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Por ocasião da assinatura da Declaração da Independência estadunidense, Benjamin Franklin externou que “devemos todos ficar unidos ou, sem dúvida, seremos enforcados individualmente”. Se eu pudesse transliterar esse ensinamento para o nosso campo, eu diria que “queixada fora do bando é comida de onça”. 

Essa é a grande lição que podemos tirar do episódio de boicote aos produtos da empresa de laticínios francesa Danone. Quando o seu diretor financeiro, Jurgen Esser, anunciou que a empresa parou de comprar soja do Brasil em função da questão de sustentabilidade, isso representou uma acusação geral a todo o setor produtivo brasileiro.

Nesse sentido, hoje, sem dúvida nenhuma, a pior praga de nossas lavouras é a desinformação sobre o sistema de produção do agronegócio. Não só porque temos uma das legislações ambientais mais rigorosas do planeta, que garantem que o nosso produto é sustentável, mas também pelo impacto dos números do setor.

A indústria brasileira de alimentos quebrou recorde de exportação no ano passado. Em 2023, esse importante setor do agronegócio nacional faturou quase US$ 62 bilhões com as vendas ao mercado externo. Ao todo, o setor enviou 72,1 milhões de toneladas ao exterior, volume equivalente a cerca de 9 quilos para cada habitante do planeta, uma marca que ultrapassa os EUA.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), 23% do que é produzido pela indústria de alimentos no Brasil é exportado. Mais ainda, o setor processa 61% de tudo o que é produzido pela agropecuária brasileira.

Com esses números em mente, o que fazer diante de tal ataque ao nosso sistema de produção? Tem sido frequente, mormente na Europa, acusações ao agro brasileiro que não são revidadas, quando no máximo emitimos uma tímida nota de protesto. Nesse sentido, posso dizer a cada agricultor que o silêncio diante do mal é em si mesmo um mal. Eu posso trair o setor agrícola do meu país não somente com a minha palavra, mas com o meu silêncio.

Assim sendo, iniciamos uma campanha de boicote aos produtos da Danone para mostrar nossa indignação, não pela opção de escolha da empresa – ela é livre para comprar onde quiser –, mas quando faz uma acusação sem embasamento contra 
a cultura da soja no Brasil.

O resultado é que de maneira surpreendente a campanha se alastrou por todo o País, havendo uma forte reação de brasileiros quanto a essa atitude da companhia. No mesmo dia da campanha, a Danone iniciou um movimento de recuo, desmentindo o seu diretor financeiro. 

A retratação começou com a Danone Brasil e chegou até a Danone América Latina. Finalmente, a Danone França declarou que “não há medidas restritivas na compra da soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo mundo” e que “a Danone continuará comprando soja brasileira, que é um insumo essencial para nossos produtores de leite”. Gigantesca vitória do agronegócio brasileiro!

 Qual a lição dessa empreitada? Ela poderia ser resumida em um provérbio africano que ensina que “quando a manada se une, o leão vai dormir com fome”. É preciso destacar a notável mobilização dos produtores brasileiros e como eles forçaram uma gigante do setor a reconhecer o seu erro. Disso, deve ficar claro que esses tipos de declarações inconsequentes não mais passarão em branco, mas terão a devida resposta.

Eu diria que se os nossos antepassados abriram as fronteiras físicas de nossos campos, a nós será cobrado a abertura de novas fronteiras da comunicação. É preciso que todo o setor esteja unido na defesa legítima de seus interesses. Afinal, o pior que pode acontecer a uma boa causa não é ser habilmente atacada, mas sim inabilmente defendida.

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A esquerda, sem rumo e sem prumo

05/11/2024 07h00

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O recado do eleitor foi claro: “vamos enterrar a ideologia, se não no cemitério das entidades mortas, pelo menos na gaveta das circunstâncias”. Foi o que vimos. O Brasil recolhe as bandeiras da esquerda, pelo menos por enquanto, até que novas circunstâncias e o espírito do tempo sugiram a necessidade de voltar a trocar as ferramentas da engrenagem.

