O doutor em Economia conversou com o Correio do Estado e avaliou os desafios e as potencialidades da economia de Mato Grosso do Sul
Mato Grosso do Sul vive um momento decisivo de crescimento e diversificação econômica. Em meio às incertezas provocadas por disputas comerciais entre potências como Estados Unidos, China e União Europeia, o Estado tem conseguido ampliar sua presença no cenário nacional e internacional, com avanços expressivos na industrialização e na consolidação da base exportadora.
Nos últimos anos, MS tem sido um dos estados que mais cresce no País, impulsionado principalmente pelo agronegócio e a chegada de grandes empreendimentos industriais. Cidades como Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo e Inocência têm se destacado, com a instalação de novas indústrias e pela atração de investimentos nacionais e estrangeiros, movimentando a economia local e gerando milhares de empregos.
Além do campo e da indústria, setores como serviços, transportes e logística também ganham espaço, acompanhando o ritmo da transformação econômica. A migração de trabalhadores em busca de oportunidades e a ampliação da infraestrutura estadual contribuem para esse novo momento, que posiciona MS como peça importante no cenário de exportações brasileiras, especialmente com foco no mercado asiático.
Para entender como essas mudanças afetam a economia sul-mato-grossense, o Correio do Estado conversou com o professor doutor Daniel Massen Frainer, especialista em Economia Regional.
Na entrevista, ele analisa os desafios e as oportunidades que se desenham para o Estado, avalia a resiliência dos setores produtivos locais, comenta os efeitos da guerra tarifária sobre os principais produtos de exportação e aponta as regiões e os segmentos com maior potencial de crescimento nos próximos anos.
Como você avalia o atual momento da economia de Mato Grosso do Sul dentro do contexto nacional e global?
Mato Grosso do Sul vem vivendo um momento único de transformação com a intensificação de sua industrialização, sendo um dos estados que mais cresce e diversifica sua base produtiva. Em termos de cenário nacional, o Estado é um grande fornecedor de mercadorias para o Brasil e importante na geração de divisas para o País, com sua base exportadora consolidada e em crescente expansão.
Quais setores da economia sul-mato-grossense estão mais resilientes diante das tensões comerciais internacionais, como a guerra tarifária entre grandes potências?
Os setores ligados ao mercado externo têm possibilidade de crescimento diante do cenário de tarifas mais elevadas dos EUA, mostrando-se favoráveis à abertura ou à intensificação de parcerias com outras economias, dado a restrição que os EUA estão criando para si mesmos.
Mesmo o acordo com a União Europeia, que estava bem que estava difícil de sair para produtos do Mercosul, passa a ter prioridade e talvez seja viabilizado, dada as políticas adotadas pelos EUA.
Além disso, o Estado tem como principal parceiro comercial a China (mais 50% do total exportado), com a possibilidade de ampliar ainda mais esse mercado.
MS é um estado com forte vocação para o agronegócio. Esse setor tem se beneficiado ou sido prejudicado com o cenário de guerra tarifária entre China, EUA e Europa?
O agronegócio vai ser beneficiado em alguns segmentos, como soja e celulose, dado que esses produtos representam 55,2% das exportações e têm como principal destino a China. Provavelmente, a mudança nos preços relativos, principalmente da carne bovina, pode representar perda de participação relevante na pauta.
Já a Europa seria vista como uma possibilidade de ampliação das exportações como forma de substituir os EUA, que podem ser considerados pelo Estado não como um parceiro, mas, sim, como um concorrente, dado que tem pauta de exportações de produtos semelhantes aos produzidos no Estado.
A guerra tarifária global tem influenciado os preços e a demanda pelos principais produtos de exportação do Estado?
Ainda não, pois os preços das principais commodities não sofreram alterações significativas, nem mesmo a variação do dólar está dentro da mesma margem de variação média para o período. A demanda praticamente vem repetindo o comportamento do ano passado, com expectativa de alta nos preços nos EUA caso o governo de Trump siga com a política tarifária.
Como os produtores locais estão lidando com a instabilidade cambial e as oscilações nos preços das commodities?
As oscilações estão dentro de uma margem aceitável, não alterando ainda preços relativos, e a queda do dólar no médio prazo, uma vez que está sendo questionada sua hegemonia em termos de reserva de valor, deve compensar as perdas no curto prazo.
