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Às portas do Judiciário: o silêncio do balcão

O silêncio não é neutro, molda destinos, prolonga dores e adia reparações

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Há espaços em que o tempo parece ser uma eternidade, arrastando-se de forma lenta e indefinidamente, causando uma indesejável angústia, que se chega a questionar o porquê da escolha por aquele caminho como solução.

Em tema de processo judicial, não é raro se deparar com esses espaços. Junto ao que antes era um cenário característico dos processos físicos, encontram-se juntos, presentemente, outros desafios, adornados com senhas impressas e olhares aflitos, construindo uma espécie de liturgia do silêncio.

De um lado, o jurisdicionado, que aguarda uma resposta como quem espera a água brotar no sertão. Do outro, o servidor ou a tela fria do computador, que tanto pode abrir caminhos como erguer muralhas.

O diálogo, muitas vezes, reduz-se a gestos (des) humanamente frios: um “aguarde”, um “volte amanhã”, um “foi encaminhado” ou desesperanças do gênero. Expressões que desalentam, pois carregam o peso de meses de espera, de noites insones, de vidas suspensas.

Esse silêncio não é neutro. Ele molda destinos, prolonga dores, adia reparações. É o silêncio da fila que não anda, da promessa que não chega, da sentença que adormece em alguma gaveta invisível.

Não há gritos, não há espetáculo – há apenas a resignação de quem aprende a conviver com a falta de solução, como quem convive com uma doença crônica.

Paradoxalmente, é também nesse balcão que lampejos de humanidade resistem. O servidor que se compadece e tenta apressar o que pode. O defensor que insiste, repete, argumenta até que a voz quase falhe.

A mãe que, mesmo cansada, sorri para o filho para que ele não perceba o peso da espera. São pequenos gestos que iluminam uma estrutura pesada, lembrando que a Justiça é feita, antes de tudo, de pessoas.

As portas do Judiciário são, assim, fronteiras entre a burocracia e a esperança. De um lado, a decisão, o protocolo, o sistema eletrônico que insiste em dar erro.

Do outro, a vida que não pode esperar: a cirurgia negada, o medicamento em falta, o dano indevidamente causado e não reparado. Entre ambos, um silêncio que às vezes salva, mas que, só pela demora em si, sufoca impiedosamente.

O processo judicial se tornou eletrônico, mas a espera continua sendo “de carne e osso”. A tecnologia mudou os meios, mas não alterou a essência da espera, sentida na angústia que se acumula enquanto o tempo escorre prolongadamente.

O balcão físico foi substituído pelo “balcão” digital, mas o silêncio permanece, agora em forma de telas que não respondem, sistemas que travam e ausência de movimentação, por semanas, meses ou até mesmo anos a fio.

O âmbito judicial, que é buscado, sofregamente, para se pôr termo aos conflitos, pois é legítimo guardião dos direitos, em que argumentos e provas se enfrentam até que uma decisão surja, encontra-se, hodiernamente, empanturrado de ações, que muito contribuem para o prolongamento dos conflitos a eles submetidos, o que reclama uma urgente revisão na processualística civil, a fim de se contemporizar com a realidade destes novos tempos.

Quem conhece suas portas sabe que, antes do discurso, existe o silêncio. E é nele que os cidadãos comuns vivem a experiência mais concreta da Justiça: esperar sem saber até quando.

Talvez o grande desafio esteja em se romper esse silêncio. Não apenas com mais decisões, mas com mais efetividade e eficácia quando das suas confecções. Não apenas com mais tecnologia, mas com a adoção de uma trilha menos íngreme de percurso no ritual a ser adotado no processo.

O balcão, quer seja de mármore, quer seja digital, precisa deixar de ser fronteira ou muro berlinense para se tornar passagem. Precisa ser ponte entre o direito de que se necessita e a justiça que se entrega.

Ao fim da via-crúcis de um processo judicial, nenhuma sentença será suficiente se, no caminho até ela, o que mais se ofereceu foi silêncio.
 

EDITORIAL

O sistema de transporte faliu?

Mais grave ainda é a ausência, até aqui, de uma participação ativa e contundente de instituições que podem e devem agir de ofício diante de um flagrante caso de interesse público

15/12/2025 07h15

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A crise do transporte coletivo em Campo Grande chegou a um ponto que ultrapassa o desconforto cotidiano do usuário e passa a provocar perplexidade institucional. Um serviço essencial, que garante o direito de ir e vir, simplesmente ameaça parar, enquanto parte das instituições que deveriam atuar na defesa do interesse público assiste a tudo à distância, como se o problema fosse apenas administrativo ou financeiro.

O transporte público não é um favor concedido por concessionários nem um serviço opcional do poder público. Trata-se de uma obrigação legal e constitucional, que deve ser prestada de forma contínua, adequada e eficiente.

Ainda assim, a combinação de atrasos no pagamento de subsídios por parte do Município e crises financeiras alegadas pela concessionária – que, diga-se, precisa ser muito mais transparente sobre sua real situação – resultou na convocação de uma paralisação marcada para hoje.

