O cinéfilo de carteirinha que vive em Campo Grande hoje não tem do que reclamar. Acostumado a não contar com muitas opções no circuito local, ainda mais durante a semana, duas sessões – ambas no mesmo horário, 19h, e com acesso gratuito – transformam esta quarta-feira em dia nobre para o exercício da paixão de assistir e debater filmes coletivamente.
E, o que é melhor, de modo presencial.
Após retomar as sessões de corpo presente em novembro, mesmo que em ritmo de cautela, o Museu da Imagem e do Som (MIS) segue preenchendo a agenda de sua sala de projeção com novidades e projetos já residentes no line-up da casa, como a Mostra de Cinema Brasileiro Contemporâneo.
Parceria entre o MIS e o curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a Mostra ocupa a tela do museu, na sessão de hoje, com o longa-metragem “Bixa Travesty” (2018), dirigido por Claudia Priscilla e Kiko Goifman.
Bastante premiada no Brasil e em outros países, a produção faz um retrato comovente da cantora transexual Linn da Quebrada, participante da atual edição do programa “Big Brother Brasil”, que foi eliminada do reality show no paredão de domingo.
“Bixa Travesty” é recomendado para maiores de 14 anos. O MIS fica na Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 559, 3º andar. Mais informações podem ser obtidas no telefone 3316-9178.
Enquanto isso, no mesmo horário, no Teatro de Arena da Orla Morena (Av. Noroeste, próximo à rua João Azuaga), bem ao lado da área da tradicional feirinha da Orla, o coletivo Transcine promove mais uma sessão da mostra Quartas de Cinema, com projeção em dose dupla.
Serão exibidos os curtas documentais “Fujona – Em Busca da Liberdade” (2019), de Lu Bigattão, e “Campo Grande das Araras” (2020), de Lu Bigattão e Rosiney Bigattão.
DEBATE
Nos dois programas, haverá debate após a exibição. “Os nossos alunos não têm contato com o que de melhor o nosso cinema tem feito hoje.
Os filmes não chegam por aqui. E, na minha opinião, é da maior importância que eles tenham esse acesso ao que é contemporâneo a eles”, explica Julio Bezerra, professor da UFMS.
Ao lado de Vitor Zan, seu colega de docência na universidade, Bezerra assina a curadoria e atua como mediador dos debates nos encontros da Mostra Brasileira de Cinema Contemporâneo.
O curso de Audiovisual da UFMS tem investido em iniciativas de extensão com o objetivo de potencializar o repertório cinematográfico dos acadêmicos e despertar o interesse de pessoas de fora da universidade para o curso.
A próxima sessão da Mostra, no dia 11 de maio, já está agendada, mas o título a ser exibido está em fase de liberação de direitos e, por isso, ainda não pode ser divulgado. A intenção do projeto é “propor uma análise técnica das obras dentro de uma linguagem acessível para a sociedade”.
FORMAÇÃO DE PÚBLICO
A cineasta Marinete Pinheiro, coordenadora do MIS, afirma que a mostra em parceria com a UFMS permite a formação de público local para o cinema nacional.
“Acessar o cinema que está sendo produzido no Brasil, no momento, é uma necessidade para a construção fílmica local e um processo fundamental para os estudantes”, diz a gestora do museu, que integra a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS).
“O MIS tem um papel importante na difusão e na formação a partir do cinema, então, contribuímos e colaboramos para que ações como essa sejam efetivadas e alcancem o maior público possível”, enfatiza Marinete.
DO “BBB” AO MIS
Negra e transexual, a cantora paulista Linn da Quebrada lançou dois discos e participou de seis filmes desde 2017.
Até a participação no “BBB”, do qual saiu no domingo, seus trabalhos de maior projeção tinham sido a série “Segunda Chamada” e o longa “Bixa Travesty”.
O filme destaca a dimensão política do corpo de Linn e de sua presença na mídia brasileira, reforçando a militância da artista contra os estereótipos de gênero, especialmente as normas que favorecem o machismo e a intolerância contra a diversidade.
Em cena, lançando mão de uma linguagem ágil e multifacetada, a vemos como radialista, em um programa fictício ao lado da companheira de palco Jup do Bairro, com quem aparece também durante os shows.
