O descumprimento constante de metas e o abandono dos 1.973 Km da linha férrea entre Mairinque (SP) e Corumbá (MS) motivaram o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz negar a admissibilidade do pedido de solução consensual da concessão da Ferrovia Malha Oeste, que é administrada pela empresa Rumo.
No pleito apresentado à Corte em 11 de fevereiro deste ano após ser aprovado pela Diretoria da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que é o órgão responsável por formular a proposta, é afirmado que a solução consensual é o melhor caminho a ser seguido.
Isto porque o 2º termo aditivo terminaria em 19 de fevereiro deste ano e não haveria a possibilidade de nova prorrogação do contrato para que fossem adotados procedimentos necessários para finalizar a concessão, o que poderia levar à abertura de processo de caducidade por parte da autarquia.
Esse pedido analisado por Cedraz foi protocolado oito dias antes de terminar o prazo que a Corte concedeu à pasta e à Agência para que apresentasse um estudo sobre o melhor procedimento a ser adotado, já que o processo de relicitação já havia sido prorrogado por mais 24 meses, a partir de 19/2/2023, sem a possibilidade de prorrogação.
Entretanto, para viabilizar esta proposta, a ANTT prorrogou por tempo indeterminado a relicitação, permitindo que valha até que a solução consensual ocorra.
Só que em seu despacho, do dia 9, ao qual o Correio do Estado teve acesso, Cedraz afirma que “o atual concessionário não poderia sequer requerer a prorrogação contratual, seja pela via ordinária ou pela via antecipada nos moldes da Lei 13.448/2017, por não ter logrado atingir os indicadores de desempenho e de manutenção insculpidos no contrato”, citando o Acórdão 522/2025 (que serviu de base para matéria do Correio do Estado publicada no dia 14 deste mês), no qual o Tribunal manifestou preocupação com o futuro das concessões ferroviárias com vigência próximo do término, como é o caso da Malha Oeste, que encerra a concessão em junho do próximo ano.
O ministro cita que o Acórdão determinou “ao Ministério dos Transportes e à Agência Nacional de Transportes Terrestres que, no processo decisório de prorrogar ou licitar as malhas ferroviárias, levem em consideração o histórico de cumprimento das metas de produtividade e segurança, a elevada inadimplência e o alto índice de abandono de trechos ferroviários, dentre outras questões que possam desaconselhar a continuidade das atuais operações das concessionárias FCA, RMS, RMO e FTL, bem como eventuais outros efeitos para o serviço público prestado e para o mercado regulado, como risco moral e a maior dificuldade de entrada de novos agentes de mercado no setor ferroviário”.
A situação de abandono da linha férrea foi constatada por inspeções feitas por técnicos da ANTT, que autuaram a empresa diversas vezes. Em um dos relatórios foram adicionadas fotos mostrando os dormentes deteriorados, de bueiros rompidos, prédio de manutenção no Indubrasil abandonado; invasão da faixa de domínio com a construção de imóveis e a criação de passagens de nível ilegais.
Nessa fiscalização, realizada em junho do ano passado no trecho de 436 kms, entre Campo Grande e Três Lagoas, pela ANTT multou a Rumo Malha Oeste em R$ 2,1 milhões.
Esses critérios serviram de parâmetro para Cedraz indeferir o pedido de admissão da solução consensual, afirmando que “a proposta de solução consensual permitiria a manutenção da mesma concessionária, que atualmente não preenche os requisitos para prorrogar o contrato, por outros 30 anos, em detrimento da possibilidade de participação de novos interessados na exploração da malha ferroviária”, citando que há uma ação judicial, de 2000, no qual “intenta demonstrar suposto desequilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão para a Exploração Desenvolvimento do Serviço de Transporte Ferroviário de Carga na Malha Oeste”.
O ministro afirma no despacho que não procede a alegação de que houve queda na receita com transporte de derivados de petróleo e álcool, “supostamente em virtude da extinção da regulamentação de preferência do modal ferroviário para o transporte dos produtos derivados do petróleo e álcool”, porque o Grupo de Trabalho criado para discutir o futuro da malha ferroviária afirmou que a política de desregulamentação do setor de combustíveis já vinha sendo praticada antes do leilão da RMO.
“Logo não teria sido uma surpresa para os licitantes, pois já estaria precificada; o risco de demanda é alocado para os concessionários, que têm melhor capacidade de lidar com esse risco, prestando um bom serviço e estabelecendo tarifas atrativas; a concessionária se beneficiou com o aumento de cargas que não se enquadram na categoria combustíveis, por exemplo, celulose, em volumes maiores aos previstos no edital, mas não considerou tal aumento nos cálculos do desequilíbrio; e em outros processos de prorrogação, tanto no modo rodoviário quanto no ferroviário, um pré-requisito foi a desistência dos processos judiciais em curso”, ressaltou o ministro.
Cedraz enfatiza que “nenhuma outra concessionária de ferrovia que também transportava combustíveis ajuizou ação judicial devido a desequilíbrio em função dessa desregulamentação; a concessionária só acionou judicialmente a União quatro anos após a desregulação”.
Com esses argumentos Cedraz concluiu que “a proposta de solução consensual, por configurar burla à licitação da malha ferroviária atualmente denominada Malha Oeste, afronta à Constituição Federal, arts. 37, inciso XXI, e 175, assim como às Leis de Concessão e de Licitação, razão pela qual, com as devidas vênias, deixo de ratificar o exame de admissibilidade proferido pelo Presidente Ministro Vital do Rego.”