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"Um início de governo cauteloso, é a palavra que eu usaria neste processo inicial"

Eduardo Riedel terá uma série de desafios já em seu primeiro mês como governador de Mato Grosso do Sul; confira a entrevista exclusiva concedida ao Correio do Estado

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Conhecido por onde passou como um gestor que alcança os resultados a que se propõe, Eduardo Riedel (PSDB) assume neste dia 1º de janeiro de 2023 o maior desafio de sua carreira, o de governar Mato Grosso do Sul.

Administrar o Estado também será a incumbência de seu primeiro mandato eletivo. Sucessor de seu correligionário Reinaldo Azambuja, Riedel integrou o primeiro escalão do governo durante quase oito anos.

Eduardo Riedel venceu a primeira eleição da qual participou e chega para atender aos anseios de uma frente de centro-direita, mas que se ampliou à esquerda depois de uma disputa duríssima com Capitão Contar (PRTB) no segundo turno. 

Riedel sabe que os desafios serão muitos e que começarão logo depois da posse.

A “conta” das bondades fiscais feitas pelo Congresso Nacional e pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no início de 2022 vai chegar agora, em 2023, e, com ela, vários compromissos assumidos durante a campanha, como melhorias salariais para servidores e manutenção e ampliação de programas sociais, além de investimentos em infraestrutura.

“É um início de governo cauteloso, essa é a palavra que eu usaria neste processo inicial”, diz Eduardo Riedel, em entrevista exclusiva ao Correio do Estado.

Confira o que o novo governador de Mato Grosso do Sul pelos próximos quatro anos tem a dizer à população. 


Quais serão os primeiros desafios de sua administração, que começa neste dia 1º de janeiro?

Uma coisa positiva é que os programas de investimento da gestão atual não sofrerão descontinuidade. A prefeita de Campo Grande [Adriane Lopes, do Patriota], por exemplo, assinou um convênio com o governo para repasse de recursos para obras.

Por isso, não teremos nenhum prejuízo no que diz respeito à continuidade dos programas. Mas o ano será de mudança no governo federal, e isso certamente traz mudanças das políticas públicas. Não estou dizendo que a mudança dessas políticas é bom ou ruim.

O que estou dizendo é que a gente vai ter de se ajustar. 

E há também a questão fiscal. A gente terá um ano para entender os impactos, os aumentos dos custos. Existe uma conjuntura sobre a qual a gente vai ter de se debruçar muito para entender o ano de 2023.
 
O senhor já adiantou, então, que o grande desafio será a gestão fiscal. Como ficará a questão dos tributos sobre os combustíveis, que foram reduzidos em 2022?

A grande questão é que nós estamos passando por uma mudança de regramento. Não é uma questão de manter uma alíquota de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] ou não manter. O STF [Supremo Tribunal Federal] está decidindo. 

Na verdade, estamos em uma reforma fiscal meio às avessas. O novo ministro da Economia, [Fernando] Haddad, disse que a prioridade dele é a reforma fiscal e, por isso, trouxe o Bernard Appy [autor do projeto de reforma tributária que está mais avançado no Congresso Nacional].

Isso é ótimo! E você viu o tanto que eu falei sobre isso na campanha. Só que a partir da decisão do presidente [Jair] Bolsonaro de diminuir, lá em abril, as alíquotas dos impostos dos combustíveis na caneta, isso trouxe impacto – e grande. 

Mas aí podemos pensar: “Vamos segurar as alíquotas?”. Só que o Supremo está votando alterações nesse processo. Por exemplo: a alíquota modal brasileira é de 17%, a do diesel em Mato Grosso do Sul é de 12%.

E, de repente, vem uma decisão de que vai ter de ser nivelado para todo o Brasil: então, a alíquota do diesel iria para 15% ou 16%. Essa é uma decisão judicial que está posta.

A base de cálculo foi imposta pelo Supremo. A gente estava decidido a segurar pela média dos cinco anos.

Agora, eles voltaram atrás e farão as médias para os estados. Ou seja: a Justiça está decidindo, em parte, a reforma fiscal. 

Está longe de ser uma reforma tributária, mas o STF está nivelando uma série de condicionantes. Então, nós temos de entender bem tudo isso, até porque não está tudo julgado. O Judiciário está em recesso, mas há embargos de declaração que o próprio Estado enviou.

