Há mais de duas décadas, o fashion designer Fábio Mauricio constrói um universo autoral em que a moda não é apenas vestimenta, mas documento, memória e pulsação cultural. Natural de Rondônia e radicado em Campo Grande desde 2003, ele já criou mais de trinta coleções e inúmeros figurinos que circularam pelo Brasil.
Neste ano, Fábio apresenta o que chama de sua mais ousada criação: Xeque Mate, um desfile conceitual que transforma o tabuleiro de xadrez em narrativa da identidade sul-mato-grossense.
O desfile será realizado amanhã, às 20 horas, no palco do Teatro Aracy Balabanian, no Centro Cultural José Octávio Guizzo, reunindo 32 modelos, entre eles 16 mulheres indígenas, que representarão peças do jogo e ícones da cultura do Estado. O evento é aberto ao público, com entrada franca.
"A moda de Mato Grosso do Sul já decolou. Inúmeros designers circulam o Brasil seja em feiras, eventos nacionais ou em seus próprios eventos realizados em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná e em outros estados. Como eu, mas não somente. A Bocaiuva com sua moda inclusiva, Emilia Leal com moda praia feita de couro pintado a mão, Boli Boli com moda vanguardista upcycling, Why Not by Gugliatto com o luxo do upcycling em jeans e Hígor Euzébio com a preciosidade do crochê. MS está longe de ser um polo industrial de moda, mas abriga os mais talentosos artistas do ramo. Falta o olhar mais apurado dos investidores em patrocinar os artistas, parcerias industriais com matéria-prima e entender que MS tem moda autoral com identidade local mas de âmbito nacional e internacional”.
- Fábio Mauricio, estilista
PONTO DE PARTIDA
“Já são 21 anos de inúmeras coleções, e o que me move é a moda em si: produzir, cortar, costurar, fotografar, desfilar, vender… Mas, acima de tudo, escolher um tema, um ponto de partida”, revela o designer.
Desde 2004, a marca FM chama a atenção, sustentando uma assinatura singular, marcada pelo upcycling, bordados manuais e uma estética que mistura referências como o punk e o glam. Para Fábio, identidade é o que transforma um criador em estilista. “As pessoas reconhecem uma roupa minha. Isso é o que diferencia meu trabalho no cenário da moda brasileira”, resume o estilista.
ENCONTROS E CONFRONTOS
A inspiração de unir o xadrez à história de Mato Grosso do Sul surgiu em 2012, quando Fábio celebrou uma década em Campo Grande. O projeto amadureceu ao longo dos anos, até se tornar um desfile que mergulha na miscigenação cultural do Estado e traduz essa diversidade em roupas. As peças dialogam com símbolos profundos.
No tabuleiro, o lado preto será representado pelo Pantanal e seus peões pantaneiros; as torres, pelo militarismo de Ladário e Corumbá; e os bispos, pela devoção à Nossa Senhora do Pantanal e pela festa de São João, tudo reinterpretado com um olhar rock and roll e fetichista. Já o lado branco terá como peões as oito etnias indígenas do Estado; torres que evocam as esculturas de Conceição dos Bugres e a bandeira de Mato Grosso do Sul; e bispos que carregam as influências do Paraguai e da Bolívia.
“A cada ano, novas ideias surgiam para essa coleção. As associações entre o tabuleiro e os ícones culturais de Mato Grosso do Sul não paravam de aparecer, e isso me deixava ainda mais empolgado”, conta Fábio.
REPRESENTATIVIDADE
Para o estilista, seria impossível falar de Mato Grosso do Sul sem a presença dos povos originários. Por isso, metade do elenco de modelos será composto por mulheres indígenas. “Eles são o corpo, a alma e o sangue do nosso Estado. A parte branca do tabuleiro no desfile será representada apenas por indígenas”, explica.
A seleção para compor o cast de modelos foi realizada em parceria com o designer e produtor cultural terena Bryan Soares, o que só reforça a potência da representatividade.
Essa identidade miscigenada aparece também nos materiais: mantas bolivianas, renda ñandutí paraguaia, acessórios indígenas criados pelo artista terena Sulyvan Barros e estampas de Ghva, que retrata povos originários. “As influências de diferentes povos vão muito além da roupa tradicional. São encontros que constroem a nossa cultura”, pontua Fábio.
ARTE E DOCUMENTO
O desfile não busca reproduzir vestimentas tradicionais, mas, por meio de tradições revisitadas, criar uma obra artística capaz de provocar e emocionar.
Realizado dentro de um sala teatral, com toda a especificidade de um ambiente pensado para abrigar criações cênicas, o desfile promete causar impacto visual e sensorial. “Será algo inovador, inusitado e profundamente cultural. É uma tradução pelo meu olhar”, define o estilista.
Mais do que espetáculo, Xeque Mate nasce como um projeto que, segundo Fábio, desafia preconceitos e amplia horizontes. “Espero que possamos desmistificar a ideia de que usar ícones da nossa cultura é cafona ou bairrista. Acredito que mais pessoas da moda possam olhar com atenção para a riqueza do Mato Grosso do Sul”, afirma.
FUTURO EM JOGO
O estilista não esconde o desejo de levar Xeque Mate a outros estados e até para fora do País, apresentando ao mundo a diversidade cultural do Mato Grosso do Sul por meio da moda. Para ele, a roupa é mais do que proteção. É identidade, símbolo e testemunho de um tempo. “Ninguém sai de casa sem roupa. Ela indica status, etnia, religiosidade. A moda é fator, ícone e documento de cultura”, conceitua Fábio.
No tabuleiro criado por Fábio Mauricio, cada peça é um corpo em movimento, cada look um gesto político e poético. “Xeque Mate não é apenas um desfile. É a celebração de um território, de um povo e de uma moda que, ao mesmo tempo em que veste, também narra e preserva”, reforça.
O projeto tem incentivo da Lei Paulo Gustavo, do Ministério da Cultura (MinC), por meio de edital da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), autarquia do governo do estado de MS. Mais informações pelo Instagram @f.mauriciobr.


Neli Marlene Monteiro Tomari e Yosichico Tomari, que hoje comemoram bodas de ouro, 50 anos de casamento - Foto: Arquivo Pessoal
Donata Meirelles - Foto: Marcos Samerson


