Ministra do Superior Tribunal de Justiça mantém retenção de R$ 151 mil do frigorífico, que deve mais de R$ 227 milhões em tributos federais e tenta excluir a União da recuperação judicial
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Daniela Teixeira impôs mais uma derrota ao frigorífico Boibras, localizado em São Gabriel do Oeste, que está em recuperação judicial desde 2023 e deve mais de R$ 280 milhões a credores.
O frigorífico, cujo dono é um dos vice-presidentes da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul, Régis Comarella, tem enfrentado vários obstáculos desde que começou a recuperação judicial sem contemplar a União, sua maior credora.
Desta vez, o STJ entendeu que é legítima a decisão da 6ª Vara Federal de Campo Grande de bloquear, no início deste ano, uma quantia de R$ 151,7 mil das contas do frigorífico.
Os advogados da Boibras – Rodrigo Pimentel, Beatriz Rombi e Lucas Mochi – suscitaram conflito de competência no STJ para liberar o dinheiro retido na execução fiscal federal, conduzida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Eles desejavam que a decisão da Justiça comum, da Vara Regional de Falências e de Cartas Precatórias Cíveis de Campo Grande, que invalidou a decisão da Justiça Federal, prevalecesse. Não conseguiram.
O entendimento da ministra do STJ é de que dinheiro em conta não constitui bens de capital.
Em março deste ano, o juiz da Vara Regional de Falências e de Cartas Precatórias Cíveis, José Henrique Neiva de Carvalho Silva, invalidou a decisão do juiz Bruno Barbosa Stamm, da 6ª Vara Federal de Execução Fiscal de Campo Grande, e impediu a retenção de R$ 151,7 mil da conta do frigorífico Boibras.
A empresa sul-mato-grossense está em recuperação judicial desde agosto de 2023 e deve R$ 55 milhões a credores em geral, além de R$ 227 milhões à União, em impostos e contribuições previdenciárias de seus funcionários não recolhidas. Desse total, mais de R$ 200 milhões referem-se a contribuições previdenciárias não recolhidas.
Na época do bloqueio dos R$ 151 mil da conta da Boibras pela Justiça Federal, o administrador judicial da empresa, José Eduardo Chemin Cury, afirmou que “o bloqueio dos valores nas contas do grupo recuperando, no montante de R$ 151,7 mil, representa risco à viabilidade do plano de recuperação judicial já homologado, comprometendo pagamentos essenciais para a manutenção das atividades empresariais”.
Apesar da argumentação, a estrutura da Boibras tem sido colocada a serviço de uma das gigantes do abate de bovinos no Brasil: a BMG Foods, empresa que só fica atrás de JBS e Minerva Foods.
Por causa da operação da BMG Foods na planta da Boibras – ocultada do Poder Judiciário no processo de recuperação – a Boibras tem recebido o apelido de “frigorífico dois em um”. Com uma parte aparentemente saudável e outra que deve a ex-funcionários, bancos, fornecedores e pecuaristas mais de R$ 55 milhões. Se a dívida da Boibras for somada – outra omissão no processo – o valor ultrapassa R$ 280 milhões.
ANULAÇÃO
O plano de recuperação judicial da Boibras também corre risco na Justiça de Mato Grosso do Sul, justamente por causa da omissão das dívidas da empresa com a União neste processo.
No fim do mês passado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) impôs uma derrota amarga ao frigorífico, depois que a PGFN denunciou a manobra da Boibras, que consistia em ter o plano aprovado sem apresentar uma certidão negativa de débito com a União ou mesmo uma certidão positiva com efeito de negativa.
Tal plano de recuperação, aprovado pela Vara Regional de Falências de Campo Grande, foi considerado ilegal, aos olhos não apenas da PGFN, mas também do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, por não apresentar as certidões, e agora está à beira da nulidade.
A 3ª Câmara Cível já deu provimento ao pedido da União e estabeleceu um prazo de 90 dias para o frigorífico apresentar as certidões. Enquanto isso, os advogados da Boibras tentam ganhar tempo e reformar a decisão do TJMS por meio de um embargo de declaração.
O juiz substituto da 3ª Câmara Cível do TJMS, Fábio Possik Salamene, discordou da decisão do titular da Vara Regional de Falências, José Neiva de Carvalho e Silva, que não havia dado provimento ao pedido feito pelo Fisco federal.
“Com todo respeito ao doutor magistrado condutor do feito, entendo que não houve desídia do Fisco para apreciar o pedido de parcelamento de débitos, formulado pelas empresas recuperandas”, afirmou Salamene, contrapondo não apenas o argumento utilizado pelo frigorífico, mas também a decisão de primeira instância.
No plano de recuperação judicial da Boibras está previsto que a empresa vai honrar seus débitos até, pelo menos, a próxima década. O plano, porém, não inclui nenhuma negociação com a União.
DOIS EM UM
Enquanto a Boibras tenta pagar seus credores na Justiça, ela divide a planta com a BMG Foods.
O endereço dos dois frigoríficos é praticamente o mesmo. Os números de CNPJ são diferentes, mas os abates ocorrem na mesma estrutura. Formalmente, os endereços só não são idênticos porque o frigorífico Boibras está localizado no km 606 da BR-163, enquanto a BMG Foods está no km 606 da BR-163, nas salas 1, 2 e 3.
No Brasil, a BMG Foods é herdeira do grupo Torlim – rede de frigoríficos que deixou um rastro de dívidas com o Fisco federal antes de sair de cena no País.
No Paraguai, alguns dos proprietários do Torlim continuaram operando por meio do Frigorífico Concepción. Em 2021, voltaram ao Brasil como BMG Foods.
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