Tem discussão para sair agora. O mês de janeiro é um mês de muito acompanhamento, de muita discussão para a gente poder entender o ano de 2023, e esta é a preocupação inicial. O que eu não abro mão é da responsabilidade fiscal.

Com essa política fiscal atual, a gente suporta os programas? Não. Então, do que a gente vai abrir mão em 2023? Teremos de tomar uma decisão.

E sobre decisões recentes que já aumentaram o salário da elite do funcionalismo público para o teto do Supremo Tribunal Federal (até R$ 46 mil) e também o compromisso de equiparar o salário dos professores concursados e convocados, como fica tudo isso com os desafios fiscais?

Vejo isso com tranquilidade. A gente tem de fazer um bom planejamento. A partir do momento em que a gente tem a regra definida, vamos sentar com as categorias, como sempre fizemos, e avaliar o que é possível fazer. 

Temos uma diretriz a ser tomada: igualar salário de professor convocado com o de professor estatutário.

Então, dentro do orçamento, como a gente pode fazer isso nos próximos anos? É esse planejamento que vamos fazer a partir do momento em que tivermos esse regramento definido.

É difícil dizer agora, porque a gente passou uma eleição com muitas pendências judiciais, frutos da medida do governo federal que alterou o ICMS, e ninguém altera ICMS de cima para baixo. Isso teve uma série de consequências jurídicas que agora estão sendo decididas pelo Supremo.

Então, a gente tem de ter cautela no mês de janeiro e fevereiro para entender como a gente pode assumir os compromissos colocados dentro desse regramento fiscal. É um início de governo cauteloso, essa é a palavra que eu usaria neste processo inicial.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que chamaria os governadores para elencar quais as obras fundamentais em cada estado. Ele já fez algum contato nesse sentido? Quais seriam as obras?

Ele disse isso no debate. Ainda não sei se teremos uma reunião sobre isso. A única reunião que tivemos com o presidente Lula foi uma videoconferência organizada pelo Fórum de Governadores, tratando justamente das questões fiscais que falei.

Com o presidente, nós não tivemos nenhuma reunião. Ele avisou que vai chamar os governadores em janeiro para uma conversa, e nós, inclusive, temos de levar nossa preocupação em relação a esses regramentos que estão colocados. 

E ele mencionou, que eu saiba, no debate, que ele ia solicitar que cada estado indicasse três obras prioritárias. Mas nós temos de aguardar para saber se é obra federal ou estadual, se é obra de habitação, infraestrutura, rodovia ou ferrovia.

Nós temos de entender, porque não temos nada colocado de maneira concreta. Essa é uma fala dele de campanha. Então, temos de aguardar para ver como o presidente vai conduzir isso.
 
E qual a expectativa em termos de relação institucional com o governo federal? Como têm sido os contatos?

Positivos, agora que ele [Lula] já definiu o Ministério. A gente tem uma tranquilidade muito grande em saber que nós vamos nos relacionar institucionalmente de maneira muito positiva, sem nenhum problema, em todas as áreas que eles estão dizendo atuar. 

A gente discutiu muito [a questão da] habitação. O governo federal tem dito que vai retomar um programa robusto de habitação: isso é fundamental para o Estado.

Nós temos projeto, estrutura e equipe para poder fazer esse relacionamento com a nossa bancada federal.

Temos as nossas emendas parlamentares, nós temos destinos para poder alavancar investimentos no Estado.

Existem alguns investimentos federais aqui que são prioritários: a BR-419, a BR-163, a BR-262 e a BR-267, são investimentos federais importantíssimos.

O programa de parceria público-privada do governo federal tem de abarcar essas rodovias, ferrovias. Então, a gente tem colocado uma série de iniciativas que farão parte desse relacionamento entre Estado e União. Não tenho dúvida disso.

Você falou de obras importantes. Como fazer para destravar os gargalos logísticos do Estado, que não avançaram durante os dois anos finais do governo Bolsonaro?

É fundamental destravar projetos fundamentais, como a Malha Oeste e a BR-163, entre outros. O governo federal tem de assumir essa discussão. Você vê que a política é dinâmica, que as coisas são dinâmicas. Há 15 anos, se você pegasse e falasse de parcerias público-privadas, parecia que você estava falando de um bicho de sete cabeças.

