Esta é uma novela sem final feliz. Ambos viviam felizes até o fim de novembro p.p., pois desde 1974 moravam dentro do IPTU de cada contribuinte, a limpeza pública representada pela vassoura e o saco de lixo, simbolizando a coleta feita pelo município.
Mas, como todo casamento, a vassoura, de tanto ser questionada, já que não é possível mensurar quanto cada cidadão produz de lixo a ser recolhido no espaço de uso comum da coletividade, divorciou-se do saco de lixo, para quem seria possível medir quanto cada imóvel produz de detritos. Será?
Desapontado, o saco de lixo correu para entrar na conta de água, mas o Código de Defesa do Consumidor proibiu. Depois, voltou para a antiga casa, fez um puxadinho no IPTU, mas a obra foi embargada pela revoltada população e, agora, sozinho na rua, virou sem-teto a esperar um abrigo seguro.
Tudo isso porque a Súmula Vinculante 19 do STF entrou na vida do casal para provocar: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”, porém, deixou de explicar que é necessário que a coleta esteja “completamente dissociada de outros serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral e de forma indivisível”.
Porém, consta que na vigência daquele longo casamento, em fins de 2012, a prefeitura terceirizou esses serviços, ao que tudo indica, englobando o casal divorciando, pois é corrente e notório ver os operários uniformizados pela mesma concessionária executando ambas as atividades, cujo orçamento foi dividido entre 410 mil imóveis, entretanto, sem esperar 90 dias para dar início à arrecadação, além de outros abusos que fez o município recuar e prometer devolver a taxa, e se isso não acontecer, para quem requerer a restituição, ficará o dito pelo não dito, passível de responsabilização.
Como desde os tempos da vovó era o IPTU quem suportava a varrição e a retirada do lixo produzido pela população, com o crescimento da cidade, que virou capital em 1979, agora apurou-se um patrimônio oculto de 110 mil inscrições municipais sem a taxação. São averbações de terrenos que não geram lixo doméstico ou foi negligência do coletor municipal?
Seja lá o que for, o certo é que se impõe decotar daquele custo (se estiver incluso) o valor referente ao gasto que a vassoura tem, senão restará caracterizado a bitributação. O bom era manter a tradição, pois o IPTU é a pessoa certa para dar conta desse casal complicado, prestes a completar 119 anos, como faz outras grandes cidades, já que cuidar de limpeza urbana e recolhimento de lixo sempre foi serviço municipalizado.
Talvez esse divórcio seja fruto dos tempos modernos, de redes sociais e de novas uniões de gênero, pois, se onde há fumaça tem fogo, parece que estão travestindo a nova taxa do lixo de uma natureza jurídica que ela não possui, como se percebe na seguinte transcrição jornalística: “Diferentemente da receita com o IPTU, que é destinada ao caixa do município, os valores arrecadados com a taxa do lixo são usados exclusivamente para pagamento da concessionária.
A prefeitura não pode dar outra destinação ao valor arrecadado” (publicado na rede, no dia 24 p.p.). Ora, se isso fosse verdade, se estaria diante de uma teratologia jurídica, porquanto seria uma verdadeira contribuição social ou empréstimo compulsório, cuja criação é vedada terminantemente aos municípios, o que poderia tipificar uma possível improbidade administrativa.
Enfim, o legislador municipal deve estabelecer critérios seguros para a medição individualizada do serviço de coleta, pois, não havendo como identificar os parâmetros da especificidade e da divisibilidade do serviço prestado a cada contribuinte, se estará, na verdade, diante de um tributo vinculado ao serviço genérico de limpeza pública, que deve ser custeado por meio de imposto, e não de taxa.
Do contrário, a vassoura e o saco de lixo vão sair de mãos dadas no bloco carnavalesco que se avizinha, comemorando a reconciliação, o que não seria ruim, já que são pessoas centenárias e, nesta fase da vida, devem se conformar com o destino que o Supremo lhes reservou.