O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul (Sindjor-MS), que completa 40 anos em 2023, celebra o Dia Internacional da Mulher trazendo a Campo Grande a jornalista gaúcha Vera Daisy Barcellos.
Com mais de cinco décadas de atuação na área, a convidada está na cidade para participar do painel “Das Ruas às Redes – Um Bate-Papo com as Mulheres do Jornalismo”, que ocorre hoje, a partir das 18h30min, no auditório do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), próximo à coordenação do Jornalismo.
Formada em 1971 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Vera Daisy é uma das pioneiras do jornalismo esportivo, além de ser militante do movimento feminista de mulheres negras e de fazer parte da Rede Feminista de Saúde, que, junto da Federação dos Trabalhadores em Educação de MS (Fetems), apoia a atividade do Sindjor-MS.
O painel também é uma parceria com o curso de Jornalismo da UFMS. Segundo a professora Katarini Miguel, a ideia é promover o encontro de gerações em um momento importante para o País, que é o de fortalecimento do direito à informação e do direito das mulheres em todas as áreas profissionais.
Mais da metade dos 1,2 mil jornalistas de MS é do gênero feminino, informa Tainá Jara, pesquisadora do Sindjor-MS, que destaca a importância da visibilidade das mulheres e das mulheres negras. Além de Katarini e de Tainá, participam do painel, ao lado de Vera Daisy, as professoras Tina Xavier e Mariúza Guimarães, vice-presidente da Associação dos Docentes da UFMS (Adufms), Deumeires Morais, presidenta da Fetems, e Walter Gonçalves, presidente do Sindjor-MS.
Vera Daisy nasceu em 7 de outubro de 1948, em Porto Alegre (RS). Ela foi criada junto da família dos patrões da mãe, em uma casa chefiada por um general. A ideia seria que ela crescesse e, com o passar do tempo, tomasse o lugar de sua mãe nos afazeres domésticos naquela família, como era comum na época.
Quando tinha oito anos, seu irmão adotivo Adyr Cancello Faria pressionou os patrões para que ela entrasse na escola e aprendesse ao menos a ler e escrever. Foi assim que nasceu a Vera jornalista.
Profissional atuante em defesa da categoria, atualmente é consultora na área da Comunicação e colaboradora da organização não governamental (ONG) Sempre Mulher – Instituto de Pesquisa e Intervenção Racial, de Porto Alegre.
Vera Daisy também é militante da ONG Maria Mulher – Organização das Mulheres Negras, entidade pioneira na luta pela defesa dos direitos das mulheres pretas do Rio Grande do Sul.
Sua mais recente produção é o livro “Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos (1835-1845)”, uma publicação do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, do Rio de Janeiro (RJ).
É ainda coautora dos livros “Negro em Preto e Branco – História Fotográfica da População Negra de Porto Alegre” (Prêmio Açorianos/2005) e “Colonos e Quilombolas – Memória Fotográfica das Colônias Africanas de Porto Alegre” (2010).
Em sua trajetória, Vera Daisy também atuou em diferentes jornais de Porto Alegre e no interior gaúcho.
“O nome da minha mãe é Eva Barcellos, empregada doméstica, lavadeira e passadeira. Dona da confecção de pastéis folhados e de mocotó que marcaram a época em que foi cozinheira nos principais restaurantes do centro de Porto Alegre”, conta. Confira outros trechos da entrevista de Vera Daisy ao Correio.
O que era mais difícil ou desafiador nos anos 1970? E agora, qual seria o grande obstáculo?
O Brasil dos anos 1970 era um país marcado pela ditadura militar e uma nação sem políticas públicas amplas, definidoras e integrais focadas em oferecer condições de acesso à assistência social e à saúde de uma forma ampla e permissiva às populações de baixa renda, a exemplo do que vai ocorrer, posteriormente, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), na década de 1990, que oportunizaram e reordenaram a saúde pública e o campo assistencial, saindo dos princípios da benemerência e observando a saúde e a assistência social como um direito humano da população, independente das suas condições sociais.