O PT, que está assumindo agora, tinha uma relutância. E hoje todos concordam que não tem nada demais em atrair capital privado para o que o Estado não está conseguindo fazer. Hoje já pulamos essa fase, e discutir as parcerias já não faz mais sentido.

Não tem governo de esquerda ou de direita que não vá atrair capital privado para bons projetos de infraestrutura. 

Então, acredito que o governo federal vá fazer isso. E tem de fazer, senão, limita o nosso crescimento. A falta de infraestrutura limita o crescimento do Brasil, é tão simples quanto isso.

Então, não adianta falar “o Brasil vai crescer”. É preciso desamarrar as âncoras democráticas e tributárias que atrapalham o ambiente de negócios. Isso é fato. E a infraestrutura é uma dessas âncoras.

Você sempre declarou apoio a Jair Bolsonaro durante os dois turnos da campanha, mas, no segundo turno, contra Capitão Contar, os eleitores de centro e de esquerda se aproximaram mais de sua candidatura. Como será o desafio de colocar muitos sul-mato-grossenses dentro de uma mesma estrutura de governo e de um mandato com o mesmo propósito?

Eu acho que a gente tem obrigação de fazer isso. E aí você usou a palavra que define o porquê de nós devermos fazer isso, que é propósito.

Se a gente ficar discutindo radicalismos, a gente não vai para lugar nenhum. Mas, se a gente discutir política pública e propósito, a gente consegue reunir pessoas com pensamentos distintos em torno de causas comuns.

Eu consigo colocar bolsonaristas e lulistas em torno de uma agenda para levar tecnologia para a agricultura familiar, por exemplo. Mas esse propósito é de quem? É da sociedade.

Programas sociais e necessidade de qualificação para gerar emprego são da direita ou da esquerda? É do lulismo ou do bolsonarismo? É proposta da sociedade! 

Então, fica essa discussão de cargo no governo e quem está indicando, se é o PT, o PP ou o PL. Nós temos de ter pessoas capazes de conduzir política pública para conseguir resultado, e o resultado atende à agenda de um espectro muito grande da sociedade.

Por isso que nós temos de baixar a temperatura. Então, a gente está perdendo energia, fazendo um esforço gigantesco em torno de nada.

Eu vi um depoimento de um artista da novela “Pantanal”, em um programa de auditório, de seis minutos, sobre o tanto que ele foi xingado por um lado e pelo outro lado. E ele desabafou o quanto está difícil viver neste ambiente.

Você não pode ser o Eduardo com suas crenças: ou você é comunista, ou você é bolsonarista. Qual é a agenda de um ou de outro? Isso eu não aceito.

Eu acho que a gente tem de discutir política pública em ambiente de desenvolvimento, de inclusão social. Eu vou bater nisso, porque eu não aceito ser tachado de a, b, c ou d. Eu não abro mão das minhas convicções.

Respeito [os posicionamentos], acho importante, sei que diferença faz parte, ela é natural, e vamos fazer isso, respeitar sem ficar carimbando as pessoas. 

É Mato Grosso do Sul que está dando uma mensagem política. E eu vou insistir nisso.
 
Você teve uma participação ativa nos dois mandatos de Reinaldo Azambuja (PSDB), em que você foi secretário de Governo e Gestão Estratégica e de Infraestrutura. Mas o que você acha que será diferente? Vai mudar alguma coisa do Eduardo Riedel secretário para o Eduardo Riedel governador?

Muda, né? Acho que muda o peso aqui em cima [apontando para os ombros]. Como secretário, sempre fui muito responsável em minhas atividades, mas como governador recai sobre a gente a política.

Além da gestão, o bônus e o ônus político das consequências da ação recai sobre o governador, não recai sobre os secretários.

Muda essa responsabilidade, a do peso político, para o bem e para o mal, porque 812 mil votos acabam trazendo um grau e uma percepção em relação a seu compromisso com o Estado um degrau acima, e aí a responsabilidade sobre as áreas não se pode terceirizar, o que é muito comum na política.

Isso passa a ser um problema seu. E não tem como mudar isso, é algo que carregamos conosco.

Perfil: Eduardo Corrêa Riedel - Eduardo Corrêa Riedel, 53 anos, formou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Fundação Getúlio Vargas e no Instituto Europeu de Administração de Empresas.

