Se você não curte conteúdo de macho alfa, que tenha guerra, traições e ideologia conservadora, a prequela da série A Lista Terminal, que passou na Prime Video em 2022, não é pra você. Mas, se curte dramas densos com pé na política internacional, essa é sua série.
Com A Lista Terminal:
Lobo Negro (The Terminal List: Dark Wolf), a Prime Video decidiu expandir o universo de Jack Carr mergulhando no passado de Ben Edwards, personagem que no final da primeira série se revelou traidor de seus irmãos de armas. A prequela, lançada em agosto de 2025, chega carregada de contradições: ao mesmo tempo em que se apresenta como um thriller de ação e espionagem, também se torna um retrato ideológico da América em sua fase tardia de supremacia global.
A crítica especializada já notou a discrepância. Para muitos, Lobo Negro insiste em repetir o discurso de que “burocratas” — leia-se, o “estado profundo” — impedem que homens como Edwards “salvem o mundo livre”. Essa retórica de combate permeia diálogos e situações que, em vez de mergulharem na complexidade geopolítica, preferem reforçar a simplificação maniqueísta: bons americanos contra “monstros à porta”. Assim como The Terminal List, a nova série aposta em explosões, tiroteios em cidades europeias e frases de efeito no lugar da sutileza de um Le Carré.
Cinema B+: Lobo Negro: Ideologia, Guerra e a Face Humana de Ben Edwards - DivulgaçãoE, ainda assim, há algo magnético em ver Taylor Kitsch assumir o protagonismo. A crítica reconhece que ele se encaixa melhor no arquétipo do guerreiro atormentado do que Chris Pratt, que aqui aparece apenas nos episódios de abertura e encerramento. É Kitsch quem dá corpo a um Edwards dilacerado, um homem que, cinco anos antes dos eventos de A Lista Terminal, já havia perdido a fé em autoridades e abraçado um caminho de violência sem regras de engajamento. Sempre gosto da entrega de Taylor, sinto falta dele em mais filmes e séries.
Em entrevista recente, o ator refletiu sobre essa dualidade. Para ele, o maior desafio foi compreender como alguém chegaria ao ponto de trair seus próprios irmãos SEAL. Seu processo de construção do personagem tem a ver com disciplina e repetição: há mais de uma década treina com o mesmo Navy SEAL, Ray Mendoza, que o orientou desde Lone Survivor. Em Lobo Negro, Kitsch precisou se preparar não apenas para combates em desertos e montanhas, mas também para coreografias em mercados, estações de metrô e túneis subterrâneos. É o tipo de aprendizado que confere ao show um certo realismo técnico, mesmo quando a trama flerta com a propaganda.
O ator admite que Edwards é movido por emoções devastadoras. Algo pessoal o quebra em Mosul, em 2015, levando-o a perder a fé nos superiores que decidem proteger um ativo da CIA sádico e violento. É nesse instante que sua trajetória muda: ele busca redenção, mas arrasta consigo o amigo Raife Hastings (Tom Hopper) para uma espiral sem volta. Como o próprio Kitsch resume: “A guerra não é preto no branco, você vive no cinza. Ben é testado nesse limite.”
O resultado, no entanto, oscila. Lobo Negro às vezes consegue oferecer momentos intensos — como uma memorável luta corpo a corpo entre uma hacker franzina e seu adversário bem maior —, mas em geral recorre a soluções fáceis: tiros, explosões, frases de efeito como “prefiro uma cerveja, mas que se dane, vamos explodir tudo”. O excesso de testosterona encobre nuances possíveis, e mesmo dilemas morais acabam tratados como pano de fundo para justificar agressões, danos colaterais e até condutas abusivas de personagens secundários.
Ainda assim, a presença de Kitsch, sua entrega e até sua vida fora das telas adicionam camadas que a série, sozinha, não teria. Em paralelo ao trabalho no Prime, ele fundou em Montana um retiro para veteranos, vítimas de traumas e dependência química — o Howlers Ridge. Ali, em 22 acres junto ao Yellowstone, o ator tenta oferecer um ambiente de cura para aqueles que carregam marcas semelhantes às que encena em Ben Edwards.
Talvez resida aí a ironia maior: enquanto a série parece mais interessada em sustentar a mitologia do americano que melhora o mundo seguindo seus instintos violentos, o intérprete de Edwards prefere usar sua fama para criar espaços de acolhimento, e não de guerra. Entre a ideologia dura da ficção e a prática suave da vida real, Lobo Negro encontra seu maior interesse justamente fora da tela — no contraste entre o personagem e o homem que o interpreta.