Com a expectativa de alta na inflação dos EUA e com a manutenção das taxas de juros, provavelmente há uma tendência de desvalorização do dólar no médio prazo.
Quais regiões de MS têm se destacado economicamente nos últimos anos e por quê?
As regiões que vêm apresentando maior crescimento são as do leste de Mato Grosso do Sul com fronteira com São Paulo e Goiás, em razão do surto industrializante e do recebimento de grandes empreendimentos industriais, tanto os recentes quanto os previstos para ocorrerem no médio prazo, com destaque para as microrregiões de Três Lagoas, Nova Andradina e Paranaíba.
Há um esforço coordenado do governo estadual ou das prefeituras para atrair novos investimentos diante desse cenário global conturbado?
Pelo que se tem notícia, o governo estadual tem uma política de atração de novos negócios e investimentos que vem dando certo há bastante tempo, garantindo, mesmo em um cenário global conturbado, que ocorra essa expansão. Inclusive, grupos internacionais vêm realizado investimentos importantes para o desenvolvimento do Estado.
Além do agronegócio, quais são os setores com maior potencial de crescimento em Mato Grosso do Sul nos próximos anos?
O setor de serviços seria o que tem maior potencial de crescimento, com destaque para alimentação, alojamento e transportes, que vêm crescendo ano a ano acompanhando os investimentos industriais e têm potencial de crescimento ainda maior, em razão da crescente atração de novos negócios e da migração significativa de pessoas para Mato Grosso do Sul em busca de oportunidades de trabalho.
O Estado tem apostado em inovação, tecnologia ou economia verde como estratégia de diversificação econômica?
Não há mais como desenvolver uma economia sem levar em consideração esses aspectos, em função de uma nova estratégia adotada pelas empresas, principalmente de neutralização de carbono e indústrias tecnologicamente evoluídas, levando a menores emissões de poluentes e neutralização de carbono.
Um grande aspecto a ser destacado na economia de Mato Grosso do Sul é que seu crescimento sempre foi acompanhado de um aumento na utilização de energia com base em fontes renováveis, o que vem sendo ampliado com a utilização da biomassa e [da energia] fotovoltaica.
Como a bioeconomia e o setor de energias renováveis têm avançado em MS?
Sem dúvida, a bioeconomia é o caminho de expansão para o Estado, e as energias renováveis, um exemplo a ser seguido por outras regiões do País, com grande potencial para o desenvolvimento.
A infraestrutura logística do Estado está preparada para atender à crescente demanda de produção e exportação? Quais gargalos ainda persistem?
O escoamento da produção ainda é um gargalo que deve ser superado. Não se pode desenvolver um estado exportador de commodities com a malha baseada principalmente no modal rodoviário, devendo ser ampliados outros modais, como o ferroviário, além da duplicações das duas principais BRs, a 163 e a 262, essenciais para o escoamento da produção de norte a sul e de leste a oeste.
Projetos como a Rota Bioceânica podem mudar a inserção de MS nos fluxos comerciais internacionais?
Podem e devem mudar o cenário, mas não resolver o problema, uma vez que o principal parceiro comercial, e para onde vai mais de 80% da produção do Estado, é o Brasil, e não o exterior.
Quais medidas acredita que são urgentes para fortalecer a economia do Estado diante das incertezas globais?
Retomada do planejamento em setores como infraestrutura, de forma a superar os gargalos do escoamento da produção, maior integração com os países vizinhos, não somente comerciais, mas de produção, retomada de ações estruturantes levando em consideração aspectos do desenvolvimento regional, uma vez que o crescimento está se tornando polarizado, estratégias para promover o desenvolvimento em regiões subdesenvolvidas, como as de fronteira e mais a oeste do Estado. Uma economia mais voltada para dentro do Brasil e que olhe menos apenas o exterior.
PERFIL
Professor titular da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), é graduado em Ciências Econômicas e doutor em Economia. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Métodos e Modelos Matemáticos, Econométricos e Estatísticos, atuando principalmente nos seguintes temas: Mato Grosso do Sul, desenvolvimento regional, economia industrial, mercado de trabalho e meio ambiente. Atualmente, desenvolve projetos relacionados ao tema de matriz de insumo-produto regional e atua nos cursos de Administração Pública (graduação), Gestão Pública (especialização) e Geografia (mestrado).
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