Antecipação de resultados, uso de holdings e engenharia societária ganham força antes da tributação de dividendos
O outro lado da isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas que ganham até R$ 5 mil, que começará a valer em 2026, é a compensação dessa receita por meio da alíquota efetiva de até 10% para quem tem renda de mais de R$ 50 mil mensais ou a entrada em vigor do IR de 10% sobre a distribuição de dividendos das empresas.
As mudanças nas regras para o segmento considerado de alta renda têm mobilizado contadores e escritórios de advocacia neste fim de ano. Isso porque a nova tributação passa a valer a partir de 1º de janeiro do próximo ano.
Os advogados ouvidos pelo Correio do Estado recomendam cautela e afirmam que as estratégias para atenuar o recolhimento de impostos devem ser analisadas caso a caso.
O especialista em Direito Tributário Vladimir Rossi disse ao Correio do Estado que são muito limitadas as alternativas para driblar a alíquota efetiva de 10% para quem tem renda superior a R$ 50 mil, mas a limitação não significa que elas não existam.
A principal das alternativas usadas para atenuar o efeito da nova legislação tributária é a antecipação de dividendos pelas empresas.
“Para os anos anteriores a 2025, é possível estabelecer uma programação de distribuição desse lucro. A lei permitiu que eles possam ser distribuídos em 2026, 2027 e 2028 sem sofrer a tributação”, explica Vladimir Rossi.
Ele lembra, contudo, de outra incerteza embutida nessa estratégia. “Existem empresas que estão ingressando com mandado de segurança pelo fato de que não é possível saber o lucro antes do encerramento do exercício”, explica.
Segundo ele, esses dados só estarão disponíveis depois da elaboração e da publicação do balanço da empresa, que é feita nos primeiros meses do ano. “Por isso, essa data estabelecida [pela lei] é incompatível com essa sistemática”, analisa.
Rossi lembra que, durante a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, houve emendas que empurravam a data-limite para abril de 2026, no fim da temporada de balanços, mas elas não acabaram passando e ficaram fora do texto final da lei.
O advogado ainda lembra que muitas empresas estão entrando com mandado de segurança e algumas até já conseguiram liminares para que tenham a oportunidade de verificar o lucro a ser distribuído somente depois do fim do ano contábil.
“Ocorre que, para fugir disso, as empresas estão fazendo uma ata de distribuição sem apontar valores, para que seja possível distribuir os dividendos nos três anos subsequentes”, explica.
Lastro contábil
O advogado Samuel Miranda disse ao site especializado Brazil Economy que antecipar os dividendos é um movimento inteligente, mas faz um alerta. “Não basta transferir o dinheiro, é preciso um lastro contábil real”.
Entre as dicas para dar esse lastro estão a elaboração de um balanço intercalar bem elaborado, um Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE) atualizado e a ata formal de sócios aprovando a distribuição dos dividendos.
Sobre a antecipação dos dividendos, quem adotar a estratégia deve ficar atento ao Fisco financeiro: não antecipar mais do que o caixa da empresa suporta. “Distribuir lucro que não existe é contabilmente perigoso”, diz Miranda.
Engenharia societária
O advogado Reginaldo Santos disse ao Correio do Estado que a utilização de holdings tem sido uma tendência no momento. “A distribuição [dos dividendos] é tributada quando repassada à pessoa física, mas para a pessoa jurídica não é”, explica.
A holding, segundo Santos, passaria a realizar os investimentos do proprietário, explica o advogado sobre a estratégia que vem sendo adotada nessa “virada” de tributação sobre a alta renda.
Vladimir Rossi, ao comentar sobre as holdings, alerta para a natureza das despesas das pessoas jurídicas.
“É preciso ter cuidado com as despesas corriqueiras da pessoa física colocadas na pessoa jurídica. Vamos colocar escola, planos de saúde na pessoa jurídica? Tem de tomar cuidado, porque isso pode ser encarado como uma distribuição disfarçada de lucro e ser tributado também pela Receita”, disse.
Samuel Miranda, em entrevista ao Brazil Economy, lembrou da estratégia da diluição familiar na empresa. A isenção de R$ 50 mil mensais sobre o dividendo deve ser aplicada por beneficiário (CPF) e, por isso, ao aumentar o número de sócios, o montante tributável é diluído.
“É absolutamente legal incluir cônjuge ou filhos maiores na sociedade, mesmo com uma porcentagem pequena, como 1%, inserindo uma cláusula de distribuição desproporcional de lucros”.
Ele dá um exemplo prático: “Um empresário sozinho paga imposto sobre o que exceder R$ 50 mil. Se incluir o cônjuge, o casal pode retirar até R$ 100 mil mensais isentos [R$ 50 mil cada]”.
Miranda, contudo, ressalta que não adianta colocar os filhos menores como sócios, uma vez que a responsabilidade usufrutuária é dos pais, o que leva o Fisco a entender que se trata de renda do genitor.
Elisão ou evasão?
Miranda e Rossi alertam sobre a linha tênue em que se trafega ao lançar mão de algumas estratégias.
“A diferença entre elisão [legal] e evasão [crime] está no propósito negocial. Se você cria apenas uma estrutura para não pagar imposto, sem lógica empresarial, é simulação. Se há um propósito econômico verdadeiro, é planejamento legítimo”, lembrou Samuel Miranda.
Vladimir Rossi lembra do risco de o Fisco, no caso da antecipação de dividendos, classificar a operação como distribuição disfarçada de lucros.
“É muito difícil haver situações de elisão fiscal para driblar essa [nova] legislação”, analisou.
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