 15 países com destaque para: Tailândia, Quênia, Itália, Peru, China, Singapura e Japão.

Em 2015, o cozinheiro e pesquisador recebeu o Prêmio Dólmã de melhor chef de cozinha na categoria nacional e é "Embaixador da Gastronomia Pantaneira"

para o mundo. Em 2018, ganhou o concurso do programa Fantástico com o melhor estrogonofe do Brasil, feito com carne de jacaré.

Coidealizador da Rota Gastronômica Pantaneira, promove o Pantanal nas maiores feiras de Turismo do mundo. Em 2019 recebeu o Colar do Mérito Pantaneiro, do governo de Mato Grosso do Sul, e a comenda no grau de Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, do governo federal brasileiro por seu trabalho como embaixador das cozinhas: pantaneira e brasileira, respectivamente.

Atualmente reside em Barcelona, ponto de partida para suas expedições gastronômicas pelo planeta.

"LA COCINA DEL PANTANAL”

O chef Paulo Machado anunciou um grande passo na sua trajetória como autor e estudioso. Embaixador da gastronomia pantaneira para o mundo, Paulo realizou em 12 de dezembro de 2024, evento de lançamento do livro “La cocina del Pantanal”, na Embaixada do Brasil, em Madri. O evento foi uma parceria com a Embaixada do Brasil na Espanha e a obra editada pela Documenta Pantanal.

“La Cocina del Pantanal: Los Sabores de la Transhumancia” possui textos de Cristina Couto e fotografia de Luna Garcia.

“Transmitir saberes e reforçar a identidade cultural latino-americana é o que busca a versão em espanhol do meu livro. Estou muito feliz em poder lançá-lo na residência brasileira na Espanha, e quero também agradecer todo o empenho do Sr. Embaixador Orlando Leite Ribeiro, que inclusive contribui com um texto de apresentação neste projeto.”, comemora o chef.

A noite foi um momento único, uma experiência pelos sabores, cores e perfumes do Pantanal, com degustações de quitutes regionais assinados por Paulo, apresentações e a oportunidade de encontrar o autor em uma sessão de autógrafos.

"É com grande alegria que recebemos o chef Paulo Machado para a apresentação aqui em Madri de seu livro sobre receitas pantaneiras. Já tive oportunidade de visitar o Pantanal inúmeras vezes, e não cansei de me surpreender com sua impressionante riqueza de fauna, flora, gastronomia e cultura. Celebraremos esse patrimônio brasileiro junto ao público espanhol, trazendo uma perspectiva única sobre um de nossos ecossistemas mais fascinantes.", comenta Orlando Ribeiro, embaixador do Brasil na Espanha.

O Chef Paulo Machado é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana. Em entrevista ao Caderno que exibe a sua nova diagramação ele fala sobre seu início de carreira, gastronomia e viagens internacionais, participações no Masterchef e novidades para 2025.

O chef Paulo Machado é Capa exclusiva do Correio B+ - Foto: Luna Garcia - Diagramação: Denis Felipe - Entrevista: Flávia Viana

CE - Paulo, em que momento descobriu a gastronomia?
PM -
 Descobri minha aptidão para a gastronomia de forma mais intensa quando me mudei de Campo Grande, onde nasci, para São Paulo em 1998.

A experiência de viver em uma grande metrópole trouxe novos desafios e oportunidades, eu era ainda estudante e me via maravilhado com a diversidade de ingredientes exóticos que encontrava no bairro da Liberdade, com as cores do mercadão municipal, com as receitas italianas do bairro do Bixiga, eu era estudante e foi nesse período que comecei a cozinhar para mim mesmo, e posteriormente resolvi me dedicar profissionalmente na área de gastronomia. 

Me formei em Direito e depois fui trabalhar em cozinha, pode parecer bizarro mas segui o meu instinto, tinha em mim essa paixão por criar pratos, descobrir como as coisas eram feitas, essa transformação que a culinária trás, de ingredientes a obras primas que são obras de Chefs mais respeitados do mundo, enfim, quando me debrucei neste caminho foi imersivo. Sem volta atrás e continuo nele até hoje, aprendendo, trocando, ensinando e me realizando cada vez mais nesse tema. 

