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O melhor da vida está nas coisas simples

Por Carlos Lopes dos Santos, advogado

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Um dia, há um bom tempo, ganhei de uma velha e querida senhora, minha vizinha de muro, um simples copo de plástico, não tão novo, mas em bom estado de uso e cheio de risquinhos que indicavam as medidas de líquidos, farinhas, gramas e outras.

Isso aconteceu depois que eu comentei, em uma conversa via muros, que não sabia medir exatamente as quantidades de leite, manteiga e farinha quando me arremetia na feitura de um bolo e sempre tinha um probleminha na elaboração. A simpática vizinha me disse que sabia de cor as medidas quando fazia seus quitutes e que tinha aquele vasilhame sem uso na sua cozinha e que me doaria.

Fiquei meio sem jeito com a oferta, mas resolvi aceitar, para não causar uma má impressão a uma pessoa tão boa e uma vizinha tão prestativa. Levei o “presente” para casa e já não sei quantas vezes o utilizei nesses longos anos desde o dia em que o ganhei. Sei que já faz mais de 40 anos que ele faz parte de meus apetrechos domésticos, e, em que pese as modernidades, alguns aparelhos chiques que tenho em minha cozinha, lá está ele, o velho vasilhame (agora já posso chamá-lo de velho) pendurado em um “honroso” lugar.

O tempo, como faz com tudo e com todos, o depreciou, evidentemente, mas ainda é extremamente útil, e, confesso, tenho uma estranha e grande afeição e cuidado por aquele objeto e um “quase ciúme” com quem o usa. Por que isso? Seria exagero? Bobeira? Alguns familiares classificam de besteira, mas só eu sei exatamente o significado do meu carinho pelo antigo objeto.

Eles não compreendem que não é simplesmente o vasilhame que eu tanto amo. O meu coração nunca se esqueceu da atitude daquela velha senhora para comigo. Apesar de ela saber que eu tinha condição de comprar qualquer utensílio caro e moderno, graças a Deus, ela não se importou em me ofertar um objeto usado, mas que me seria muito útil. Com seu gesto, ela não me deu só o vasilhame de plástico. Ela me deu seu carinho e atenção quando lhe apresentei o meu “grande problema”, e o fez com um coração puro e generoso de verdade, desapego e rico em simplicidade e ternura. 

O tempo passou e segui o meu caminho. Mudei-me de cidade e nunca mais vi e nem ouvi falar da dona Maria, minha inesquecível e humilde vizinha do vasilhame de plástico, até que, na semana que passou, um amigo que ainda reside no mesmo lugar de outrora, indagado, respondeu-me que ela já havia falecido há mais de um ano. Uma sincera tristeza se apossou de mim e imediatamente meu pensamento se converteu silenciosamente em uma oração por sua bondosa alma.

Apesar de nunca mais tê-la visto, ela jamais saiu de minha memória, não pelo fato de ter me cedido um velho copo de plástico, mas, sim, por ter me ensinado uma valiosa lição de vida, a qual nunca mais me esqueci e que possibilitou, entre outras coisas, me tornar uma pessoa melhor como ser humano: a lição do desprendimento. Graças a essa simples passagem em minha vida, pude perceber que nem sempre o que conta em nossa existência são as coisas caras e deslumbrantes, pois muitas vezes isso não nos traz o verdadeiro valor que fará diferença e o ensinamento que precisamos para enriquecer nossa jornada neste planeta. 

Um presente caro e sofisticado causa alegria e satisfação, evidentemente, entretanto, nem sempre ele vem rodeado da virtude maior que é o valor do desprendimento, da entrega sem medidas, sem apego, sem esperar retorno. Quando recebemos algo assim, geralmente, quem nos dá espera o reconhecimento pleno e o aval do eterno agradecimento, haja vista a numerosa quantia paga pelo valoroso presente. Pode ser justo isso? Talvez. Mas quase nunca nessa vida alguém presenteia alguém com algo muito valioso sem que haja algum interesse, material ou sentimental. Quase nunca.