Entre 2015 e 2022, foi secretário de Estado de Governo e Gestão Estratégica e de Infraestrutura. Foi presidente da Famasul, diretor da CNA e presidente do Sindicato Rural de Maracaju. 

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Política

PT oficializa pré-candidatura de Fábio Trad ao governo do Estado

Nome de ex-deputado foi oficializado em encontro realizado neste sábado (13)

13/12/2025 18h00

À direita da imagem, Fábio Trad acompanha fala de Edinho Silva

À direita da imagem, Fábio Trad acompanha fala de Edinho Silva Foto: Pedro Roque / Reprodução

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Ex-deputado federal, Fábio Trad foi oficializado como o postulante à governadoria estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A indicação ocorreu na tarde deste sábado (13), em reunião da cúpula petista na Capital, que contou com a presença do presidente nacional da sigla Edinho Silva e diversas lideranças do partido. 

Filiado ao partido desde agosto último, Fábio Trad migrou para o campo mais à esquerda após deixar o Partido Social Democrático (PSD), sigla a qual pertencia há 10 anos.

Fábio Trad, ressaltou o simbolismo político da visita do líder da sigla à Capital e afirmou que a presença da direção nacional recoloca o campo progressista sul-mato-grossense no centro do debate nacional.

“A vinda do presidente nacional do PT significa que a esquerda de Mato Grosso do Sul está, sim, no radar político nacional. Não é possível que um Estado da importância geopolítica de Mato Grosso do Sul não tenha um palanque competitivo, ideologicamente coerente com o campo progressista liderado pelo presidente Lula”, afirmou.

Ao Correio do Estado, o ex-deputado destacou que os partidos que compõem a frente progressista construirão um grande palanque para o Lula em Mato Grosso do Sul, voltado "às conquistas sociais e econômicas para o nosso povo", disse.

À reportagem, destacou que, a disputa pelo executivo estadual partiu de uma decição do presidente nacional do partido, decisão que viu com bons olhos.

"Sobre a construção em torno da minha participação na campanha, o presidente Edinho destacou a preferência do PT de MS para que a jornada seja encabeçada por mim. As definições estão se concretizando e eu espero contribuir com o presidente Lula para fazer em MS o papel que ele me incumbiu de exercer", declarou. 

Além de mirar o posto mais alto do executivo estadual, o partido deve priorizar a corrida pelo Senado, já que Soraya Thronicke (Podemos) e Nelsinho Trad (PSD), irmão de Fábio, não possuem vaga garantida para o próximo ano. 

"O presidente Lula está muito atento ao cenário aqui do estado e fará todo o esforço para que o campo progressista tenha êxito em todas as instâncias de disputa, inclusive o Senado com o companheiro Vander", disse. 

À direita da imagem, Fábio Trad acompanha fala de Edinho Silva Ex-deputado Fábio Trad / Foto: Marcelo Victor / CE

À época de sua filiação, Trad já era cotado para disputar as eleições para governador no pleito geral de 2026, contudo, havia rechaçado o embate contra o atual governador Eduardo Riedel (PP) nas urnas.

Diferente dos irmãos, ele vem de uma formação mais à esquerda. Advogado formado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), conheceu o movimento brizolista (ligado à Leonel Brizola).

Em Mato Grosso do Sul, já teve dois mandatos de deputado federal pelo PSD, onde sua família esteve abrigada durante quase toda década passada.

Após a pandemia de Covid-19, voltou-se mais à esquerda quando se colocou como um dos oposicionistas do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em 2022, não conseguiu se reeleger. Disputou a eleição pelo antigo partido e também foi derrotado na disputa pelo governo do Estado.

Em 2023, recebeu um cargo na Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), no governo Lula.

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CÓDIGO DE CONDUTA

CNJ proíbe juiz coach e limita participação em eventos e cursos

Conselheiro da OAB-MS no CNJ, Mansour Karmouche explicou que a medida foca quem faz promoção pessoal

13/12/2025 08h00

Mansour Elias Karmouche durante sessão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília (DF)

Mansour Elias Karmouche durante sessão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília (DF) Divulgação

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em setembro e entrou em vigor este mês a Resolução nº 650/2025, que regulamenta em todo o Poder Judiciário como os magistrados podem atuar como docentes e participar de eventos, reforçando limites para evitar conflitos com o expediente forense e com a independência judicial.