CE - Saiu de Campo Grande há quanto tempo e porquê?
PM -
 Eu me mudei pra São Paulo em 1998, desde então, até hoje, já morei em diferentes cidades, conheci um grande número de paises, 60 no total, até hoje, mas retornei pro meu ninho que é Campo Grande, onde está minha família, meu Instituto de Pesquisas em Alimentação e a base do meu trabalho central que é a Cozinha Pantaneira.

Hoje vivo na ponte aérea: Campo Grande - Barcelona, pois a Espanha é central para a minha marca de viagens, os FoodSafaris, que sou responsável desde 2021 pelas expedições internacionais e a pesquisa sobre novos destinos.

CE - Sente falta do estado? Vem de quanto em quanto tempo?
PM -
 Como eu falei pra você, eu praticamente não sinto falta de Mato Grosso do Sul por que ele está comigo todos os dias. Tudo o que eu faço é levar este estado comigo, pra onde quer que eu ponha minha alma. Seja para ensinar uma escola de gastronomia como fazer um arroz carreteiro ou um caldinho de peixe e a chipa, até pra servir o doce de leite mais gostoso do Brasil, feito no Recanto Ecológico Rio da Prata, para também, os paladares mais exigentes das feiras de turismo e gastronomia ou embaixadas do Brasil pelo mundo.

Viajo muito, mas algumas vezes do ano estou em Campo Grande. 2025 mesmo, que mal começou já estive na Capital Morena duas vezes.

Foto: Luna Garcia

CE - Que projetos você tem em MS e como funcionam, conta pra gente?
PM - 
São vários projetos em Mato Grosso do Sul, e o mais importante é que tenho muita gente boa comigo nesse balaio. A Fundação de Turismo de Mato aGrosso do Sul aliada ao Sebrae MS são grandes parceiros quando apresento projetos pioneiros que visam pesquisar, estudar e apresentar a nossa gastronomia ara o mundo.

As secretarias de cultura, tanto da capital quanto do estado também elevam a gastronomia ao patamar cultural. Isso é muito importante. Ao longo destes meus anos pesquisando a cozinha pantaneira já desenvolvi dois projetos com apoio do Fundo de Investimentos Culturais de MS. Em 2008, realizei um mapeamento e levantamento de dados da cozinha pantaneira que embasou posteriormente meu trabalho no Mestrado em

Hospitalidade e depois o meu primeiro livro: “Cozinha Pantaneira: comitiva de sabores”, pela editora BEĪ e Documenta Pantanal, sobre a cozinha pantaneira com 65 receitas regionais e o segundo projeto foi o livro: “Rota Gastronômica Pantaneira, por Paulo Machado”, com 20 receitas dentre elas, 10 autorais e outras dez encontradas nas pousadas e estabelecimentos turísticos da região do Pantanal Sul, e que publiquei e lancei ano passado no Instituto Histórico e Geográfico de Campo Grande. 

Novos projetos para o próximo biênio também estão se desenvolvendo, um deles, e que estou buscando apoio, pois já foi aprovado a nível federal é o livro: Cozinha da Zizi, as receitas da casa da minha avó Zilá Machado. 

Aqui abro um parênteses: minha avó Zizi, uma exímia cozinheira, e minha mãe, Lúcia Martins Coelho Barbosa, artista plástica, sul-mato-grossense, muito visionária e criativa. Foram basilares para o que hoje sou profissionalmente, o que torna o meu olhar para essa cozinha que temos tão feminina, muito mais apurado.

Com o trabalho delas percebi que a culinária poderia ser uma forma de expressar minha identidade e minhas raízes. As memórias das refeições familiares e as técnicas aprendidas com minha avó se tornaram a base da minha cozinha, enquanto a visão artística da minha mãe inspirou minha abordagem estética e criativa na apresentação dos pratos.

Essa combinação de tradição e inovação, somada à experiência urbana, permitiu que eu desenvolvesse meu próprio estilo e, assim, a verdadeira descoberta da gastronomia se concretizou, levando-me a explorar e celebrar a rica cultura do Pantanal em meus projetos e na minha vida. 

