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proibido olhar para baixo

Entenda a acrofobia, o medo exagerado de lugares altos

Episódio de garoto em prédio no centro de Campo Grande ganhou o mundo e chama atenção para a acrofobia, o medo exagerado de lugares altos

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Sexta-feira, 12 de novembro. Um vídeo de celular com 21 segundos de duração e imagens de um garoto caminhando na parte externa da janela de um prédio, no centro de Campo Grande, viralizou no Brasil e no mundo. 

O menino de dois anos de idade teria permanecido ali, segundo testemunhas, por pelo menos cinco minutos e chegou a dar alguns passos. A janela fica no nono pavimento do edifício, o mesmo andar de onde caiu, em junho do ano passado, o filho de cinco anos da empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, em Recife.

São episódios alarmantes, que, além de causarem comoção e revolta, chamam atenção para a acrofobia, que pode ser definida como uma sensação de medo exagerada e irracional de lugares altos. 

Um estudo de 2009 aponta que entre 2% e 5% da população mundial sofre desse tipo de fobia, mais recorrente entre as mulheres. Se você sente grande incômodo quando está, ou simplesmente pensa, em terraços, parapeitos, escadas, elevadores, pontes ou janelas, pode ser que esteja entre essas pessoas. 

Se não consegue ajudar uma criança a descer de uma árvore ou sequer trocar uma lâmpada em casa, certamente você faz parte das estatísticas.

Estímulo neutro

“Para essa criança [do vídeo em Campo Grande], a altura talvez seja um estímulo neutro, algo que não lhe provoca fobia”, especula o psicólogo Ícaro Vieira, de 25 anos. 

Nascido em Alegrete (RS), Vieira se formou na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e foca seus atendimentos na Capital em pacientes com fobias específicas, como o medo de algum animal ou de palhaços, por exemplo.

“A gente nasce geralmente com algum grau de estímulos que são naturalmente aversivos, como som alto, por exemplo. Qualquer

estrondo, explosão, a gente se agacha, sai correndo, instintivamente já emitindo comportamentos para nossa própria proteção. Acredito que para essa criança a altura não provoca a mesma sensação que para outras pessoas que já aprenderam a se precaver. Para ela, é um estímulo neutro”, explica Vieira.  

Segundo o psicólogo, que segue a abordagem cognitivo-comportamental, é natural que qualquer pessoa sinta uma fobia, uma ansiedade, um certo pânico, se está em uma altitude muito alta sem proteção e sem segurança. 

“Agora, quando não é uma altura tão grande e a pessoa está bastante protegida de sofrer alguma queda, mas, mesmo assim, sente muito medo, isso é caracterizado como uma fobia que precisa de tratamento”, afirma.

SINTOMAS

Em outras palavras, esse medo costuma se manifestar de diversas formas, provocando vertigens e a necessidade de se agarrar a algo ou de correr para um local seguro. 

Em casos extremos, alguém com esse tipo de pânico pode até querer saltar de um precipício para se livrar do pepino.  

Quando estiver sobre uma superfície elevada, na vida concreta ou na imaginação, fique atento. Uma série de sinais pode ajudar na identificação da acrofobia, como: suadeira, tremedeira, palpitação e arritmia cardíaca, falta de ar, náuseas, dor de cabeça, tensão muscular, choros, gritos, pavores, maus pressentimentos, entre outros.

VERTIGO

Na maior parte dos casos, a acrofobia surge em decorrência de um trauma. 

“Geralmente acontece mais na infância, mas também pode acontecer na vida adulta”, diz Vieira. “Uma boa parte das fobias específicas acontecem depois de um trauma, depois de um evento traumático ligado ao próprio estímulo que acaba se tornando fóbico”. 

É exatamente o que ocorre com Scottie, o personagem do ator James Stewart (1908-1997) no longa-metragem “Um Corpo que Cai”, de Alfred Hitchcock (1899-1980). O título original do filme em inglês, “Vertigo”, significa vertigem, sensação pessoal de que tudo está rodando, provocando tonturas e mal-estar.

