Há também a crença de que o modelo de financiamento apenas público poderá ser um golpe no uso de “caixa dois” nas campanhas, mecanismo pelo qual contribuintes privados, normalmente empresas, fazem doações não registradas e com recursos de fontes muitas vezes não declaradas à própria Receita Federal, como afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.
– O dinheiro de ‘caixa dois’ é dinheiro que normalmente já foi sonegado lá atrás, pela pessoa jurídica ou pessoa física – salienta o advogado.
Para o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), as distorções do atual modelo são tão evidentes que logo as duas Casas do Congresso acabarão se convencendo de que devem optar pelo financiamento público exclusivo.
– Estamos submetidos a uma engrenagem absolutamente equivocada: ou mudamos ou vamos conviver com um sistema que conduz permanentemente ao desvio de recursos, à contabilidade dupla, um caixa oficial e o chamado ‘caixa dois’ – afirma Arruda.
Fala-se de financiamento exclusivo porque o atual modelo já é parcialmente financiado com recursos públicos, com dinheiro do fundo partidário e, ainda, pela garantia de horário eleitoral gratuito nas emissoras privadas de rádio e televisão.
Lento andar
No Senado, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou projeto que estabelece o financiamento apenas com recursos públicos (PLS 268/2011) ao fim do ano passado. Proveniente da Comissão de Reforma Política, o texto foi assinado pelos senadores José Sarney (PMDB-MA) e Francisco Dornelles (PP-RJ), relator da reforma.
O PLS 268/2011 proíbe os partidos políticos e candidatos de receberem doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro oriundas de pessoas físicas e jurídicas. Os recursos para as campanhas sairiam de fundo administrado pela Justiça Eleitoral, que para isso deverá receber em ano de campanha transferência orçamentária à base de R$ 7,00 por eleitor inscrito.
Inácio Arruda diz acreditar no iminente consenso em torno do novo modelo, mas a tramitação da proposta não tem se dado sem percalços. Na CCJ, o texto passou em meio a controvérsias, inclusive em torno dos critérios da votação. Deveria seguir então diretamente para a Câmara, mas a oposição apresentou recurso para que também fosse a Plenário. Ainda não há previsão de votação.
O líder do PSDB, senador Alvaro Dias (PR), exime a oposição de responsabilidade pelo tímido avanço da proposta sobre o financiamento público exclusivo de campanha e demais itens da reforma política. Segundo ele, o debate não avança por falta de disposição do próprio governo.
– Vivemos sob um presidencialismo forte e, quando não há disposição da Presidência da República, nenhuma reforma de profundidade acontece, sobretudo quando há uma maioria forte submetida às imposições do governo – afirma o tucano.
Poder econômico
O fato é que muitos senadores ainda não se convenceram sobre as vantagens do modelo de financiamento apenas público, ao menos em relação a seu poder para neutralizar interferências do poder econômico sobre as campanhas para favorecer candidatos afinados com seus interesses.
Para o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), por exemplo, há “ingenuidade” na ideia de que o “PIB brasileiro” ficará de fora do processo eleitoral.
– A economia privada pode passar a interferir no processo democrático sempre pelo ‘caixa dois’. Então, será o caso de jogar todo o PIB brasileiro para uma via ilegal? – questiona.
Para Eduardo Braga, o que está em questão, em primeiro plano, é a necessidade de mecanismos para garantir maior controle e transparência sobre as campanhas.
O senador José Agripino (RN), líder do DEM, também afirma que, seja num modelo ou outro, o fundamental é coibir e punir as infrações às regras de financiamento. Ele admite que práticas ilegítimas permeiam todo o arco partidário.
– A questão é a impunidade. Se você aplica punição exemplar, vai dar exemplo a todos. Mas é preciso que haja o primeiro belo exemplo de punição – ressalta Agripino, salientando que a lição poderá começar com o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Mandatos independentes
Randolfe Rodrigues afirma que a superioridade do financiamento público não está numa suposta blindagem contra os desvios. Conforme o senador, o modelo não dispensa a necessidade de mais controle, fiscalização e punição de práticas ilegais, inclusive legislação mais rigorosa para combater o ‘caixa dois’. A seu ver, o financiamento apenas público se distingue pelo grau de autonomia que os eleitos passam a dispor perante o poder econômico.
– Enquanto os políticos forem eleitos solicitando dinheiro a empreiteiras, recebendo contribuições delas ou de qualquer outro setor ou empresa, sempre acabarão rendendo homenagens a seus financiadores, os verdadeiros detentores do mandato – afirma Randolfe.
Questionados sobre a pouca simpatia que o modelo de financiamento exclusivamente público desperta na população, os defensores reagem dizendo que esse é um “sentimento orquestrado”. Segundo Inácio Arruda, segmentos conservadores fazem “campanha aberta” para convencer a população de que o “caixa dois” sempre coexistirá com o financiamento público.
– Cabe aos partidos a coragem de aprovar o financiamento público e à própria sociedade, ao lado da Justiça Eleitoral, fiscalizar para garantir a lisura dos procedimentos – afirma.
Atualmente, a sociedade já pode acompanhar os gastos das campanhas pelo site da Justiça Eleitoral. O prazo para a divulgação da primeira prestação de contas por partidos políticos, coligações e candidatos envolvidos na atual campanha para as prefeituras encerrou-se no dia 6 de agosto.