CE - Quais os seus programas de culinária preferidos?
PM - 
Sinceramente, eu não tenho paciência pra assistir programas relacionados a gastronomia, eu prefiro vivê-la, gasto esse tempo de ficar na frente da telinha pra ir diretamente ao mercado ou feira de rua mais próximo de onde eu estiver, visitar pequenos restaurantes ou comida de rua da cidade ou localidade que eu estiver é claro, através dos FoodSafaris que são as expedições de gastronomia que eu criei junto com minha sócia Pollianna Thomé, há 12 anos, eu faço essa imersão de “programa de tv” na prática. 

Quando tenho tempo pro entretenimento meu ócio é no Cinema ou busco filmes de arte, séries cômicas ou dramáticas e um e outro documentário sobre temas relacionados a meio ambiente, diversidade e sustentabilidade que são assuntos que me preocupam e me interesso cada vez mais. 

CE - Você gosta de apresentar programas, conta sobre os que apresenta.
PM -
 Eu sinto que todo esse aprendizado na prática, além de dar aulas há muito tempo, seja nas universidades por onde passei ou nas aulas shows e treinamentos em cozinha que dou, toda essa bagagem me dá o embasamento para apresentar programas de tv, meu podcast viagem de sabores e minha coluna semanal na rádio CBN.

Eu amo o que faço e sinto que consigo transmitir isso nos programas de TV que participo, seja no Master Chef, o qual já participei como convidado de algumas edições até o meu programa de TV, o sabor à prova, que está indo para a 5ª temporada e é apresentado na TV MS Record. 

No Masterchef - Divulgação

CE - Como foi participar do Masterchef Brasil? Como surgiu o convite?
PM - 
Foram três participações ao longo dos anos, sempre como convidado para mostrar a cozinha pantaneira, uma das ocasiões apareci falando um pouco do trabalho com um dos competidores, o Daniel Barbosa, chef que trabalhou comigo nas olimpíadas do Rio.

Outra vez fui representado a região Centro Oeste, num programa lindo onde os competidores, separados por grupos tiveram que trabalhar com frutos do Cerrado como o pequi e aprenderam as técnicas do macarrão de comitiva e da linguiça de Maracaju.

Agora minha grande participação e que pra mim foi um divisor de águas na emancipação do meu trabalho em consolidar a cozinha pantaneira no rol de cozinhas mais importantes do Brasil foi montar uma mesa com inúmeros elementos, pratos, ingredientes e combinações encontradas no Pantanal.

Esse programa foi lindo, na 10ª edição do master chef, inteiro dedicado ao nosso tema e os competidores trabalharam com maestria inspirados na minha aula. Foi emocionante. E ainda divido o palco naquela edição com o Chef Rodrigo Oliveira, amigo de profissão que conheço bem e admiro demais. 

CE - Como são os Festivais de Comida Brasileira que você promove?
PM -
 Geralmente apresento um projeto ou entram em contato comigo dada a minha vasta experiência em promover este tipo de evento, para uma participação ou curadoria de um festival de cozinha brasileira. Eu com toda minha vasta expertise na área vou moldando o evento de acordo com o cenário, e muitas vezes com apoio da iniciativa pública ou privada. 

CE - Fale pra gente do "LA COCINA DEL PANTANAL”
PM - 
Há dois anos fui recebido pelo embaixador do Brasil em Madri, Orlando Leite Ribeiro, para apresentar meu livro: Cozinha  Pantaneira e dali surge a ideia de fazermos a publicação em espanhol e lançarmos o livro no salão nobre da embaixada, o que aconteceu no último dezembro. 

A versão do livro em espanhol nasceu por conta da minha parceria com a Documenta Pantanal, que é uma iniciativa que conecta profissionais de áreas diversas, para sensibilizar as pessoas da importância de defender o bioma. A Monica Guimarães, diretora da Documenta, abraçou a ideia, e hoje o livro está disponível para toda a comunidade hispanófona no site da “Casa del Libro”, editora mais importante da Espanha. 

