O prestígio de Fernando Meirelles como cineasta acabou aproximando a O2 Filmes, produtora do qual é sócio, da Globo. Após parcerias de sucesso como “Cidade dos Homens” e “Antônia”, o diretor já buscava outros projetos para apresentar à emissora quando, em uma viagem ao Canadá, ficou fascinado pela estrutura narrativa da série “Slings and Arrows”, de 2003. A trama conta a história de uma trupe teatral que vive entre a realidade e a fantasia nos palcos e nos bastidores. A cada montagem de uma das densas peças do dramaturgo inglês William Shakespeare, os personagens vivem com muito humor seus dramas pessoais. Adaptada ao Brasil há exatos 10 anos sob o título de “Som & Fúria”, a minissérie de 12 episódios foi ambientada na efervescente e disputada cena teatral paulistana, com direito a todos os clichês e estereótipos locais: o diretor conceitual, a atriz madura que se sente ameaçada por novos talentos e o preconceito com intérpretes oriundos da televisão. “Assisti à versão canadense em 2007, gostei muito e mandei pro Guel (Arraes, diretor artístico da Globo). Ele também adorou e já encomendou a adaptação. Acho que o grande barato dessa produção foi apresentar Shakespeare de forma simples e popular, tirando o caráter acadêmico que sua obra ganhou com o passar dos anos”, valoriza Meirelles.
Na trama, Dante, Oliveira e Elen, personagens de Felipe Camargo, Pedro Paulo Rangel e Andrea Beltrão são amigos de longa data e têm a vida completamente impactada depois de uma apresentação de “Hamlet”, quando Dante, que fazia o papel principal, surta e sai no meio da cena. O episódio abala profundamente a relação entre eles, já que Dante e Elen viviam uma história de amor fora dos palcos, e Oliveira estava no auge de sua carreira como diretor. Acreditando que Elen e Oliveira são amantes, Dante some da vida deles durante sete anos. Oliveira assume a direção artística da conceituada Companhia de Teatro do Estado (CTE), na qual Elen é a estrela. Já Dante fica à frente de uma pequena e falida companhia chamada Sans Argent. “Por conta de problemas pessoais do passado, a tevê parecia não se interessar mais em mim. Levei um susto quando o Fernando me ligou para falar do Dante, um protagonista complexo, genial e cheio de facetas. Esse trabalho mudou a minha vida e inaugurou um novo momento na minha carreira”, emociona-se Felipe Camargo.
O tempo passa e o reencontro do trio não poderia ser mais tenso: no velório de Oliveira, que morreu vítima de atropelamento. Além de ter que encarar as mágoas do passado com Elen, Dante também precisa lidar com o fantasma de Oliveira, que decide guiar seus passos e o recolocar no lugar de prestígio que um dia esteve. Dante acaba sendo chamado para assumir interinamente a direção artística da CTE. No novo cargo, além de criar uma nova versão de “Hamlet”, ele precisa lidar com a visão empreendedora de Ricardo, diretor administrativo da companhia, e Graça, ambiciosa funcionária da Secretaria de Cultura, papéis de Dan Stulbach e Regina Casé. “Eles querem que os espetáculos sejam mais lucrativos. Não entendem nada de arte ou de Shakespeare e acham que o teatro musical é a única opção válida para ganhar dinheiro. Ou seja, são personagens muito realistas”, brinca Dan, que ainda exalta a importância da série na apresentação de novos nomes da cena paulistana ao público de tevê, como Cecília Homem de Mello, Maria Helena Chira, Juliano Cazarré e Antonio Fragoso.
Toda captada em HDTV e gravada entre julho e novembro de 2008, a série teve como principal cenário as dependências e o palco do Teatro Municipal de São Paulo. A cidade, inclusive, tornou-se um personagem extra dentro da série, que percorreu outros pontos turísticos e ruas famosas. Por conta dos altos custos da locação e da logística para gravar no centro da cidade, uma réplica do teatro teve de ser construída nos estúdios da O2 Filmes, em Cotia, interior paulista. “A gente precisava do cenário real, mas também era interessante gravar em um ambiente com mais controle de cena. Foi um trabalho minucioso de cenografia e que nos deu mais conforto e domínio”, explica Meirelles. Os figurinos criados por Verônica Julian exclusivamente para a produção também se destacaram ao longo da minissérie. Ao todo, 500 peças foram utilizadas. Além do vestuário do dia a dia dos personagens, a equipe também teve de confeccionar itens de alfaiataria para as oito montagens de espetáculos de Shakespeare encenados nos episódios, entre eles “Macbeth”, “Sonho de Uma Noite de Verão” e “Romeu e Julieta”. “Foi um trabalho muito bem idealizado e que mostrou a vontade da emissora em investir em uma teledramaturgia mais ousada”, destaca Guel Arraes.