Pelo texto, magistrados da União e dos estados continuam proibidos de exercer outro cargo ou função, ainda que com disponibilidade, com exceção do magistério.

Mesmo assim, a atividade docente fica condicionada à compatibilidade de horários com o trabalho no fórum.

A regra vale também para o ensino a distância (EAD), que deverá seguir os mesmos princípios do formato presencial, incluindo a exigência de conciliação com o expediente forense.

A resolução determina ainda que cada tribunal deverá regulamentar o limite máximo de carga horária semanal dedicada à docência de EAD, levando em conta “peculiaridades locais”.

Além disso, fica vedado ao magistrado exercer cargo administrativo ou técnico em instituição de ensino, com exceção de funções como coordenação de curso, projetos de pesquisa e extensão, ou atividades em escolas de aperfeiçoamento dos próprios tribunais e entidades vinculadas.

Um dos pontos centrais é a proibição explícita da prática de coaching e atividades similares para preparação de candidatos a concursos, mesmo quando envolvam conteúdos jurídicos.

O CNJ estabelece que esse tipo de serviço – descrito como treinamento organizado e oneroso voltado a “objetivos predefinidos”, como aprovações e ganhos – não é considerado docência e, por isso, é vedado a magistrados.

A norma equipara ao coaching a assessoria coletiva via mídias e redes sociais quando houver monetização digital ou captação de clientela para venda de produtos e serviços.

Há, porém, uma ressalva: mentoria gratuita, individual ou coletiva, direcionada a alunos de políticas afirmativas construídas no âmbito do CNJ e voltada à pluralização do perfil da magistratura, não é tratada como coaching, mas deverá ser formalmente comunicada ao tribunal competente, em registro eletrônico.

Para atividades regulares de docência em instituições de ensino, o magistrado terá de registrar eletronicamente no tribunal informações como entidade, horários e disciplinas ministradas, preferencialmente no início de cada semestre, mantendo os dados atualizados.

O CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça farão acompanhamento periódico dessas informações.

A resolução também amplia o conceito de atividade docente para fins de controle: participação de magistrados como palestrantes, conferencistas, moderadores, debatedores, integrantes de comissão organizadora, membros de bancas de concurso e de comissões de juristas (inclusive instituídas pelo Legislativo ou o Executivo) passa a ser considerada docência.

EVENTOS

Uma exceção é criada para participações virtuais breves e não remuneradas: eventos online (ao vivo ou gravados) de até 20 minutos, em horário compatível com o expediente, ficam dispensados do registro eletrônico.

No capítulo sobre eventos, o CNJ estabelece que congressos, seminários, simpósios e encontros similares promovidos, realizados ou apoiados por conselhos e tribunais devem observar princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O texto permite patrocínio de empresas com fins lucrativos até o limite de 30% do custo total do evento e autoriza patrocínio parcial ou total por entidades filantrópicas e fundações de direitos humanos, desde que compatíveis com o tema.

Já quando o evento for promovido ou subvencionado por entidade privada com fins lucrativos e houver custeio de transporte e hospedagem, a participação de magistrados fica limitada a papéis específicos, como comissão organizadora ou atuação como palestrante, moderador e debatedor – com exceção para eventos custeados exclusivamente por associações de magistrados.

A resolução ainda prevê a possibilidade de magistrados receberem premiação da administração pública ou de entidades sem fins lucrativos por obra jurídica ou prática inovadora de interesse da administração judiciária, desde que não haja comprometimento da independência funcional.

Também admite o recebimento de itens de cortesia em situações específicas, desde que o valor patrimonial não descaracterize o caráter simbólico.

ANÁLISE

Segundo Mansour Elias Karmouche, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional em Mato Grosso do Sul (OAB-MS) e conselheiro federal no CNJ, essas restrições aos magistrados foram o último ato do ministro Luís Roberto Barroso, antes de se aposentar do Supremo Tribunal Federal (STF).

“A medida foca os magistrados que costumam promover e oferecer cursos paralelos de mentoria e coaching, e, a partir de agora, essa prática foi completamente vedada. A proibição está alinhada a um código de conduta para magistrados, com o magistério ainda sendo aprovado, mas não podendo mais participar das redes sociais na capacidade de empreendedores”, detalhou.