Foto: Luna Garcia

CE - Como funciona o seu trabalho em Bonito?
PM -
 Há doze anos assino o cardápio e o treinamento em gastronomia das equipes de cozinha da Estância Mimosa em Bonito e do Recanto Ecológico Rio da Prata em Jardim. É um trabalho de formiguinha mas que graças a visão dos proprietários é o empenho da equipe, a cada visita eu noto a evolução do cenário para a gastronomia na região.

Em termos de bioma, Bonito é mais Cerrado e Mata Atlântica que Pantanal, mas ocorre que a cultura gastronômica é pantaneira, salvo algum traço ou outro. A cultura pantaneira traspassa fronteiras. 

Hoje temos dois menus bem diferentes para cada passeio, servimos doarem 150 a 250 turistas/dia. O doce de leite conseguiu o selo arte, abolimos produtos industrializamos. O laticínio, bem como o horti-fruti granjeiro vem todo da fazenda. Temos uma agrofloresta e horta de manejo orgânico que oferece frutas, ervas, pimentas e hortaliças o ano todo, respeitando a sazonalidade. Enfim, um mundo que se abriu pro meu trabalho e que posso na prática aplicar o que eu vou aprendo em relação a cozinha regional pantaneira. É lá que você encontra a minha essência gastronômica. 

CE - Paulo você é um chef premiado, como é levar a cultura do MS para o mundo?
PM - 
Eu sinto que boa parte do que colhi hoje tem a ver com a minha persistência em mostrar e demonstrar para as pessoas o potencial gastronômico e cultural que temos em nossa região. Mato Grosso do Sul prima por suas influências. 

O desenvolvimento gastronômico de MS é de extrema importância, pois reflete a riqueza cultural e a diversidade de influências que moldam a região. As tradições paraguaias, bolivianas, japonesas, libanesas, entre outras, se entrelaçam com as práticas locais, resultando em pratos únicos que são verdadeiras expressões da identidade sul-mato-grossense. 

Essa fusão de sabores e técnicas não apenas enriquecem os restaurantes locais, mas também a destaca no cenário nacional, oferecendo experiências que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do Brasil. Assim, a gastronomia de MS se torna patrimônio cultural, celebrando a sua singularidade e promovendo a valorização das tradições, técnicas e ingredientes locais, e eu tenho a obrigação de divulgar isso tudo nos quatro cantos do mundo.

E sabe o que é o mais legal? Não estou sozinho nessa. Estou alinhado com tantos Chefs que temos na região, posso citar nomes e certeza que deixarei muitos de fora, então é melhor nem mencionar, porque cada vez mais admiro as pessoas da minha área, principalmente os mais jovens debruçados no olhar pantaneiro. 

CE - O que o Paulo mais gosta de comer? E o que mais gosta de cozinhar?
PM - 
Feijoada é meu prato favorito, e pra onde viajo no Brasil ou mesmo em Portugal e alguns outros países que cozinham com feijão, aprendo algo novo, adoro também cozinhar pratos como a feijoada e guisados, ensopados, gosto de comida com molho sabe? Na feijoada mesmo ando colocando toques de especiarias como uma pitadinha de cravo, cominho ou noz moscada. Combina demais, fica uma delícia, mas isso é só um segredinho tá? Tem que ser usado com parcimônia.

CE - Em que lugar do mundo está agora?
PM - 
Respondo estas perguntas aqui de Madri na Espanha onde estou para cozinhar em dois grandes eventos de turismo e gastronomia dos mais importantes do mundo. A FITUR (feira internacional de Turismo) é o Madrid Fusión (evento de gastronomia e negócios mais movimentado da Espanha). Daqui vou para a Catslunya levar um grupo de clientes e pesquisadores para caçar trufas e participar do Trufforum na cidade medieval de Vic. Evento realizado pelo Instituto Europeu de Micologia. 

CE - A gastronomia está na moda ou sempre esteve?
PM - 
Mais do que na moda hoje vivemos o tempo do que comer importa. Queremos saber de onde vem a origem dos alimentos e isso é importante para o ser humano, para o meio ambiente e para o futuro. Acredito que cada vez mais a gastronomia estará entrelaçada com o turismo, com os regionalismos e com a sustentabilidade que liga os produtos do campo a mesa e ingredientes de proximidade. 