Na trama, lançada em 1958, o ex-policial Scottie carrega a culpa de não ter segurado um colega de profissão no terraço de um prédio durante uma perseguição. 

O tratamento que o filme mostra para a acrofobia ilustra o que o psicólogo chama de terapia de exposição.

“Ela é baseada na exposição do indivíduo fóbico aos estímulos que lhe assustam. As fobias específicas são mantidas por causa da própria evitação dos estímulos fóbicos, de modo que o indivíduo não consegue aprender a tolerar a fobia, a ficar mais habituado com o estímulo da fobia”, afirma Vieira. 

“Então, o terapeuta busca de várias formas expor o indivíduo, com total segurança, é claro, a esse estímulo fóbico. Por exemplo, pouco a pouco, em pequenos passos. Se é medo de altura, expor o indivíduo a pequenas alturas primeiro e depois a alturas maiores”.

Últimas notícias

UM BANQUINHO E A INUNDAÇÃO

Amiga de Scottie em “Um Corpo que Cai”, Midge (Barbara Bel Geddes) é a responsável pela terapia de exposição a que se submete o herói. Em seu apartamento, ajuda-o a equilibrar-se para subir em um banquinho. 

O amigo obtém êxito e, então, aumenta o desafio, propondo-se a, entre aspas, escalar uma cadeira mais alta, que possui alguns degraus. 

Mas Scottie entra em pânico e fracassa. Teria ele desenvolvido uma climacofobia? Essa é para quem não passa nem perto de uma escada.

Na “vida real” da psicoterapia, a explicação para a experiência frustrada seria a seguinte: o personagem, provavelmente, migrou de modo repentino da terapia de exposição, gradual e de acordo com os avanços do paciente, para a terapia implosiva ou de inundação, criada nos anos 1960 e bem mais intensa na estimulação fóbica.

A ideia é que, após o tratamento, o paciente se torne dessensibilizado ao estímulo, como naturalmente ocorre aos trapezistas e aos operários que fazem manutenção em postes ou na parte externa de edifícios.

DESEQUILÍBRIO

Dificuldade de manter o equilíbrio ou a postura corporal correta também são comuns entre os acrofóbicos e são, muitas vezes, uma consequência do mau funcionamento do sistema vestibular (ouvido interno), que pode se manifestar no organismo por meio de uma sensação de aceleração ou de gravidade fora do normal. 

A acrofobia afeta a propriocepção, uma espécie de sentido inconsciente do cérebro que orienta o corpo no espaço. Mas os acrofóbicos, necessariamente, não têm medo de viajar de avião (aerofobia).

Seja como for, o fundamental é buscar a ajuda de um especialista para um diagnóstico e um tratamento adequados. Além da psicoterapia apontada por Ícaro Vieira, há casos de pacientes que obtiveram êxito com métodos mais alternativos, como a hipnoterapia. 

Ao desenvolver habilidades de enfrentamento, o acrofóbico passa a ter condições de gerenciar seus medos e suas ansiedades.

MITOLOGIA E REALIDADE VIRTUAL

A terapia de exposição pode ser posta em prática por dispositivos de mediação com o risco real. 

“Graças à tecnologia, a gente consegue fazer com que o indivíduo consiga ter uma exposição por meio da realidade virtual aos estímulos que são fóbicos de uma maneira muito segura". 

"São usados óculos de realidade virtual, e aí o terapeuta, eventualmente, ensina o paciente a relaxar diante disso e ele acaba tendo uma nova aprendizagem diante desse estímulo, que é fóbico e passa a ser um estímulo que a gente chama de neutro”, afirma Vieira.

Curiosamente, o prenome do psicólogo evoca uma das histórias mais conhecidas da mitologia grega: a queda de Ícaro. 