Por questão de justiça, acho oportuno registrar que para tudo nessa vida existem exceções, e essa afirmação também está sujeita a essa regra, mas, geralmente (desculpem a redundância), a vida é assim mesmo. Presente caro dado a alguém sempre vem sem o desprendimento total. Não, não é pecado isso. Somos humanos, repletos de perfeições e imperfeições e trazemos dentro de nosso DNA a herança do caráter e da personalidade de nossos antepassados, mas eles já estão na eternidade, e nós permanecemos por aqui. Temos ainda a oportunidade de melhorarmos nossas atitudes, nossos comportamentos, nossas ações, e o que é mais valioso, também vamos contribuir para melhorar nossas futuras gerações, pois o bem só gera o bem.

Talvez alguém possa achar exagero que a simples doação de um simples vasilhame usado de plástico possa realmente ter transformado minha vida. Claro que não foi apenas isso que me ajudou a compreender o verdadeiro significado de ser feliz e praticar o bem, mas posso garantir, sem sombras de dúvidas, que contribuiu grandemente, entre outras coisas, para a formação de meu caráter e aprendizado em valorizar o que realmente importa para tentar ser mais feliz nesse mundo repleto de incoerências.

Em uma vida simples, sem grandes ambições, fica mais fácil ser feliz.

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A inteligência artificial desumaniza as interações?

Carlos Zuccolo, Diretor de Marketing da Hyper Island Brasil

12/09/2024 07h45

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Imagine realizar, nos dias atuais, o teste proposto por Alan Turing em 1950, com uma inteligência artificial (IA). A ideia central do teste de Turing continua sendo a mesma: determinar se uma máquina pode exibir comportamento inteligente indistinguível de um ser humano. Os modelos de IAs avançados – que possuem capacidades de linguagem natural muito desenvolvidas, redes neurais profundas (deep learning) e modelos de aprendizado de máquina avançados – são capazes de imitar a cognição e o comportamento humano. Dessa forma, podemos dizer que a IA substitui o relacionamento humano? Ou seria melhor pensar que a máquina tem o potencial para transformar as relações humanas de forma significativa e positiva?

A IA não só pode assumir tarefas demoradas e complexas, mas também pode complementar de forma natural os esforços humanos, nos permitindo dedicar mais tempo a nossos relacionamentos. Isso acontecerá desde que seja utilizada com responsabilidade e com o objetivo de mudar a vida das pessoas, além de contribuir com a evolução da sociedade. O segredo está em encontrar um equilíbrio, garantindo que o desenvolvimento da ferramenta seja feito de maneira ética e inclusiva. O impacto depende muito de como a tecnologia é implementada e gerida.

Nesse sentido, é de suma importância que empresas e desenvolvedores tomem cuidado e tenham transparência com o que ensinam a IA e como alimentam os bancos de dados. Além disso, é importante estar atento para não repetir erros e vícios culturais do passado ao criar algoritmos, assim como seguir regulamentações claras para garantir que seu uso seja ético e responsável. A IA, como qualquer outra tecnologia, pode se tornar o que quisermos que ela seja – é uma escolha nossa.

Outro ponto é que as ferramentas tecnológicas não se comparam a humanos em termos de sentimentos ou emoções reais. Na relação de humano para humano, podemos nos conectar de forma genuína e verdadeira, e cada vez mais as pessoas sentem a necessidade de se sentirem pertencentes a um grupo – por isso, as conexões continuarão sendo o maior ativo humano.

É necessário entender que não precisamos temer a IA, mas sim aproveitar os benefícios que ela oferece. Uma pesquisa produzida pela Thomson Reuters neste ano apontou que ao menos 51% dos profissionais acreditam que a IA oferece melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

Não tenha dúvidas de que podemos unir humanos e tecnologia de maneira colaborativa, para que as máquinas sejam utilizadas para complementar e melhorar as nossas habilidades, além de tornar as interações mais rápidas e acessíveis. Com a ferramenta assumindo tarefas repetitivas, as pessoas terão mais tempo e energia para investir em relações humanas significativas e em atividades criativas.

É crucial ressaltar que as IAs são possibilidades de experimentação e que não devem ser usadas como verdades absolutas.