CE - Quais os seus planos para 2025?
PM -
 São muitos eventos, jantares, aulas e viagens a trabalho. Estou indo mês que vem pra Berlim e depois Los Angeles, em ações de turismo e gastronomia para a Fundtur MS e Itamaraty. 

Farei um FoodSafaris pra Bordeaux onde levo dois grupos, 25 clientes para conhecer a fundo esse sistema alimentar que envolve as mais importantes vinícolas do mundo, Foie Gras, caviar e trufas do Périgord. Em junho participo de um congresso de cozinhas regionais latino americanas em Mérida, provincia de Yucatan no Golfo do México.

E em algum momento retorno para Mato Grosso do Sul ainda este semestre pra gravar a 5ª temporada do Sabor à Prova. E em julho ainda estou nas tratativas de uma colaboração com o Itamaraty para apresentação de sabores pantaneiros no contexto do BRICS para as missões estrangeiras que visitarão Brasília.

No segundo semestre, continuar meu treinamento de cozinha para as equipes da Estância Mimosa e Recanto Ecológico Rio da Prata em Bonito e Jardim, respectivamente. Também  pretendo dirigir uma série para um canal da TV brasileira e documentário sobre a cozinha pantaneira, mas ainda não posso revelar o veículo, terminar dois livros de cozinha e turismo regional.

Participar de ação da Embratur em NYC, levar o grupo dos FoodSafaris para o México para desfrutar de toda a cultura alimentar que envolve o Día de Muertos (aproveitem que esta expedição ainda não está completa)! E em novembro apresentar a Rota Gastronômica Pantaneira na WTM Londres. 

Bem, parafraseando Manoel de Barros, “meu quintal é maior que o mundo”, estes são alguns dos gols para 2025. Sei que vou viajar e trabalhar bastante e quando dá, voltar pro meu rincão, pois afinal é onde mora meu coração e mente. Viva meu Mato Grosso do Sul.

 

ENTREVISTA COM BIANCA

"A fauna pantaneira é a base musical das nove composições de 'Pantanal Jam'"

Cantora Bianca Bacha, da Urbem, fala como a paisagem natural de Miranda afetou o processo de criação e gravação do segundo álbum da banda, sobre a diferença entre o canto com letra e as vocalizações que são a sua marca e anuncia projetos nos EUA e Espanha

15/12/2025 11h00

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano Divulgação / Alexis Prappas

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ENTREVISTA COM BIANCA

Recuperando para o leitor: como se deu a oportunidade do encontro e da parceria com o Ryan para o projeto do álbum “Pantanal Jam”?

Conhecemos Ryan Keberle no Campo Grande Jazz Festival [em março de 2024] e com ele tivemos uma troca musical instantânea. Tocamos juntos em um show no Sesc [Teatro Prosa] em setembro de 2024 e, a partir de lá, tivemos a certeza de que ainda faríamos muita música juntos.

No Pantanal, onde Ryan esteve pela primeira vez durante as gravações, ficou nítido que ele conseguiu transpassar para o repertório o encantamento que ele estava vivendo em meio a toda aquela natureza.

É o segundo disco, nove anos depois de “Living Room”. O que “Pantanal Jam” representa para a Urbem?

Este projeto é o nosso território sonoro: onde a música que criamos se entrelaça à natureza que nos guia em forma de jam. Na música, uma jam significa um encontro musical sem aviso prévio, as coisas vão acontecer ali na hora, portanto, o inesperado é bem-vindo e, com ele, você improvisa.

Qual seria o conceito geral do álbum?

O conceito do álbum nasce da escuta profunda da fauna pantaneira. Os cantos dos pássaros, o esturro da onça e os sons das águas e dos ventos não são efeitos nem pano de fundo: são a base musical das nove composições. A natureza atua como um músico a mais na banda de jazz, dialogando conosco em frases de pergunta e resposta.

