Depois de as audiências de conciliação sobre a tese do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas terminarem sem consenso entre as partes, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) voltou a notificar os proprietários rurais de Mato Grosso do Sul sobre o andamento de processo demarcatório.
Conforme publicação do Diário Oficial da União na semana passada, os titulares dos imóveis incidentes na área de delimitação em estudo da Terra Indígena (TI) Apyka’i, localizada no município de Dourados, foram notificados para ciência de que os imóveis identificados incidem nos limites preliminares da referida área em estudo.
O processo demarcatório da TI Apyka’i foi iniciado com a publicação da Portaria nº 560, de 29 de junho de 2016 (DOU de 30/6/2016), e chegou a ser alterado pela Portaria nº 1.231, de 25 de setembro de 2018 (DOU de 16/10/2018).
Entre as fazendas identificadas na área da TI que passa por estudo antropológico, está a fazenda Curral de Arame, que tem como coproprietário o atual presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Guilherme de Barros Costa Marques Bumlai.
Procurado pela reportagem, Guilherme Bumlai apenas declarou que ainda não recebeu notificação da Funai sobre o processo demarcatório em andamento.
O território indígena que está em estudo demarcatório foi palco de uma operação policial que despejou nove famílias guarani-kaiowá do Tekoha Apyka’i em 2016.
De acordo com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), à época, os pertences dos indígenas foram retirados e colocados em caminhões, e todos os barracos foram destruídos com um trator do tipo pá carregadeira.
A operação foi realizada pela Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Militar (PM), em cumprimento à decisão judicial de reintegração de posse da área, assinada pelo juiz substituto Fábio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados.
Conforme informa o texto de notificação da Funai para os proprietários de sete fazendas notificadas , é permitido, neste processo, que haja a manifestação dos proprietários rurais sobre o andamento da demarcação, a qual deverá ser encaminhada à Diretoria de Proteção Territorial da Funai.
Porém, o procedimento continuará em andamento independentemente da manifestação dos fazendeiros.
Após o prazo dos manifestos, “as eventuais manifestações encaminhadas serão analisadas e consideradas na decisão administrativa sobre a aprovação ou não do estudo e de suas conclusões”, descreveu a Funai no edital de notificação, publicado na sexta-feira.
Em caso de aprovação do estudo demarcatório, o resumo será publicado no Diário Oficial da União e do estado do Mato Grosso do Sul, momento em que o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) poderá ser acessado por todos os interessados. Após a publicação, ainda será concedido o prazo de até 90 dias para apresentação de contestação ao processo administrativo de identificação e delimitação.
SEM CONSENSO
No mês passado, a conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) terminou sem consenso entre indígenas e produtores rurais sobre o Marco Temporal, resultado que pode afetar 50 áreas que estão sendo reivindicadas em Mato Grosso do Sul, conforme levantamento do Cimi.
A conciliação, sem resultado prático, na visão do Cimi, deve prejudicar diversas áreas onde indígenas estão acampados reivindicando terras, movimento que também é conhecido como retomada.
“Em números, mais de 50 territórios seriam afetados, milhares de pessoas que provavelmente sofrerão despejos e voltarão a morrer na beira da BR. Todas os territórios devem ser afetados, porque o Marco Temporal é uma manobra que não tem sido usada apenas para impedir novos processos”, exemplificou à época.
Para o Cimi, as reuniões de conciliação teriam virado “instrumento político para tirar o foco das instâncias de demarcações das terras indígenas”.
Ao fim da mesa de conciliação, o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, afirmou que importantes avanços foram feitos.
“Depois de um longo debate na comissão de conciliação, avançamos na transparência, indenização, acesso e participação no processo de demarcação de terras indígenas. Além disso, defendemos fortemente a tese do Marco Temporal, conseguindo manter 80% da Lei nº 14.701/23”, declarou membro da Comissão Especial, à época.
NA JUSTIÇA
Em maio deste ano, por determinação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), foi acatado o recurso do Ministério Público Federal (MPF), que pede prosseguimento da ação em busca de anular oito títulos de domínio em Mato Grosso do Sul que estão como incidentes na TI Panambi – Lagoa Rica.
Essa decisão tem a Funai como assistente no caso. A ação do MPF também busca que a União assuma a posse das terras e promova o pagamento de indenização para aqueles proprietários que agiram de boa-fé.
SAIBA
Após nove meses de trabalho, a mesa de conciliação sobre a tese do Marco Temporal das demarcações de terras indígenas elaborou uma minuta com sugestões de um anteprojeto, que será enviado ao Congresso Nacional para alteração da Lei nº 14.701/2023, que instituiu a medida.


