Na plataforma IC Play, "Futuro da Terra" tem direção de Alberto Alvares, da etnia guarani nhandewa, e de Claudiney Ferreira; Ailton Krenak, cacique Raoni Metuktire, Daniel Munduruku e Célia Xakriabá estão entre os entrevistados
Estreia nesta sexta-feira, na plataforma gratuita de streaming Itaú Cultural Play, a série documental “Futuro da Terra”. Produção original do Itaú Cultural, a série explora diferentes aspectos da cultura dos povos originários brasileiros de vários estados do País. Quem assina a direção é Alberto Alvares, cineasta da etnia guarani nhandewa, nascido na aldeia Porto Lindo, em Japorã, município localizado a 480 km de Campo Grande, na fronteira com o Paraguai.
Alvares é reconhecido com um dos principais nomes do cinema indígena do Brasil e divide a direção de “Futuro da Terra” com o jornalista Claudiney Ferreira. Na plataforma, os espectadores poderão assistir à primeira temporada da série, com três episódios. Gravados no Distrito Federal, em Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais, os capítulos têm depoimentos de líderes indígenas como Ailton Krenak, Cacique Raoni Metuktire, Daniel Munduruku, Célia Xakriabá, Olinda Tupinambá, Denilson Baniwa, entre outras lideranças.
A data de lançamento da série pega carona com o Dia da Terra, comemorado nesta terça-feira (22). O acesso à Itaú Cultural Play, plataforma especializada em produções brasileiras, é gratuito. Basta acessar a página www.itauculturalplay.com.br.
URGÊNCIA
“‘Futuro da Terra’ nasce como uma urgência para mim, para o meu povo e para outros povos indígenas brasileiros. É uma forma de salvaguardar nossas memórias”, diz Alvares. “Muitos filmes e séries sobre povos indígenas tratam de apenas uma etnia. Nesta série, cada episódio traz histórias e depoimentos de vários povos”, completa Ferreira, roteirista e parceiro de Alvares na direção.
Alvares também assina a direção de fotografia, e a série conta com desenhos exclusivos do artista visual Wapichana Gustavo Caboco, um dos nomes mais representativos da arte indígena contemporânea. O catálogo da IC Play oferece uma animação dirigida por Caboco, “Kanau’kyba” (Roraima, 2021).
A primeira temporada foi gravada no Acampamento Terra Livre, no Distrito Federal, em território guarani, em São Paulo, Xingu, em Mato Grosso, e Krenak e Maxacali, em Minas Gerais. O primeiro episódio, “Território”, retrata justamente a noção de território entre esses povos, que ultrapassa o simples conceito de espaço físico, englobando a relação com corpo, língua e diversidade étnica.
“No estado de São Paulo, por exemplo, nós gravamos em aldeias diferentes, mas habitadas pelas mesmas etnias, caso dos guarani. É impressionante ver como o conceito de território muda de acordo com o local onde o povo está, do quão próximo está do meio urbano”, conta Júnia Torres, diretora de produção e uma das idealizadoras de “Futuro da Terra”.
Para o cineasta Takumã Kuikuro, morador da aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, por exemplo, a terra pertence a todos os humanos, indígenas ou não.
“Nós não pensamos em mercadoria como os não-indígenas, que disputam a terra. Não transformamos a terra, a água e os peixes em dinheiro, mas sim em sustento da vida, para todo mundo”, diz em entrevista, no episódio.
SUSTENTABILIDADE
Tanto o segundo quanto o terceiro episódio abordam um tema que se impôs durante as gravações e a captação de material: a sustentabilidade. O segundo, intitulado “Revivências da Mãe-Terra”, retrata, principalmente, as iniciativas de preservação e recuperação ambiental dos povos originários, como o projeto de reflorestamento em aldeias Maxacali, em Minas Gerais, além da restauração de sementes e abelhas nativas pelos guaranis. Esses dois povos são os únicos do Sudeste que ainda falam sua língua originária.
“Terra e Corpo, Natureza e Espiritualidade”, o terceiro episódio, por sua vez, debate a sustentabilidade de um modo mais amplo, aludindo às noções de manutenção do corpo, da alimentação, das culturas e tradições, da língua e da espiritualidade.
Esse episódio guarda uma das cenas mais emocionantes da série: o momento em que Vitorino, pajé de uma aldeia Maxacali, que é cercada por fazendas, lamenta o incêndio criminoso que varre a floresta próxima.
“Naquele momento, enquanto olhávamos a mata devastada pelo fogo, ele não demonstrava, mas estava chorando por dentro. Para os Maxacali, não era apenas uma terra sendo queimada, era um corpo”, lembra Alvares, que faz mestrado no Rio de Janeiro.
305 ETNIAS
O Brasil soma atualmente mais de 305 etnias indígenas, falantes de cerca de 270 diferentes línguas. Apesar de numerosos, esses povos ainda são pouco conhecidos e compreendidos na sociedade brasileira.
“Se fôssemos contar que os povos nativos são todos ‘índios’, de acordo com a Organização das Nações Unidas [ONU], a Unesco e a Organização Mundial da Saúde [OMS], nós seríamos uma população estimada de 400 milhões de pessoas, espalhadas pelo mundo. Talvez isso seja uma garantia para a gente continuar vivendo. Não estamos mais enclausurados em um lugar, aonde alguém pode ir e nos aniquilar. Estamos no mundo”, diz Ailton Krenak no primeiro episódio.
Todas as entrevistas da série são feitas somente com pessoas indígenas, boa parte delas nas línguas originais de cada etnia. A produção também dá voz às lideranças femininas, como Jerá Poty Mirim, moradora da Terra Indígena Tenondé Porã, na capital paulista, e a deputada federal Célia Xakriabá.
A produção executiva de “Futuro da Terra” é da Filmes de Quintal, associação responsável, entre outras ações, pelo forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico, Fórum de Antropologia e Cinema, um dos mais importantes festivais do País.
Assine o Correio do Estado