Em entrevista ao Correio B, o vocalista e guitarrista Philippe Seabra, de 59 anos, da banda Plebe Rude, que se apresenta amanhã no Araruna Fest, lamenta a autodestruição do meio rocker e fala sobre seus projetos para 2026
Philippe Seabra
Philippe Seabra - Foto: Reprodução redes sociais
O show é baseado no repertório que temos apresentado este ano, celebrando os 40 anos do disco de estreia, “O Concreto Já Rachou”, com os dois membros fundadores, André X, no baixo, e Philippe Seabra, nos vocais, violão e guitarra.
Clemente, vocalista e guitarrista, também líder dos Inocentes, está na banda há 22 anos. E Marcelo Capucci, na bateria da banda, há 16 anos.
Será o bom e velho Plebe, mas com um vigor de iniciante. Como as letras da banda não envelhecem, o clima tem a mesma urgência que nos propeliu no início da década de 1980.
O show está lindo, com som de primeira e luz e vídeo sincronizados. Mas isso é detalhe. O importante é a banda e o legado e, como faremos 45 anos de banda ano que vem, creio que não seja pretensioso se falar de legado.
Campo Grande
Estaremos na cidade pela segunda vez [o primeiro show foi no Clube Estoril, em março de 2019]. O único estado em que ainda não tocamos no nosso querido e confuso Brasil é o Acre.

Philippe Seabra - Foto: Caru Leão
Por algum motivo, é muito raro sermos convidados a tocar no Mato Grosso do Sul. Sei que tem um público roqueiro muito bom, sedento por música consciente. A cultura brasileira que chega à grande mídia está atrofiando. Uma banda com som consciente é sempre bem-vinda. É necessário.
ZERØ

Guilherme Isnard, do ZERØ - Foto: Gabriel Fagundes
Guilherme [Isnard] foi um dos primeiros da cena paulista que conhecemos, quando ainda era ainda do Voluntários da Pátria [1982/83]. Deu muita força, muita força mesmo, às bandas de Brasília. ZERØ e Plebe tocaram muito juntos.
Foi quem marcou nossos primeiros shows em São Paulo, lá em 1983/84. E ainda considero o disco “Passos no Escuro” [primeiro álbum do ZERØ, de 1985, com os hits “Formosa” e “Agora Eu Sei”, que tem participação de Paulo Ricardo] o melhor dos anos 1980.
Pós-Punk
Eu e o André [André X Mueller, baixista e fundador] estamos nessa jornada desde o início, que em julho do ano que vem fará 45 anos! É difícil definir o som da Plebe. Deixo para terceiros. Para mim, não soa como nada além de Plebe.
Claro que tem uma forte influência do pós-punk, mas definir? Importante que é um som consciente. Forte, mas consciente do seu papel na MPB, um contraponto. A longevidade da Plebe se deve ao fato de eu e o André sermos grandes amigos, ao contrário de alguns dos nossos conterrâneos, todos parecem se odiar. E, claro, ainda sentimos a necessidade de nos expressar. E como...
Sucesso
Plebe seria mais pós-punk, assim como quase todo o rock oitentista no Brasil, que bebeu na fonte e politização de bandas como The Clash. Mas, sim, em termos de mainstream, Camisa [de Vênus] e Plebe são os maiores expoentes, assim como os Inocentes, que recentemente fizeram o festival The Town, em São Paulo.
Afinal, levamos músicas no Chacrinha como “Proteção”, “Até quando Esperar”, “Minha Renda” e, mais impressionante, numa demonstração de que a abertura democrática estava realmente sedimentada, a música “Censura”, então recém-censurada [em 1987].
Novas e Antigas
Por incrível que pareça, a atualidade assustadora das músicas da Plebe me incomoda um pouco. Claro que, como artista e compositor, fico feliz com a longevidade e a relevância da obra, mas, como pai e cidadão, fico zangado. É a constatação de que o Brasil não mudou nada. O “Nação Daltônica”, de 2015, é um disco muito forte.
Músicas como “Quem Pode Culpá-lo “ e “Anos de Luta” são, assim como as outras, bem atemporais. Mas a obra mais recente, “Evolução”, volumes 1 [2019] & 2 [2023], com 28 músicas inéditas, para mim, é um trabalho sem igual.
Afinal, tivemos a nada pretensiosa missão de contar a história do Homo sapiens desde o despertar da consciência, há 200 mil anos, até os dias de hoje. Mas, ao ouvir, tem que ouvir na ordem. Mais uma vez, a atualidade das letras é assustadora. E a produção, literalmente monumental.
Público atual
O que tenho visto ultimamente, ainda mais nos shows mais recentes, como em Belo Horizonte, Curitiba e Aracaju, é a renovação do público da Plebe. É um público curioso, que provavelmente conheceu a banda através do YouTube e das redes sociais, que romantiza uma época em que música realmente fazia parte das vidas das pessoas.
Quando caçulas, herdavam discos dos irmãos mais velhos, tinham receivers [equipamento de áudio] e toca-discos em casa. Hoje em dia, música mais parece um ruído de pano de fundo que as pessoas escutam ao navegar por bobagens na internet.
São fãs que realmente conhecem bem a obra e cantam tudo. Mas claro que tem a galera da década de 1980, todos curtindo. É muito bonito de se ver. Já se fez música séria neste país, e bandas como Plebe são fundamentais para ajudar a manter essa chama acessa.