Lendo o recado em letras garrafais: na última eleição, o eleitor puxou o País para o centro, votando de maneira pragmática, deixando de lado posicionamentos ideológicos de esquerda e extrema esquerda e optando por votar com o olho nas demandas ao redor.

Saiu da concha, onde se recolhera ao longo das últimas décadas, embalado em um pacote de boas promessas, principalmente as que acenavam com a ideia de mais dinheiro no bolso, consequentemente, geladeira cheia, barriga satisfeita, coração agradecido e cabeça disposta a votar nos entes jurídicos (partidos) e físicos (candidatos) patrocinadores do fenômeno. Ou seja, votava na equação BO+BA+CO+CA, bolso, barriga, coração, cabeça.

Neste último pleito, botou a cabeça para fora da toca para dizer: “A equação não tem sido bem-composta, por isso, vou mudar o time”. Escolheu figuras que satisfazem suas carências, nomes novos para as prefeituras e os antigos, que receberam o passaporte da reeleição por fazerem eficiente gestão. Cerca de 80% dos candidatos que buscavam se manter nos cargos conquistaram a vitória.

É fato que a esquerda trouxe muitos benefícios ao País ao longo de décadas. Com um pacote de programas e ações fundamentais, fixou suas estacas em cantos e regiões, de todos os quadrantes, principalmente em territórios mais carentes, como o Nordeste ou a periferia de São Paulo, onde se aglomeram os maiores contingentes despossuídos da nação.

Essas massas carentes sempre agradeceram aos benfeitores, concedendo-lhes seu voto. O que não deve ser entendido como uma amarração eterna na árvore esquerdista. E mais: eventuais compromissos com a esquerda devem ser compreendidos em cada contexto da quadra político-eleitoral. Podem ser rompidos, e os votos serem dirigidos a pessoas diferentes. Por exemplo, a periferia de São Paulo votou, em massa, no prefeito Ricardo Nunes, de centro-direita, e não em Guilherme Boulos, o candidato da esquerda. No passado, elegeu Marta Suplicy e Paulo Maluf, Jânio Quadros e Luiza Erundina.

Portanto, estamos diante de um eleitor pendular, cuja imagem se assemelha a dos eleitores dos estados pendulares nos EUA (swing states) – Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin, que serão decisivos na corrida presidencial americana, com desfecho marcado para daqui a pouco, 5 de novembro. Votam ora em um candidato democrata, ora em um candidato republicano. A conclusão é a de que, tanto lá como aqui, o eleitor sobe e desce na gangorra, votando sob a sombra de suas circunstâncias, detonadora da vontade das massas.

Esse é, aliás, o mecanismo propulsor da democracia, a capacidade de o eleitor mudar instrumentos da orquestra – tambores, cordas e metais – e também os músicos, caso queira. Lembramos que, em décadas passadas, a comunidade mundial presenciava as quedas sucessivas de governos europeus – entre os quais Islândia, Dinamarca, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Eslováquia, Portugal, Itália e Espanha.

A queda da parede de dominó abriu intensa polêmica sobre o fenômeno da globalização, sinalizando, ainda, a ascensão da tecnocracia ao centro do poder político e contribuindo para mobilizar massas, até então amorfas, em países credores e devedores.

Abrigados nas margens do espectro ideológico, grupos de todos os matizes passaram a agir como exércitos destemidos, tomando as ruas, exigindo a saída de governantes açoitados pela crise financeira e a entrada na cena política de figurantes e de propostas inovadoras.

A crítica mais comum versava sobre a perda das identidades nacionais. As nações passaram a ter governos manietados ou, para usar termo mais leve, controlados pelo mandatário-mor do planeta, o capital internacional. Ao longo dos anos, as massas eleitorais puderam ajustar seus sistemas de governo, dançando de um lado para outro nos espaços do arco ideológico.

Sob essas idas e voltas, assistimos ao recuo da esquerda no mundo. E qual o fator determinante para explicar esse refluxo? As promessas não cumpridas pela democracia. Sempre recorro ao sociólogo italiano Norberto Bobbio para explicar os buracos no edifício da democracia, feitos por um conjunto de promessas não cumpridas – entre elas a educação para a cidadania, o combate às oligarquias e a eliminação do poder invisível.