Filho de Dédalo, criador do labirinto construído para confinar o Minotauro em Creta, o jovem Ícaro acaba sendo preso com o pai por ordem do rei da ilha, Minos. Mas Dédalo consegue preparar dois pares de asas.

Na fuga, Ícaro sobe em direção ao sol, hipnotizado pelo astro. A cera das asas derrete e o jovem, outrora alado, cai no mar em queda fatal. 

O psicólogo conta que seu pavor era diferente do de seu xará mitológico. “Eu tive claustrofobia [pânico de locais fechados], hoje não tenho mais, graças à terapia de exposição pela qual eu passei quando era pequeno”, finaliza.

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Diálogo

A eleição passou, mas a prefeita reeleita Adriane Lopes continua...Leia na coluna de hoje

Por Ester Figueiredo ([email protected])

22/11/2024 00h01

Diálogo

Diálogo Foto: Arquivo / Correio do Estado

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Davi Roballo - escritor brasileiro

"Infelizmente, descobrimos um pouco tarde que devemos viver para deixar saudades, boas lembranças, e não bens, já que tudo perece, menos a alma, que é eterna”.

FELPUDA

A eleição passou, mas a prefeita reeleita Adriane Lopes continua sob a artilharia pesada dos adversários, principalmente de alguns dos derrotados. Esse, digamos assim, fogo cerrado deverá continuar, na tentativa de impedir a sua consolidação como forte liderança, e poderá vir a atrapalhar os planos de muita gente em um futuro não muito distante. Desde já, portanto, estão jogando ainda tachinhas, pregos e similares no caminho político-administrativo da prefeita. Ah, o poder!

Diálogo

Elas

As duas vereadoras que em 2025 atuarão na Câmara Municipal de Campo Grande têm ideologias políticas extremamente diferentes. Luiza Ribeiro, que foi reeleita, é do PT e defende temas que batem de frente com as posições da chamada direita.

Mais

Já Ana Portela, do PL, a qual exercerá o seu primeiro mandato, é verdadeiramente do time do ex-presidente Jair Bolsonaro e tem, portanto, posições políticas que duelam com a esquerda. Os embates entre ambas prometem ser constantes em plenário.

Diálogo
Maria Pedrossian de Abrantes - Foto: Arquivo Pessoal
Diálogo
Paulo Verissimo - Foto: Rafael Cusato

Retorno

Passada a ressaca pela derrota do candidato tucano a prefeito de Campo Grande, que não chegou nem sequer ir para o segundo turno, aqueles que foram nomeados para trabalhar na campanha começaram a voltar para os seus, digamos, “antigos aconchegos”. As nomeações estão saindo aos poucos no Diário Oficial. Dizem, aliás, que tem gente com insônia, pois o tempo passa, o tempo voa, e…

Press trip

Encerra-se hoje a visita ao Pantanal – promovida pela Embratur e pelo Sebrae-MS – de cinco jornalistas do Reino Unido e da Irlanda para conhecerem a região. A press trip pelos destinos e atrativos desse bioma que é Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco teve início no dia 18 e também  contou com o apoio da Fundtur.

Turistas

Segundo o Portal de Dados da Embratur, de janeiro a setembro deste ano, o Estado recebeu 51.173 estrangeiros. No ano passado, entraram pelas fronteiras de MS 70.277 turistas. Entre os dois primeiros semestres de 2023 e 2024, houve um aumento de 18,6% na entrada de visitantes internacionais. Mato Grosso do Sul recebeu turistas principalmente de Portugal, da Inglaterra e dos EUA no primeiro semestre deste ano, tendo destaque os aeroportos de São Paulo (91,9%), de Brasília (2,3%) e do Rio de Janeiro (1,5%) como portões de entrada.