Atualmente, o nosso maior desafio é recuperar a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão.
Como o destino profissional das redações bateu na tua porta?
Na verdade, o destino não bateu em minha porta. Eu é que bati em inúmeras portas, e muitas delas se abriram para a jovem negra recém-saída do curso de Jornalismo da UFRGS. Foi um tempo de muita luta, mas posso afirmar que valeu a pena.
Ser jornalista foi um desejo desde a adolescência, fase em que eu devorava, nas madrugadas, as revistas e os jornais da época.
Para a menina filha de uma empregada doméstica e criada, desde bebê, em uma família da alta classe média – e com o destino marcado para ser a futura empregada da casa –, eu tenho uma história vitoriosa. Aliás, os estudos em boas escolas, naquela época, favoreceram as minhas conquistas de ontem e de hoje.
Poderia relembrar algum episódio marcante relacionado às pautas, reportagens e apurações?
Um dos fatos marcantes da minha história ocorreu quando nas coberturas dos campeonatos citadinos de futsal, que eram realizados à noite. Ao contrário dos colegas homens, eu não tinha acesso aos vestiários durante os intervalos das partidas. Essa situação me incomodava, e muito.
Eu percebia que eles conseguiam informações privilegiadas e eu não, até porque, ao fim dos jogos, não havia tempo para entrevistas em razão do horário de baixamento das matérias.
Fato é que comecei a fazer pressão inicialmente junto dos treinadores, depois da arbitragem e, finalmente, reivindiquei à Federação Gaúcha de Futsal. A luta foi difícil, mas consegui reverter a proibição e passei a entrar nos vestiários, não só na modalidade de futsal, mas em todos os outros esportes. Tenho muito orgulho desse meu gesto.
Como se vacinar contra o lixo, as fakes news e as outras agruras da internet?
Para mim, é simples! A base está na procura de sites confiáveis e na verificação das informações antes de espalhar/divulgar qualquer notícia.
Poderia compartilhar uma alegria que o Jornalismo eventualmente tenha te proporcionado?
Jornalismo é minha eterna alegria desde a década de 1970, quando recebi meu diploma universitário.
Mas tenho outros fatos significativos na minha carreira, iniciada na mesma época, tais como a medalha do Governo do Estado do Rio Grande do Sul – 100 anos (2022), a homenagem da Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (Aceg) pelos relevantes serviços prestados à crônica esportiva no RS (2022), o troféu Oxé de Xangô – Destaque em Comunicação (2022) e o troféu Marcia Santana – Dia Internacional da Mulher (2015)... Tem muito mais, mas vou parando por aqui!
A senhora tem ainda uma atuação como carnavalesca. O que pensas dos valores em jogo em torno da figura da mulher, e do feminino, nos carnavais de hoje?
Carnaval é folia, representa o trabalho e o desempenho da cadeia produtiva, na qual as mulheres têm um papel importantíssimo nas escolas, que transcende a exibição dos corpos sarados femininos à frente da bateria e ao longo do desfile.
São as mulheres que ofertam com sua mão de obra o sucesso das escolas de samba. Salve Tia Ciata e todas as mulheres que no dia a dia das escolas de samba fazem o Carnaval acontecer, do preparo da alimentação à limpeza das quadras de ensaios, das costuras das fantasias às outras tantas tarefas. Pelo menos aqui em Porto Alegre é assim.
Como “endurecer sem perder a ternura”?
Na vida tudo é possível, desde que sejam seguidos os princípio éticos, sendo solidária e parceira.
Qual seria o maior pecado de toda militância?
Eu não vejo pecados na militância! Vejo mais acertos do que erros ao longo da nossa caminhada, marcada por uma intensa e visceral militância.
Ao longo de minha trajetória, estou sempre aprendendo e, ao mesmo tempo, trocando experiências, porque entendo que a vida é um constante aprendizado.
Por fim, o que diria às mulheres de MS?
Estejam sempre em estado de alerta e façam das nossas lutas o estandarte da vitória e de uma intensa militância. Esses são os meus princípios há muito tempo!