Nesse sentido, é importante democratizar o acesso à IA e educar as pessoas sobre como utilizá-la de forma eficaz – mas isso só será possível se todos, não apenas os desenvolvedores, estiverem preparados para usá-la de forma consciente. Sou otimista 
e gosto sempre de pensar que estamos diante de uma ferramenta que tem um potencial enorme de melhorar a nossa qualidade de vida, bem como os nossos relacionamentos e o futuro do trabalho.

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Ilegalidade não é improbidade

Por Fabíola Marquetti Sanches Rahim, procuradora do Estado de MS e vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape)

12/09/2024 07h30

Dra. Fabíola Marquetti Sanches Rahim

Dra. Fabíola Marquetti Sanches Rahim Acervo pessoal

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Neste mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu julgamento importantíssimo selando entendimento de que a Lei de Improbidade Administrativa não admite dano presumido 
ao erário.

A Primeira Turma do STJ, ao julgar o Recurso Especial nº 1.929.685 – TO, estabeleceu que, para condenações baseadas no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, é imprescindível a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, mesmo em processos anteriores à Lei nº 14.230/2021.

No caso julgado, dois agentes públicos estaduais eram acusados de realizar contratação ilegal pela dispensa de licitação. 
O Tribunal de Justiça do Tocantins afastou a condenação por falta de provas de prejuízo ao erário, e o STJ, ao analisar o recurso do Ministério Público tocantinense, julgou-o improcedente, reiterando a necessidade de demonstração do dano efetivo.

Para o ministro relator Gurgel de Faria, a reforma legislativa promovida pela Lei nº 14.230/21 tornou obrigatória a comprovação do dano real para a configuração de improbidade administrativa, e essa vontade do legislador deve prevalecer mesmo para as hipóteses pendentes de julgamento quando referentes à redação anterior da Lei de Improbidade Administrativa.

Faria fundamenta que não havia previsão de presunção de dano na redação da lei anterior e que, assim, não se trata de norma posterior mais benéfica a ensejar a aplicação do Tema nº 1.199 do Supremo Tribunal Federal, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei nº 14.230/21 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente.

Já no voto-vista do ministro Paulo Sergio Domingues, que igualmente concluiu que há claro requisito indispensável de comprovação de dano ao erário para a aplicação do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, o fundamento está no silogismo aplicável ao elemento subjetivo da conduta de que em tudo se aplica ao elemento objetivo-normativo “dano ao erário”, considerando-se a máxima “onde há a mesma razão, há o mesmo direito”.

Portanto, pode-se concluir que se houver contratação pública com dispensa de licitação ou inexigibilidade indevida, mas sem acarretar efetiva perda patrimonial ao poder público, tal ato pode ser declarado ilegal, com as consequências previstas em lei ou normativa própria, contudo, sem o sancionamento por improbidade administrativa.

Ganha a Justiça brasileira com essa decisão do STJ, que consolida a interpretação defendida pelos advogados militantes na área do Direito administrativo, sustentada por inúmeros doutrinadores e que foi objeto de muito debate no projeto de lei da reestruturação da Lei de Improbidade Administrativa, justamente defendendo a necessidade de afastar a presunção de dano 
ao erário para deixar de punir ilegalidade como improbidade.

A complexidade dos processos licitatórios e as inúmeras dúvidas e divergências entre seus maiores estudiosos já justificavam a necessidade de evolução do conceito de improbidade administrativa, porque não é razoável aplicar àqueles que agem sem dolo ou que não causam dano ao erário lei de consequências civis, administrativas e patrimoniais extremamente graves e que ainda podem restringir o exercício da cidadania.

A necessária distinção entre ilegalidade e improbidade administrativa é um avanço no Direito brasileiro e pode ser o caminho de resgate para que a administração pública volte a ser lugar atrativo para os melhores especialistas técnicos, afugentados pela real probabilidade de serem processados por qualquer erro na gestão.

Espera-se que agora se crie um novo ambiente com espaço para o encorajamento de ações inovadoras nos serviços e nas contratações públicas, deixando para trás o que chamamos de “apagão das canetas”, que é o medo de decidir do gestor público em virtude do que se tornou no País uma grande insegurança jurídica, pela maneira equivocada que se enquadravam os atos administrativos na Lei de Improbidade Administrativa.

Fabíola Marquetti Sanches Rahim - Procuradora do Estado de MS, vice-presidente da Anape

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