O que não se pode ter é um bando de artistas cheios de opiniões, bravando em entrevistas e em blogs, mas, na hora de cantar sua verdade, só pop insosso. Letras bobas e vazias. Coerência é o mínimo que peço.
Um Livro?
“O Cara da Plebe” [2024] tem 640 páginas. Lançamento nacional pela editora Belas Letras. Eu senti que era hora de contar a minha história além das letras da Plebe, e com a cultura brasileira atrofiando sob o peso de música insossa, nada mais imediato.
Olha que trabalho com projetos grandes, discos próprios ou produção dos discos de outros artistas, trilhas sonoras de cinema. O mais recente foi a produção luso-brasileira “Sobreviventes”, está no YouTube para aluguel, com participação de Milton Nascimento em quatro das minhas músicas.
Estou acostumado com projetos monumentais. Por exemplo, a gravação dos dois volumes de “Evolução”, que demorou oito meses. Mas um livro? Pensei que nunca acabaria. Todo o processo de “Evolução”, do próprio livro, e da história do rock brasileiro nos últimos 50 anos está lá. Assim como política, comentário social, análise…
É uma autobiografia diferente, só lendo mesmo para entender. Mas ficou muito bom e todo lugar que ando Brasil afora tem plebeu pedindo para autografá-lo. Para quem me conhece, a mensagem sempre foi importante para mim, e é um livro que vai até o século 19 em algumas instâncias. É uma mensagem e tanto.
Voz
Sempre cuidei da voz. Mas eu sinto inveja de um Dave Grohl [Foo Fighters], que grita um show inteiro. Eu não conseguiria. Só espero que ele ainda tenha voz em 10 anos. Sobre a autodestruição de pessoas nesse meio, cansei de ver, e o meu livro é um grande lamento sobre isso.
Vi de perto em mais instâncias que eu queria ter visto. O convívio foi muito ruim, para dizer a verdade, mas sobrevivi. A Plebe sofreu muito com isso. Mas só lendo o livro para entender.
Preço do Sucesso
Para tudo na vida se tem um preço a pagar. Mas, no meu caso, consegui manter minha sanidade. Eu equilibro isso muito bem: na estrada, Plebe Rude é uma banda feroz com o vigor de banda iniciante e, em casa, sou pai e marido presente. Equilíbrio é tudo.
Próximos Projetos
A Plebe, em fevereiro de 2026, relançará nacionalmente “O Concreto Já Rachou”, pela Universal Music, com uma edição especial em vinil, com capa dupla que abre, com memorabilia jamais vista e um compacto que acompanha, pasme, as demos originais do disco!
Estamos preparando também um acústico, que sentimos que é a hora de gravar. Ah, e regravamos “Até quando Esperar” com o Herbert Vianna e o Jaques Morelenbaum, o mesmo cellista do cello icônico da abertura da faixa original.
No meu caso particular, no decorrer de 2026, estarei lançando um musical, disco solo, em que gravei todos os instrumentos, 18 músicas inéditas, com roteiro para cinema e teatro. E também o meu instituto estará a pleno vapor.
Sou presidente do Instituto Memorial Rock Brasil, que visa à construção de um acervo e um prédio de 7.000 metros quadrados para celebrar os 70 anos do rock brasileiro e, sim, em Brasília, a capital do rock.
Estou há cinco anos nesse projeto, e finalmente vai sair do papel. Como falei, trabalho sempre com projetos grandes. É a continuação da Rota Brasília Capital do Rock, que tenho junto ao governo do DF, em que mapeei 42 pontos turísticos relevantes ao rock de Brasília, com placas em três línguas nos devidos lugares, inclusive onde a Plebe Rude nasceu.
Disco de Ouro
A Plebe, de longe, é a banda com a proposta menos comercial de todos os artistas da década de 1980 que chegaram ao disco de ouro. Realmente, a trajetória da banda é impar dentro dos moldes de comercialização no Brasil, sem nenhuma música de amor, letra fácil ou banal.
Na minha recém-lançada autobiografia, “O Cara da Plebe”, relato muitos outros fatores que realmente atrapalharam a trajetória da banda, alguns, infelizmente, vindos de dentro. Mas, inegavelmente, enquanto a geração de gente fina, elegante e sincera dizia mais “sim do que não”, a Plebe dizia não.
Não às instituições, não ao status quo, não à repressão, não ao comercialismo. Mas pagou um preço alto por isso. Mas era justamente isso que fazia da Plebe a Plebe.
Algoritmo
A música popular brasileira continua firme em todas as frentes, mas, infelizmente, pouco consegue estar na grande mídia. Uma grande tragédia, na verdade. Eu mesmo produzi até hoje quase 40 discos independentes, mas poucos conseguiram ver a luz do sol, o que me entristece muito.
Hoje em dia, mesmo com o advento das redes sociais, é muito difícil, no meio do ruído que é a internet, artistas conseguirem uma carreira dedicada à sua arte. Mas é justamente essa dificuldade que separa o joio do trigo.
Sinto falta de um pouco mais de posicionamento dentro da arte, coisa que nossa geração realmente deixou de lado, pois o pouco engajamento que vejo, eu vejo em todos os lugares, em blog, entrevista, nos Facebook e Instagram da vida, menos na própria música.
Mas, para isso, teria que comprometer a própria arte, e nessa cultura de cancelamento ninguém quer uma coisa dessas. São os algoritmos ajudando a podar qualquer posicionamento dentro das canções e, me perdoe o lugar-comum, artista se expressa através da arte.
Senão tudo fica insosso e oco. As canções resistem ao teste do tempo, não entrevistas.
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