Há uns 6 anos, desde que o Príncipe Harry anunciou para o mundo que estava apaixonado pela atriz americana, Meghan Markle, a Família Real inglesa passou a protagonizar – involuntariamente – uma versão de reality show.
Toda sua história é marcada por dramas e escândalos, tanto que The Crown tem um vasto material de base cobrir os 70 anos de reinado de Elizabeth II e além.
No entanto, indiscutivelmente a dupla deixa a Princesa Diana no vácuo em termos de narrativa. Se o mundo até hoje ressente a história da princesa traída, perseguida e infeliz, ao inserir questões sociais e políticas no que seria uma bela história de amor, eles conseguiram abrir um caminho cujo destino ainda é incerto, mas viciante para quem acompanha.

O documentário Harry e Meghan, da Netflix, é uma extensão da famosa entrevista que o casal concedeu à Oprah Winfrey em 2020, chocando o mundo com o que compartilharam (as questões de racismo são chocantes).
Nos três primeiros episódios, não acrescentam necessariamente nada de revelador ou novo. Uma alfinetada aqui ou acolá, mas ainda nenhum ataque direto. Isso ficou guardado para a segunda parte da série.
Meghan e Harry registraram cada segundo de seu relacionamento, desde o primeiro encontro ao pedido de casamento, e são consistentes na maneira que querem contar seu romance.
Embora não assumam que estejam por trás do livro Finding Freedom, quem leu o best-seller com distanciamento identifica que as palavras e fatos descritos lá estão nos vídeos e declarações que estão na série, e que até então eram apenas de conhecimento de Meghan e Harry.

Graças ao rico acervo pessoal de imagens (fotos, vídeos e e-mails) que cederam para o documentário, eles nos transportam para sua bolha de admiração mútua e um romance de cinema.
Abrindo o coração, a história deles é de fato muito bonita e corajosa, porém está muito longe de transparente. Paradoxalmente o documentário reforça esse sentimento dos menos crentes.
Pode-se entender que a disputa por relevância e popularidade dentro do sistema estabelecido na Família Real é incongruente. Há hierarquia, há política, há ciúme e inveja, mas, todos jogam o mesmo jogo.
Apesar dos dois se colocarem à parte dessa tóxica dinâmica, hoje eles são o maior motor dela. Sem chances de um dia ser Rei, Harry nunca teve um destino grandioso à sua frente, mas estava preso a seguir as regras. É fascinante que tenha quebrado o molde e se reinventando como uma celebridade filantrópica.
Infelizmente, para que seu papel tenha contexto, ele escolheu explorar sua tristeza e decepção com seus parentes, deixando uma mancha inegável em toda possibilidade de imparcialidade.
Digo isso porque o documentário é lindo, mas incompleto. Assim como será sua biografia, lançada mês que vem. Jamais ouvimos ou ouviremos o lado das pessoas a quem ele acusa de mentirem, o traírem ou maltratarem Meghan, portanto eles podem falar “verdade deles”, mas, sem ouvir a dos outros, jamais chegaremos perto de descobrir o que realmente aconteceu.

E juro, é fácil para uma pessoa comunicativa e carismática como ele nos conquistar, afinal, Harry sempre foi o preferido de todos e Harry e Meghan reforça calculadamente a nossa admiração.
Não há nada de importante para recomendar checar o documentário como “imperdível” se não houvesse uma curiosidade doentia (e mundial) sobre como é a vida de príncipes e princesas.
Harry e Meghan é bem editado, bem conduzido e muito bem estruturado. O grande obstáculo de como a monarquia pode seguir sem ignorar seu papel no passado está desenhado – literalmente – em um episódio interessante, talvez o mais relevante da série. No entanto, a proposta não é se aprofundar nisso, é vender uma ode ao amor. E convence.
Seria incorreto do meu lado ignorar que precisamos lembrar que mais uma vez explorar a história de amor entre o Príncipe Harry e Meghan Markle é também extremamente lucrativo para todos os envolvidos.
Tanto que a Netflix, até aqui adepta a reforçar a cultura de “binge” (geralmente liberando todos os episódios de uma vez), salvou uma segunda parte da série para a semana que vem, para que, assim como todos os tabloides que são inimigos do casal, possa seguir em destaque.
Por isso recomendo tentar assistir com distanciamento, até porque a parte mais cabeluda de toda história ainda está por vir. Até aqui, ela é uma versão moderna de todos os filmes da Disney, incluindo “felizes para sempre”.