Mansour Karmouche reforçou que a resolução chega em um momento de necessidade de mais transparência no sistema judicial brasileiro e foca a preocupação sobre potenciais conflitos de interesse dos magistrados.

“A partir de agora, todos os magistrados que participam de eventos precisam registrar e comunicar informações, incluindo valores recebidos e patrocinadores. Isso é importante para a segurança da sociedade, porém, infelizmente, a resolução se aplica apenas até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois o STF está fora do alcance das regulamentações do CNJ”, pontuou.

O conselheiro federal da OAB no CNJ destacou que o ministro Luiz Edson Fachin, presidente do STF, pela limitação do conselho, propôs uma resolução específica para disciplinar a participação dos magistrados do Supremo.

“Essa proposta surgiu, em parte, após uma viagem controversa do ministro Dias Toffoli, que gerou grande polêmica”, recordou.

Fachin tem apresentado a ministros da Corte a intenção de criar um código de conduta para integrantes de tribunais superiores, como na Alemanha, onde o Tribunal Constitucional elaborou um código de conduta em 2017.

São 4 artigos e 16 itens no total, que são um conjunto de regras para os integrantes da Corte considerada a guardiã da Constituição alemã e que tem inspirado o ministro Fachin.

O primeiro artigo do Código de Ética alemão diz que: “Juízas e juízes devem se comportar, dentro e fora de suas funções, de modo a não prejudicar o prestígio do Tribunal, a dignidade do cargo e a confiança em sua independência, imparcialidade, neutralidade e integridade”.

O texto afirma que precisa existir um “zelo para que não surja qualquer dúvida quanto à neutralidade perante grupos sociais, políticos, religiosos ou ideológicos”. Ele cita também o cuidado com as “relações pessoais”.

O código tem, ainda, um parágrafo sobre a ética de aceitar presentes: “Juízas e juízes só aceitam presentes e benefícios de qualquer tipo apenas na medida em que isso não possa gerar dúvidas sobre sua integridade pessoal e independência”.

Diz também que os magistrados podem “receber remuneração por palestras, pela participação em eventos e por publicações somente e apenas na medida em que isso não prejudique o prestígio do Tribunal nem gere dúvidas quanto à independência, à imparcialidade, à neutralidade e à integridade de seus membros” e que “os rendimentos obtidos em atividades extrajudiciais devem ser divulgados”.

Por determinação do Código de Ética alemão, esses dados são públicos e ficam liberados para consulta. A tabela de 2024 é a mais recente disponível.

Mostra exatamente o quanto cada integrante do Tribunal Constitucional da Alemanha ganhou em atividades fora do Judiciário – publicação de livros e artigos, palestras, participações em eventos independentes.

O código também determina que os magistrados da Corte não podem emitir pareceres sobre questões de direito constitucional nem fazer previsões sobre o resultado de processos pendentes ou que podem vir a ser decididos pelo Tribunal.

O texto prevê ainda regras para depois do término do mandato. Fala, por exemplo, que os juízes não podem assumir atividades de consultoria nem emitir pareceres técnicos no primeiro ano fora do Tribunal e que, mesmo depois desse período, está vedada a atuação em casos da Corte para não dar a impressão de utilização indevida de conhecimentos internos.

O Reino Unido também tem código de ética para magistrados de tribunais superiores.

O documento determina que os juízes são expressamente proibidos de aceitar remuneração por atividades extrajudiciais e tem uma parte específica que fala o que é preciso ser levado em conta para que um magistrado se declare impedido de julgar uma determinada ação.

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte adotou um código de ética em 2023, depois que reportagens revelaram que juízes ocultaram ter recebido presentes e benefícios de empresários. Um dos magistrados é Clarence Thomas, que está na Corte desde 1991.

Segundo investigações de agências de notícias do país, ele aceitou, durante anos, viagens de luxo pagas por um bilionário texano, que comprou uma casa do juiz. A transação não foi informada às autoridades. O código americano estabelece, por exemplo, que juízes precisam explicar os motivos de se declararem impedidos de julgar um caso.

Logo no início, o texto afirma: “A ausência de um código levou à falsa impressão de que os juízes desta Corte se consideram imunes a regras éticas. Para acabar com essa percepção enganosa, estamos publicando esse código, que representa uma codificação dos princípios que nós sempre respeitamos”.

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