No caso da nossa América do Sul, o rodízio que se processa no arco ideológico, entre os polos da direita e da esquerda, leva em conta a saturação do eleitor com a velha ordem política. Aliás, tal cansaço parece ocorrer aqui e alhures, dando conta da indignação do votante para com as promessas descumpridas pelos agentes públicos. Os nossos vizinhos, entre eles a Argentina, o Uruguai, o Paraguai, a Colômbia e o Peru, passeiam muito pela esfera ideológica.

Volto aos nossos trópicos. E o que vejo? O PT, que lidera a frente da esquerda, com um discurso embolorado. E cercado por velhos caciques. O PSOL, de Boulos, sem credibilidade e recolhido em sua extremidade. Não à toa, a esquerda perdeu o rumo. E está sem prumo.

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Abstenção nas eleições municipais: o voto ainda é uma ferramenta prioritária para o cidadão?

Por Dilermando Martins, mestre em Ciências Sociais e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

04/11/2024 07h45

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Por longos anos, o exercício do sufrágio esteve nas mãos de seletos grupos políticos. No Brasil monárquico, sequer existia, de modo que o poder era emanado de um único soberano: o Rei. Foi somente com a Constituição da República, em 1891, que o exercício do voto foi constitucionalmente garantido – ainda que adstrito a oligarquias e demais categorias sociais que gozavam de privilégios.

Historicamente, a luta pelo direito ao sufrágio foi árdua, e somente com a Assembleia Constituinte, que daria corpo à nossa Constituição, é que a universalidade se tornou característica associada ao exercício do direito político. É na redemocratização que o Brasil e seus cidadãos escrevem uma nova história.

No dia 27 de outubro, várias cidades do Brasil passaram pelo segundo turno das eleições municipais, colocando para o eleitor o dever do exercício constitucional da cidadania por meio do voto. A Constituição brasileira prescreve uma série de garantias acerca dos direitos políticos, entre elas o direito ao sufrágio universal, além da proteção intocável do voto direto, secreto, universal e periódico.

Neste ano, muita coisa mudou e, ao que parece, o exercício do voto deixou de ser ferramenta prioritária para os cidadãos. Somente em Curitiba, no Paraná, foram 432 mil eleitores que se abstiveram de votar. Além de ser um recorde, o dado traz outra consequência: o número de abstenções ultrapassou o número de votos dados à segunda colocada: foram 390.254 votos para a candidata Cristina Graeml (PMB), número abaixo das ausências registradas naquele domingo. Mas, afinal, o que esse dado tem a nos revelar?

Primeiramente, é possível atribuí-lo à facilidade na justificativa dos votos. Com o aplicativo e-Título, disponibilizado pela Justiça Eleitoral, justificar a ausência nunca foi tão simples, bastando abrir o APP e clicar em “justificar o voto”. A tecnologia, utilizada a favor do processo eleitoral, merece elogios e revela o quanto essa ferramenta pode ser fundamental para as eleições. 

Não obstante, uma análise mais profunda demonstra um outro cenário: a insatisfação do eleitor. O crescente contexto de corrupção, aliado à ausência de propostas concretas de transformação nos municípios, além da desmoralização dos debates públicos e das trocas de ofensas generalizadas entre os candidatos, levam o cidadão a crer que o exercício do seu voto não será capaz de realizar mudanças significativas. O sinal de alerta se acendeu, e é preciso estar vigilante em relação a ele. 

Não se pode incutir no eleitorado a ideia de que a democracia morreu ou de que o voto tem pouca serventia. Pelo contrário, está mais do que clara a necessidade de se atentar ao exercício do direito político como nossa mais potente ferramenta de mudança político-social. Afinal, aqueles que usurpam o poder dependem – não somente, mas majoritariamente – do nosso voto de confiança enquanto cidadãos titulares de um poder valioso.

Está mais do que na hora de usar esse mecanismo a nosso favor ou veremos amargar a democracia que tanto se almejou nos idos do fim da década de 1980. Que as eleições de 2024 sejam capazes de demonstrar isso ao povo brasileiro! 

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