Sandro Moreno registrou esses sons in loco, mergulhando no Pantanal para captá-los com precisão. Depois, analisou esse vasto material para identificar melodias, ritmos e motivos que se tornariam a essência das composições.

E, para fechar o ciclo, o álbum também foi gravado no coração do Pantanal. Com geradores a gasolina e um estúdio móvel, nós, a Urbem e o trombonista Ryan Keberle, levamos a música para o ambiente que a inspirou. E ali criamos, novamente in loco, em plena natureza selvagem.

Que tipo de referências buscaram para os arranjos, as sonoridades e as texturas?

Toda a referência e textura do álbum “Pantanal Jam” nascem dos próprios sons do Pantanal. A imersão no território e a escuta atenta transformaram cantos de pássaros, esturros, movimentos da água e vozes da mata em matéria-prima musical.

Cada faixa traduz essa convivência direta com a fauna e seus ritmos naturais, convertendo sons de bichos em música. Viva, orgânica e profundamente enraizada na paisagem pantaneira.

Isso está bastante perceptível. Os sons e toda a atmosfera do Pantanal atravessam o mood e talvez a própria concepção dos temas. Pode comentar um pouco mais sobre essa presença de elementos da natureza – e dessa natureza tão singular de MS – na criação de vocês?

A fauna, a luz, o silêncio amplo, os ventos, os cantos e até os vazios típicos da paisagem pantaneira influenciam diretamente a forma como criamos. É como se o ambiente nos orientasse musicalmente: às vezes guiando uma melodia, às vezes sugerindo um pulso, às vezes impondo uma pausa.

Esse encontro com a natureza não é decorativo, é estrutural. Ela atravessa tudo, o gesto musical, o espírito do disco e a maneira como a banda se relaciona com o som.

No “Pantanal Jam”, a paisagem não é cenário: é presença, é voz, é parceria criativa. É música.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Onde exatamente estiveram e gravaram? E quando foi?

As gravações foram feitas na Fazenda Caiman, em junho deste ano, num cenário que não poderia ser mais inspirador. Foram escolhidas pela produtora três locações diferentes, e para cada uma delas, três músicas.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Com uma equipe ultraprofissional que trouxe segurança e leveza para uma gravação ao vivo numa condição completamente inusitada.

E quanto ao repertório? Como chegaram às nove canções do disco?

Entre as composições, temos duas músicas do Paulo Calasans [“Swingue Verdejante” e “Suspiro da Terra”], um dos maiores produtores, arranjadores e instrumentistas do País, além de duas canções do Ryan Keberle junto com Sandro Moreno [“Paisagem Invertida” e “Entre Folhas”] e cinco composições nossas [“Espiral”, “Pluma”, “Voo Curvo”, “Barro” e “Canção do Ninho”].

Penso que o Pantanal é experimentado de um jeito bem particular por cada pessoa. Como é para você? Como aquele ambiente lhe toca e eventualmente interfere no seu jeito de cantar?

Tudo ali era extremamente inspirador. Dormir e acordar naquele lugar por alguns dias já me fazia até respirar de jeito diferente, com menos pressão e mais imersão.

Isso com certeza influenciou no jeito de cantar. Porém, o mais impressionante era saber que estava gravando um disco com toda aquela fauna ao redor, um jacaré no lago ao lado e uma onça a alguns quilômetros.

Embora domine há duas décadas o canto com letra e muitas vezes cante dessa forma em apresentações ao vivo, na Urbem, você investe sempre nos vocalizes e scats.

Todas as músicas do álbum “Pantanal Jam” usam a voz como instrumento, ou seja, não há letras nas músicas. Além de ser uma característica jazzística, esse estilo de canto se aproxima mais do cantar dos pássaros, a busca por seus fonemas e emissões.

Cada música exige uma altura e um escolher apropriado de sílabas que encaixem com a afinação e a expressão.

Adoro o canto com letras. Ali você tem palavras, interpreta, coloca ênfases. É até uma emissão de voz diferente. Só que comecei a me encantar com o mundo do jazz e toda essa coisa do canto que não usa palavras, o vocalize. E comecei a ouvir cantoras que cantam assim.