Aniversariantes

  • Dra. Anamélia Wanderley Xavier,
  • Luiz Carlos Santini Júnior,
  • Simplícia (Pimpa) Alves Arruda,
  • Luiz Fernando Buainain,
  • Dra. Thaisa Saddi Tannous Silvino,
  • Marie Rose Jabur Sleiman,
  • Diego Fabricio Cruz Duailibi,
  • Cecílio Lino de Rezende,
  • Rubens Aleyne,
  • Gilberto Henrique de Oliveira,
  • Nirton Froeder,
  • Luciano Dias Ferreira Dutra,
  • Oswaldo Pires de Rezende,
  • Guilherme Roncaglia Seco,
  • Erminio Berto da Silva,
  • Ana Sirlei Vieira Castoldi,
  • Cassia Modena de Souza,
  • Leonardo Marques Ennes,
  • Odorce Bentos da Cunha,
  • Paulo Antônio Serra da Cruz,
  • Gabriel Silva Fernandes,
  • Milene Garcia Busato,
  • Glauco Cortez Mattos,
  • Dr. Leonardo Higa Nakao,
  • Leozitor Floro de Souza,
  • Paulo Antunes de Siqueira,
  • Jussara Coimbra Pedra Brum,
  • Jerônimo Rezek Rocha,
  • Celso Chaia,
  • Edson de Souza Teixeira,
  • Gledson Paulino Leal,
  • Rodrigo Bombonato Postinguel,
  • Fernando Bittar,
  • Daniele Costa Morilhas,
  • Gilberto Alves Ferreira,
  • Nilda da Silveira Falcão,
  • Fabiana Soares Katayama,
  • Cecília Barcellos Teixeira,
  • Jayme de Magalhães Júnior,
  • Cristiane Tavares Soares Bigolin,
  • Jander Castellani Dias,
  • Renato Baschi,
  • Aimar Joppert Junior,
  • Darci Marques,
  • Ana Claudia Nacer de Souza,
  • Dr. Marcos Estevão 
  • dos Santos Moura,
  • Dra. Gabriela Ferreira 
  • Calarge Jankauskis,
  • Dr. Euler Simões Corrêa Jorge,
  • Maxwell Aparecido Chaves,
  • Inah Barbosa dos Anjos,
  • Neiva Guerreiro,
  • Assaf Jorge Nesrala,
  • Roberto Assaf Nesrala,
  • Cesar Augusto Pires da Silva,
  • Márcio Augusto de Oliveira,
  • Fabiola Matte Freitas,
  • Joice Mara Medeiros da Silva,
  • Fátima Aparecida Maronha Fujimak,
  • Eugênio Quevedo,
  • Leontina Aparecida de Souza,
  • Idelso Berro,
  • Ana Maria Lima Mendonça,
  • José Wilson Capdeville Bastos,
  • Eliane dos Santos Silva,
  • Albano do Prado 
  • Pimentel Franco,
  • César Chedid,
  • Dr. Benedito de Oliveira Neto,
  • Claudio Augusto Guerra,
  • Luiz Claudio Monteiro,
  • Ana Paula Silva,
  • Pedro Henrique Gomes,
  • Denise Maria Decco,
  • Adriana Queiroz Sobreira,
  • Edgar Buytendorp,
  • Volnei Camargo Borges,
  • Gabriela Gelir Capitânio,
  • Mirella Galando Montilha,
  • Driele Luz Bahia Rodrigues da Silva,
  • João Mitumaça Yamaura,
  • Nilva de Oliveira Neves Inoue,
  • Cecílio Claudiano Yegros Aranda,
  • Patricia de Souza Lima,
  • Alberto Grangeiro da Costa Júnior,
  • Paula Latta Pereira Camargo,
  • Mara Moreira Luna,
  • Rui Pires dos Santos,
  • Lídio Recalde,
  • Vivaldo Batista,
  • Kelei Zeni,
  • Ivone Pessine,
  • Lisete Padilha Rubert,
  • Mariana Moura de Almeida Vieira,
  • Nilma Maria Nascimento Lima,
  • Enio Alberto Soares Martins,
  • Antonio Carlos Silveira Soares,
  • Vitória de Oliveira Pedroso,
  • Cecilia Elizabeth Grotti,
  • Silvia de Lima Moura Figueira,
  • Pedro Valdemar Lopes,
  • Bruno de Brito Curto,
  • Celso Mazzoni Haidamus,
  • Maria das Graças Ribeiro,
  • Antonio Valdir Severo,
  • Juliana Morais Arthur,
  • Amarildo Jonas Ricci,
  • Alberto Henrique 
  • Teixeira de Barros.