Esperamos, sinceramente, que ela não ocorra. Mas o simples fato de ser cogitada já é um sinal grave de falência do modelo atual.

Mais grave ainda é a ausência, até aqui, de uma participação ativa e contundente de instituições que podem – e devem – agir de ofício diante de um flagrante caso de interesse público. O silêncio do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública causa estranheza.

Estamos falando de um serviço que afeta diretamente milhares de trabalhadores, estudantes, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Não há como tratar esse impasse apenas como um conflito contratual entre prefeitura e concessionária.

Essas instituições existem justamente para atuar quando direitos coletivos são ameaçados. Têm instrumentos legais para exigir informações, fiscalizar contratos, mediar soluções e, se necessário, responsabilizar gestores e empresas.

A crise do transporte público é um típico caso em que a atuação preventiva e firme poderia evitar danos maiores à população.

Esperamos, portanto, uma atuação urgente dessas instituições na mediação do impasse, antes que a cidade seja penalizada com a interrupção de um serviço vital. E, se o conflito acabar inevitavelmente judicializado, que o Judiciário aja como deve agir: com celeridade, sensibilidade social e foco no interesse público, e não apenas na letra fria dos contratos.

Afinal, quando um sistema essencial entra em colapso e as instituições se omitem, a pergunta deixa de ser retórica e passa a ser inevitável: o sistema de transporte público faliu ou falharam as instituições que deveriam garantir o seu funcionamento? Instituições existem para funcionar – e precisam fazê-lo de fato, especialmente quando a cidade mais precisa.

ARTIGOS

Às portas do Judiciário - contratos bancários fraudulentos

Embora exista regulamentação para a contratação na modalidade à distância, por resolução do Banco Central, as instituições bancárias e financeiras, em geral, não adotam as diretrizes legais

13/12/2025 07h45

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Após as fraudes praticadas contra aposentados, pensionistas e beneficiários do INSS terem vindo à tona, cresceu enormemente o número de demandas judiciais que visam ao cancelamento de contratos de empréstimos, principalmente os realizados de forma virtual.

Embora exista regulamentação para a contratação na modalidade à distância, por resolução do Banco Central, as instituições bancárias e financeiras, em geral, não adotam as diretrizes legais, gerando contratos nulos por natureza, os quais acabam sendo invalidados judicialmente.

Tratando-se de situações que envolvem idosos, os atos abusivos praticados pelos bancos provocam, por força do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), maior reprimenda judicial, sendo passível de apuração não só no âmbito cível, como também no criminal, tendo em vista a proteção especial em razão da vulnerabilidade presumida.

Contudo, embora a regra seja clara, temos nos deparado com situações em que vítimas de fraudes têm sofrido não só com os descontos promovidos a título de parcelas mensais não contratadas, como de serviços não autorizados, que torna indigno o valor líquido das aposentadorias, benefícios ou pensões a receber.

Em boa hora, felizmente, o Judiciário tem determinado o cancelamento desses contratos, condenando as instituições que assim atuam não só à restituição dos valores ilegalmente descontados, mas ao pagamento da devida indenização por danos morais, decorrente da lesão causada aos direitos de personalidade, amplamente consagrados na Constituição Federal.

O que atordoa é o percurso que a vítima dessas situações percorre até o momento em que se livra de vez do infortúnio das cobranças.

É que, embora seja cabível, juridicamente, um pedido antecipado de decisão que suspenda os descontos que vão incidindo sobre o já tão comprometido valor a receber, nem sempre esse pleito é concedido ou o é de forma tardia, o que vai pondo a vítima dessas fraudes em situação financeira mais delicada.

O ideal seria que a regra fosse no sentido de se determinar judicialmente a suspensão imediata dos descontos ilegais, já que a parte mais vulnerável (que é sempre o consumidor) não dispõe de meios econômicos para reverter uma situação de miserabilidade a que pode chegar, diferentemente dos afortunados bancos.

No entanto, para que as tutelas judiciais provisórias sejam concedidas, exige-se o preenchimento de requisitos legais mínimos, previstos na Lei Processual Civil, quais sejam: probabilidade do direito; perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; e reversibilidade dos efeitos da decisão.

Nos casos em que o banco não comprova a pactuação por contrato firmado ou quando a suposta contratação se deu de forma virtual, mas não se comprovou idoneidade da assinatura eletrônica, deve o negócio ser cancelado.

Caso haja comprovação de má-fé por parte do banco, impõe-se a restituição dos valores descontados em dobro. Não se comprovando, entretanto, o que é mais incomum, deve o valor ser restituído na modalidade simples, o que significa devolver somente o valor cobrado.

Para a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, entretanto, não se exige nessas situações, por exemplo, que tenha havido negativação do nome da vítima nos serviços de proteção ao crédito, mas a própria má-fé já valida a condenação nesse sentido.

Ainda é árdua a luta dos que sofrem com esses abusos, todavia, a Defensoria Pública é uma forte aliada do consumidor, especialmente os mais vulneráveis.

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