Sangue, ancestralidade e um mergulho no afrofuturismo são termos que descrevem brevemente o trabalho do cantor corumbaense Silveira. Desta vez, o artista de 35 anos encantará por meio do álbum “Afroafetos”, com canções autorais, envolvendo a plateia em suas vivências.
O cantor promete entregar tudo em uma apresentação marcada para amanhã, na Capital, oportunidade já considerada como uma nova fase em sua carreira, de maior projeção.
“No olhar”
Uma apresentação que se constrói no coletivo, que, por meio de sua dança, seu figurino e sua maquiagem, divide
a atmosfera das canções que arrebatam o público para a realidade do povo preto, em um país em que Elza Soares já cantava “a carne preta é a mais barata do mercado”.
A crítica é apresentada. Com ela, o sonho do cantor sobre um futuro diferenciado, no qual tudo aquilo que foi arrancado do povo preto seja devolvido. E que eles cheguem a condições de igualdade ou até mais do que isso, conforme Silveira poetisa em “Realeza”.
Esse é o significado do afrofuturismo, movimento cultural que trabalha a criação de fantasias e narrativas relacionadas ao protagonismo negro por meio do resgate da ancestralidade para, a partir de então, ver florescer a celebração de sua identidade.
Passado e futuro
A vivência de menino preto é retratada no trecho de uma de suas canções: “Todo dia minha mãe dizia ‘filho não vai se atrasar, leva sempre um documento e não esquece de ligar’”.
“Aqui a gente é criado desde cedo a ter o triplo de cuidado nas ruas, porque somos constantemente tratados como bandidos”, desabafa o cantor.
Curioso sobre suas raízes, Silveira foi estudar a fundo e logo estabeleceu a ligação de progresso e sacrifício de corpos pretos. Aliás, não muito longe, nos trilhos da ferrovia em que trabalharam e derramaram suor e sangue em nome do progresso da Região Centro-Oeste.
“Falar de ancestralidade em MS é falar de ancestralidade no Brasil. Por mais que haja um recorte, a dor da diáspora acontece em todo lugar”, afirma.
Como referência, ele aponta também a líder da comunidade quilombola Tia Eva. Esses são apenas alguns exemplos que se fazem presentes nas canções do poeta pantaneiro, que resiste por seus ancestrais e evoca um futuro de realeza para o povo preto.
O cantor ainda ressalta suas origens. “Não dá para falar de futuro sem olhar o passado. Meus estudos sobre meu passado ancestral me levaram a vislumbrar o futuro próximo que eu quero para o povo preto aqui no nosso estado”, conta.
“O público vai conseguir visualizar isso por meio do conceito artístico do show, no qual eu trago referências do samba raiz e o beat futurista nos arranjos das músicas. O figurino, a maquiagem e a cenografia foram também pensados para trazer a imagem de realeza que faz parte do nosso passado e é o futuro que queremos”, detalha.
Corumbaense
Silveira nasceu em Corumbá e veio morar em Campo Grande com 12 anos. Traz na bagagem certos estilos musicais que cresceu ouvindo, como o soul, a black music e o samba.
A primeira gravação autoral ocorreu no ano passado, na Concha Acústica Helena Meirelles, intitulada “Silveira Ao Vivo no Som da Concha”.
Festival de Inverno
O show de Silveira foi um dos projetos musicais contemplados no Festival de Inverno de Bonito (FIB), realizado no mês passado. Ele abriu a noite de apresentações para a cantora carioca Iza, no palco principal do evento, no qual se apresentou por 50 minutos para uma plateia estimada em 24 mil pessoas.
“Foi surreal! Como artista independente, não estou acostumado a ter minha voz projetada para tantas pessoas como foi no FIB. Eu espero que não seja apenas um momento, minha luta é para que artistas como eu possam ter acesso a esses palcos o ano todo”, almeja.
Serviço:
O show é amanhã, às 19h, no Sesc Cultura, que fica na Avenida Afonso Pena, n.º 2.270 - Entrada franca.