*Colaborou Tatyane Gameiro

LITERATURA

"A MORTE FAZ PARTE DA VIDA"

Psiquiatra e escritora, Natalia Timerman, autora de "As Pequenas Chances" (Editora Todavia), em que, na chave da ficção, aborda a morte do pai, conversa com o público hoje na Hámor Livraria; Lorena Gonçalves e Marcos Vitor participam do bate-papo e a entr

21/11/2024 10h00

"Anoto coisas o tempo todo, em cadernos, nos livros que leio, no próprio celular. Mas quando meu pai estava doente não anotei uma única linha", afirma a escritora Natalia Timerman, que já lançou um romance pela Todavia, entre outras publicações Foto: Renato Parada

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O que pensamos e sentimos e como agimos quando perdemos um familiar? E se quem morrer for seu pai? Natalia Timerman passou pela experiência em 2019. E como, nas suas palavras, “não havia mais nada a se fazer”, sentiu-se instada a escrever o que se tornou “As Pequenas Chances”, segundo romance da psiquiatra e escritora paulista, publicado em 2023 pela Editora Todavia, que ganha lançamento em Campo Grande. A autora conversa com o público hoje, na Hámor Livraria, a partir das 19h, com entrada franca.

Lorena Gonçalves e Marcos Vitor participam do bate-papo, em que a prática da escrita como aliada ao processo de luto familiar e sua articulação com o exercício literário devem pautar o encontro, assim como a expressão autobiográfica e as origens judaicas da autora, que para ela representaram o resgate de tradições que até então desconhecia e que a morte do pai, também médico, em decorrência de um câncer, acabou ocasionando.

Natalia tem 43 anos e é mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), onde cursa atualmente doutorado em Literatura. Desde o lançamento, “As Pequenas Chances” vem obtendo seguidas resenhas positivas, pelo modo como sua narrativa confessional alinhava fabulação e reflexão pessoal a partir do mote autobiográfico. “Tem trilhado um caminho bonito”, diz a escritora sobre o livro que já ganhou algumas reimpressões e a levou à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e a Portugal.

"Anoto coisas o tempo todo, em cadernos, nos livros que leio, no próprio celular. Mas quando meu pai estava doente não anotei uma única linha", afirma a escritora Natalia Timerman, que já lançou um romance pela Todavia, entre outras publicações

Sua produção já publicada inclui “Desterros: Histórias de Um Hospital-Prisão” (Editora Elefante, 2017), a coletânea de contos “Rachaduras” (Quelônio, 2019), que esteve entre os finalistas do prêmio Jabuti, e, também pela Todavia, “Copo Vazio” (2021), seu primeiro romance, em que apresenta a perturbada paixão de Mirela por Pedro, em que “a dúvida e o desalento” se seguem à “felicidade insuportável” do início.

A quatro mãos, com a psicanalista Bel Tatit, publicou “Os Óculos de Lucas” (Brinque-Book, 2022), seu primeiro livro infantil, com ilustrações de Veridiana Scarpelli. Natalia é colunista do portal UOL e colaboradora das revistas Quatro Cinco Um e CULT. Também dá aulas de literatura em cursos livres. Confira, a seguir, o que diz a escritora sobre “As Pequenas Chances”, em entrevista ao Correio B.

Como apresentaria a trama de “As Pequenas Chances”?