Os momentos mais marcantes são as passagens em que Linn está em um hospital, durante o internamento para tratar de um câncer, ou aquelas com sua mãe, que envolvem afeto, tensão e intimidades, a exemplo de um banho. O enredo inclui ainda uma trama bônus com uma luva de Ney Matogrosso.
TRAGÉDIA
No Brasil, informa a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, dos quatro milhões de indivíduos da população identificada como pertencente a essas orientações do espectro LGBTQIA+, apenas 4% têm emprego formal.
A grande maioria – 90% – obtém renda por meio da prostituição; 70% não terminam o Ensino Médio; e apenas 0,2% chega a estudar em uma universidade.
Com esses dados alarmantes, o País não precisava ser campeão mundial de assassinatos de pessoas trans para o vislumbre de um quadro social de desigualdade preocupante. Mas é. Tudo isso reitera a relevância de personagens de fôlego, como Linn da Quebrada, para a causa na sociedade brasileira.
FENÔMENO
E a cantora-ativista de 31 anos, que tatuou o pronome “ela” na testa para não deixar dúvidas de como devemos chamá-la, abre frestas de sua personalidade em que se mostra frágil, engraçada, romântica, sonhadora e passional.
É uma entertainer completa. Tudo isso fez do longa dirigido por Claudia Priscilla e Kiko Goifman uma sensação desde o lançamento, com prêmios em importantes festivais, como os de Berlim, Brasília, Madrid, Milão, Mar del Plata e o Festival Melhores do Ano do Sesc São Paulo.
QUARTAS DE CINEMA
“Fujona – Em Busca da Liberdade” (2019), produção documental de 20 minutos em destaque na sessão do Transcine de hoje, na Orla Morena, conta a história de uma onça-pintada que, resgatada ainda filhote, fugiu por duas vezes do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras), em Campo Grande, tornando-se notícia entre o fim de 2010 e o início de 2011.
Para a diretora Lu Bigattão, a “fujona” demonstrava, com as fugas, a vontade de vivenciar a liberdade. “Mas como deve ter sido, para o animal, passar por essa situação?”, indaga a documentarista. O curta-metragem procura reconstruir os fatos, porém, sob o ponto de vista da onça-pintada.
O outro curta, “Campo Grande das Araras” (2020), também dirigido por Lu, dessa vez em parceria com a irmã Rosiney Bigattão, tem 27 minutos de duração e enche a tela com a ave colorida que é uma paixão sul-mato-grossense e, sobretudo, campo-grandense. Um dos últimos decretos do então prefeito Marquinhos Trad, assinado em março, foi instituir à Cidade Morena o título de Capital das Araras.
A mostra Quartas de Cinema exibiu, na semana passada (6), “Os Resultados do Feminino”, de Alice Guy-Blachè, “Suspense”, de Lois Weber, e “Argento”, de Mariana Sena. Na próxima semana (20), serão exibidos os seguintes títulos: “Sempre Existimos”, de Tanaíra Sobrinho, “Guarani Kaiowá – Entre Cantos e Lamentos”, de Tatiana Varela e Fabiana Assis, e “O Verbo se Fez Carne”, de Ziel Karapotó.
Para encerrar a mostra, no dia 27, o Transcine programou: “Flore.scer – Tita – Graffiti de Rua”, de Thallitha Vilalba, “Graffiti Mãe e Filha”, de San Martinez, e “Nova Lima, Mil Pecados”, produção assinada coletivamente pela banda La Firma.
O Transcine – Cinema em Trânsito completa, este ano, 10 anos de atividades, levando exibições de cinema ao público da Capital. O coletivo já realizou mostras na antiga rodoviária, na Praça Ary Coelho, na Orla Ferroviária e em parques públicos da Capital, entre outros lugares.
SERVIÇO
Mostra de Cinema Brasileiro Contemporâneo
> “Bixa Travesty” (2018), longa-metragem de Claudia Priscilla e Kiko Goifman.
Hoje, 19h
> Museu da Imagem e do Som (MIS) – Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 559, 3º andar. Grátis.
Mostra Quartas de Cinema
> “Fujona – Em Busca da Liberdade” (2019), curta-metragem de Lu Bigattão;
> “Campo Grande das Araras” (2020), curta-metragem de Lu Bigattão e Rosiney Bigattão.
Hoje, 19h
> Teatro de Arena da Orla Morena – Avenida Noroeste, próximo à rua João Azuaga. Grátis.