Tatiana Parra [cantora, compositora e professora paulistana] canta assim, nossa, de um jeito maravilhoso. A [portuguesa] Sara Serpa também. Tem também as divas mais antigas que faziam mais questão de improviso, o scat singing.

O canto sem palavra é muito desafiador porque ele é mais cru, mostra mais imperfeições de respiração, de emissão, de escolha de sílabas. E é muito improvisado. Porque a cada dia você pode usar uma sílaba diferente, pode caracterizar de uma outra forma.

Num dia vou fazer “u”, no outro dia posso fazer “a”, no outro posso fazer “e”. E você tem que descobrir ali, numa forma você com o seu corpo. E além de ter o desafio de você demonstrar o interpretar com emoção sem ter palavras.

Então é muito jazz [risos]. E acho muito bonito. Sempre vai ser um desafio. Sou com o meu corpo, com as palavras que eu escolho, que nem sempre são pensadas.

Claro que tem uma questão técnica de que o “i” você vai mais para um agudo, no “u” também; nos graves, você vai para outras escolhas, as consoantes também interferem. Gosto muito de passear pelas duas áreas. Tanto a área da interpretação com letra quanto a área dos vocalizes e texturas.

E Nova York? Pode contar um pouco sobre a recente temporada de vocês por lá?

O “Pantanal Jam” foi lançado em novembro deste ano com um show memorável em Nova York, durante a feira internacional de turismo Visit Brazil Gallery [na Detour Gallery], e a recepção foi extraordinária.

Pessoas do mundo inteiro, agentes de turismo, diretores da National Geographic, fotógrafos de natureza e profissionais de diversas áreas assistiram ao show com atenção absoluta.

Desde a primeira música, compreenderam nossa proposta e permaneceram maravilhados até o fim. Foi um momento histórico para Mato Grosso do Sul e para a arte sul-mato-grossense.

Esse resultado só foi possível graças ao apoio total da Fundtur e do seu diretor-presidente, Bruno Wendling, que acreditou no projeto desde o início e se comprometeu a nos apoiar tanto nas etapas de captação no Pantanal quanto no lançamento em Nova York. Além disso, segue impulsionando a campanha contínua de apresentar o “Pantanal Jam” ao mundo.

E faz sentido: ouvir o Pantanal desperta o desejo de visitá-lo, conhecê-lo e preservá-lo. O projeto reúne arte, natureza, conservação, turismo e toda a beleza única do nosso bioma, uma combinação que emociona e conecta o público global ao coração do Pantanal.

Além do álbum que já está lançado em todas as plataformas, temos uma série de vídeos das nove músicas e um minidocumentário.

Quando teremos shows da Urbem? Quais os próximos passos e projetos da banda?

A Urbem se sente profundamente entusiasmada em seguir os passos de Manoel de Barros, da família Espíndola, de Guilherme Rondon, Paulo Simões, Grupo Acaba, Geraldo Roca e tantos artistas que sempre beberam dessa fonte primária que é o Pantanal, transformando-a em arte para o mundo.

Recentemente, pesquisadores de Harvard e professores da UFMS colheram sons do Pantanal [pelo projeto Pantanal Sounds, que conta, entre outros, com nomes como o do violoncelista e professor William Teixeira], e esse movimento nos inspirou a ir a campo gravar os sons pantaneiros e a fazer composições dentro da nossa linguagem jazzística, incorporando esses registros naturais ao nosso modo de compor e evidenciando em música as belezas pantaneiras.

Temos planos de retornar aos Estados Unidos em breve e estamos em diálogo com a Embaixada do Brasil em Barcelona, onde palestraremos em março.

Além disso, a Urbem participará do Campo Grande Jazz Festival de Rua, no dia 21 de dezembro [neste domingo], em uma jam session com músicos locais e de São Paulo.

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MÚSICA

Entre onças e tuiuiús, o jazz

Em parceria com o trombonista Ryan Keberle, com nove composições inspiradas na exuberância do Pantanal, URBEM lança segundo álbum; 2º Campo Grande Jazz Festival celebra o gênero na Capital, com apresentações gratuitas

15/12/2025 10h00

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno Divulgação / Alexis Prappas

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Sem dar muitos detalhes, o baterista Sandro Moreno, quando conversou comigo, em junho, sobre o álbum que a Urbem gravaria com Ryan Keberle, adiantou que o projeto seria “algo muito especial”.

