Formado em Medicina e em Química pela Universidade de Moscou, Petr Melnikov é um mestre – tem, na verdade, o título acadêmico de doutor – em terras-raras, grupo de elementos químicos de propriedades metálicas, alguns usados em ligas.
Após lecionar por décadas em instituições brasileiras, inclusive na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde também orientou diversas pesquisas, o professor russo atua a distância em uma corporação da Bélgica.
Mas também se ocupa, nas horas vagas, de sua coleção de obras de arte, que guarda relíquias como as que podem ser vistas somente até este sábado, na Biblioteca Central da UFMS.
É lá, no campus da Capital, que foi montada a mostra “Gravuras Alemãs e Francesas – Exposição de Impressões Originais dos Séculos 16 ao 18”, com dezenas de trabalhos que estão divididos em três módulos e contam capítulos importantes da história da arte na Europa, bem como do modo de vida no Velho Continente até os “Settecento”.
A entrada é franca, e a biblioteca fica aberta das 6h30min às 22h, hoje e amanhã, e das 7h às 12h no sábado.
BREVE AULA
Antes de falar um pouco sobre o conjunto de preciosidades em exposição, e sem tampouco esconder a retórica de professor, Melnikov define que gravura, ou “estampo”, é um termo para nomear um conjunto de técnicas artísticas utilizadas para produzir imagens a partir de suportes duros.
“O termo também pode se referir a desenhos executados em superfícies como madeira, pedra e metal com base em incisões, corrosões e talhos realizados com instrumentos e materiais especiais, como o ácido nítrico, por exemplo”, explica o colecionador russo.
“Essa arte é conhecida na China desde o século 6 ou antes. No entanto, na Europa, surgiu apenas em meados do século 14. A razão era bastante simples. Até então, o papel era escasso e caro. Com o rápido desenvolvimento da impressão, no período [dos séculos] 17 e 18, a gravura se torna mais popular, mais acessível. É usada para ilustrar livros de vários tipos, desde a Bíblia até trabalhos científicos”, afirma.
Melnikov diz que reproduções de pinturas de mestres famosos e composições originais sobre temas bíblicos tornaram-se um tipo bastante popular de decoração de interiores, “nas casas dos mercadores, clérigos e da nobreza”.
DEMOCRÁTICA
A “vantagem” da gravura, e o que a faz democrática, é justamente a possibilidade da impressão de várias cópias a partir de uma placa, mesmo que a qualidade possa variar na medida do desgaste no metal e de mudanças na viscosidade da pintura.
Outra vantagem é a ilustração gráfica da doutrina cristã ou islâmica para as pessoas então analfabetas, cuja percepção do sagrado ocorre por meio do desenho artístico, e não por meio do próprio texto.
“Os temas de gravuras e muitos temas da arte naqueles séculos eram religiosos, serviam sempre para educar o crente. O crente que não sabia ler sabia enxergar. Então, era enxergar os eventos da Bíblia, os eventos religiosos que estão presentes nas gravuras”, arremata o professor e colecionador.
A MOSTRA
Na três partes da mostra, o visitante pode conferir gravuras alemãs anônimas com temas relacionados aos Atos dos Apóstolos, “ilustrações das epístolas [cartas] dos apóstolos Paulo e Pedro remetidas a várias igrejas do jovem cristianismo; gravuras do alemão Christoph Weigel [1654-1725] para a Bíblia Ectypa ou Bíblia Pictórica; e gravuras do francês Clément-Pierre Mariller [1740-1808]”.
“O resto da exposição são retratos de personagens célebres, como Paracelsus, Madame Pompadour e Catarina 2ª. É um gênero específico, para mostrar a diversidade de estilos e maneiras da Idade do Iluminismo”, apresenta o curador.
BÍBLIA PICTÓRICA
Além de gravador, o artista plástico Christoph Weigel também era fotógrafo. Graças, em grande medida, às suas ilustrações, a chamada Bíblia Ectypa se tornou “imensamente” popular em toda a Europa e passou por muitas edições, até o século 18, “quando as placas de cobre já ficaram corroídas pelo processo da formação de carbonato básico de cobre”, pontua o químico e colecionador. “Isso faz com que as superfícies não resistam ao polimento”, completa.
As gravuras apresentadas nesta exposição, prossegue o curador, são aquelas impressas a partir das placas primordiais e, portanto, de altíssima qualidade.
“Na gravura, não dá para corrigir o erro, sanar um sulco equivocado; seria necessário recomeçar a incisão. Sob o aumento com lupa podem-se observar as linhas nítidas, bonitas, de idêntica profundeza, sem o mínimo defeito nas bordas e sem manchas provocadas pela exposição aos raios ultravioletas”, detalha.
MARILLER
Clément-Pierre Mariller (1740-1808) foi um conhecido artista e designer. O francês costumava produzir gravuras, principalmente, a partir de suas próprias obras. Petr Melnikov conta que o gravador aceitou “positivamente” a Revolução Francesa e foi prefeito da cidade de Melun, no sul da França.
“Suas estampas em minha coleção são raras, não fazendo parte de catálogos de grandes museus. Distinguem-se pelas ilustrações dos livros de caráter clássico ou mundano, como os [contos de fada] do ‘Cabinet des Fées’”, compilados por Charles-Joseph Mayer (1751-1825). “Ao contrário da escola alemã, as impressões [assinadas por Mariller] se destacam pela elaboração dos mínimos detalhes e pelo jogo de tênues efeitos da luz e da sombra nos ambientes exóticos”.
EXPOR E ENXERGAR
Se para Campo Grande não deixa de ser “uma coisa inusitada” a possibilidade de “expor e enxergar” gravuras originais, com “assinatura” dos autores dos séculos 16 ao 18, para Petr Melnikov, é uma honra proporcionar o acesso a um acervo tão valioso.
“É muito trabalho. As gravuras foram compradas e buscadas em Moscou [Metropol], Paris [Hotel Drouot], Londres e Milão [Lucas Casa d’Aste], em antiquários e leilões”, conta o curador.
“As gravuras de um mesmo autor vieram de partes diferentes do mundo. Elas se encontraram aqui. Acho que devem estar contentes”, brinca o colecionador russo, fazendo, em seguida, uma simpática convocação: “O lance é que qualquer exposição tem duas partes, o que está exposto e quem está enxergando. Convido quem ainda não teve a possibilidade de ir para ver a exposição.” Valeu, professor.



As pinturas de Isabê também estarão na Casa-Quintal 109 de Manoel de Barros, museu na antiga residência do poeta, no Jardim dos Estados - Foto: Divulgação


Filme lança hoje - Foto: Divulgação

Patricia Maiolino e Isa Maiolino
Ana Paula Carneiro, Luciana Junqueira, Beto Silva e Cynthia Cosini