“As Pequenas Chances” é um romance sobre a morte de um pai. Um pai médico, cuja filha, narradora do livro, também é médica, um pai que tem um linfoma e entra em cuidados paliativos e morre. É também um livro sobre luto, sobre memória e sobre judaísmo, pois essa filha, que até então não se reconhecia judia, se vê acolhida pelos rituais fúnebres judaicos e decide, depois, empreender uma viagem para as terras de onde vieram seus avós. 

O que motivou o desejo de escrevê-lo e publicá-lo?

Eu anoto coisas o tempo todo, em cadernos, nos livros que leio, no próprio celular. Mas quando meu pai estava doente não anotei uma única linha. Depois que ele morreu, não havia mais nada a se fazer. Por isso escrevi. “As Pequenas Chances” tem um cerne autobiográfico, sustentado por uma ficção, e é um livro que se assume como ficcional. Não pensei se devia ou não publicá-lo, porque o livro já foi concebido como parte do meu percurso como escritora.

O que diria ao leitor?

O leitor encontrará um livro que olha de frente para a dor da perda, mas que não considero um livro triste. É um livro acima de tudo sobre a vida, e a morte faz parte da vida. 

E você? O que espera com a publicação?

O livro foi lançado em outubro de 2023 e tem trilhado um caminho bonito. Me levou à Flip e a diversos outros festivais, foi publicado também em Portugal, de onde voltei há pouco, e já foi reimpresso algumas vezes. 

Como se deu a rotina da escrita?

Eu escrevi a maior parte do livro em uma residência artística para a qual havia ganhado uma bolsa e para onde fui apenas três meses depois da morte do meu pai. Dali, saiu um material denso, bruto, que me emocionou muito ao escrever. Passaram-se três anos antes que eu tocasse naquilo de novo e finalizasse o livro. Esse tempo foi importante, pois me possibilitou distinguir que dor pertencia à narradora e que dor pertencia somente a mim. 

Luto, perda, culpa, vínculos familiares, saudades, suturas. Do ponto de vista pessoal, qual o maior desafio de levar ao papel essa temática?

Escrever sobre a morte de alguém muito amado, se, por um lado, organiza um material doloroso disforme, por outro, revolve esse mesmo material. 
Como o livro parte de eventos autobiográficos, pessoas de verdade estão envolvidas. A Martha, companheira do meu pai, por exemplo, adorou o livro, mas me disse que ela se lembrava de tudo de um jeito muito diferente. Entendi então que eu tinha escrito a minha versão, ou melhor: a versão de uma personagem que viveu coisas que eu não vivi e que se diferencia de mim principalmente porque tem a palavra, o que diante da morte eu não tive. 
Lembro-me do dia do primeiro lançamento, em São Paulo: eu me sentia muito feliz e tinha dificuldade em conciliar essa felicidade com toda a tristeza pela morte do meu pai, que deu origem ao livro. Pareciam coisas incompatíveis, e são, mas o papel da literatura é justamente esse: sustentar contradições.

O que é, afinal, o luto? E por que as pessoas, de modo geral, parecem ter tanta dificuldade com ele? Tanto com o seu próprio processo de enlutamento quanto com o dos outros.

O luto é um longo processo, talvez infinito, de criar uma vida nova depois que se perde algo ou alguém muito importante. A maneira como vivemos, a maneira como consumimos e somos consumidos, desconsidera a morte. Por isso é tão importante falar dela: para que vivamos bem.

Em que medida o fato de ser uma psiquiatra e também o seu percurso de pós-graduação eventualmente afetaram e afetam o processo criativo?

Escrevemos com tudo o que somos, mesmo que não seja sobre nós mesmos. Ser psiquiatra, então, está no cerne da minha escrita, que se embrenha, acho, nos pensamentos, emoções, vergonhas, culpas e segredos das minhas personagens.

Já pensa em um próximo projeto literário?

Minha mãe está muito pouco presente em “As Pequenas Chances”. Meu próximo livro, então, será sobre ela.

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