Após o show – memorável, diga-se – que fizeram juntos no Teatro do Mundo, o quarteto campo-grandense – além de Sandro, Bianca Bacha (vocais), Ana Ferreira (piano), Gabriel Basso (contrabaixo) – e o trombonista norte-americano foram para a zona rural de Miranda e se instalaram na Fazenda Caiman.

Foi lá que a magia aconteceu. Na estrada desde 2013 e com apenas um álbum lançado até então, “Living Room” (2016), a banda disponibilizou “Pantanal Jam” no Spotify no dia 29 de outubro, três dias antes do show que realizaria em Nova York, em um evento na Detour Gallery que uniu arte, gastronomia e turismo para promover o Pantanal.

São nove faixas criadas e gravadas com extremo apuro e sensibilidade, que alcançam os músicos da Urbem e Ryan num ponto bem elevado de suas capacidades.

Os temas soam como se os cinco artistas tivessem se deixado abraçar pela contagiante pregnância da natureza de Miranda, e Bianca Bacha confirma isso em entrevista exclusiva.

Melodias, pulsações e andamentos foram se definindo conforme eles mergulhavam em tudo que viam, ouviam e sentiam por ali: ventos, o canto das aves, “o esturro da onça”, como Bianca relata. Ouvindo os sons naturais, captados previamente por Sandro, que assina a produção musical do projeto, cada um estabeleceu sua conversa criativa com o Pantanal.

O registro dos sons naturais – de aves, por exemplo — introduz, se mescla ou faz a ponte para uma execução instrumental (voz inclusa) coesa e deveras inspirada, que não força a barra para sorver e devolver, em forma de música, a fartura que o habitat de Miranda oferece.

“Suspiro da Terra”, doce e pulsante, e “Paisagem Invertida”, essa mais selvagem e misteriosa, são uma prova disso.

Ryan pontua, preenche ou arremata sempre com uma precisão e desprendimento envolventes. Ana, como se ouve em “Espiral”, migra da base para os solos numa transparência que comove. Gabriel – em “Canção do Ninho”, por exemplo, que começa e segue na cama dos gomos que vai colhendo ao longo do tema – parece deter a justa medida para o desempenho de seu baixo.

"Foi uma grande honra participar da criação do ‘Pantanal Jam’. Os sons da Pantanal, do modo como Sandro captou, tiveram um papel direto no processo de composição das duas músicas que fiz para o álbum.

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro MorenoRyan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas

O tom e os ritmos dos sons naturais do Pantanal, inspirados por ideias musicais e paisagens sonoras próprias, criaram um clima que eu tentei capturar nas minhas composições. Quando nós gravamos, literalmente no meio de um dos lugares mais selvagens e remotos do mundo, a beleza e a energia natural nos inspirou a ouvir a natureza e um ao outro mais profundamente, o que resultou numa performance musical que demonstra uma profunda comunicação musical.

Adoro os músicos e a música da Urbem. E, desde que tocamos juntos em diversas ocasiões anteriores, eu compus as minhas músicas especificamente com o talento e a habilidade musical especial deles em mente” - Ryan Keberle, trombonista.

Sandro é um laboratório inquieto, dos pedais aos pratos de condução. E Bianca conduz os vocais numa têmpera e numa fruição que se articula como síntese do conjunto.

Comparações e referências são uma tentação no mundo do jazz. Mas a qualquer palpite sobre “Pantanal Jam”, é melhor calar e ouvir. É um álbum estimulante para esse silêncio de dentro, que nos faculta as melhores emoções da escuta e da experiência musical.

Brazilian jazz? Jazz? Ouça. Música apenas. E quanta música! Embrenhada e revelada nos refúgios de um lugar mágico, onde a natureza se recobra e o espírito se fortalece.

A Urbem lança “Pantanal Jam” hoje, às 18h, no Centro de Convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo. Apareça.

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