Nos últimos anos da década de 1990, durante a construção do gasoduto Bolívia-Brasil, e nos primeiros anos depois de sua ativação, o gás importado do país vizinho era propagado como se fosse trazer uma verdadeira revolução para Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, onde foi construída uma das primeiras termoelétricas, pelo menos uma dezena de postos de combustíveis fizeram adaptações para vender gás natural veicular (GNV). Na mesma toada, dezenas de proprietários de oficinas mecânicas investiram pesado para instalar os chamados kit gás em veículos movidos a gasolina, diesel e etanol. Com o passar dos anos, porém, a maioria absoluta daqueles que acreditaram na “revolução” se arrependeram e tiveram que amargar com o prejuízo. Das oficinas para instalação de kits devem ter sobrado duas. Postos que vendem GNV, o mesmo tanto.
E a explicação é simples: a vantagem econômica não foi tudo aquilo que prometeram. Pelo contrário. Porém, o consumo residencial e empresarial acabou se solidificando lentamente e, hoje, existem pouco mais de 23 mil clientes da MSGás no Estado. Somados, utilizam cerca de 600 mil metros cúbicos diários. O volume, embora significativo, é pequeno ante a capacidade para a qual o Gasbol foi construído, de 30 milhões de m³ por dia. Para efeito de ilustração, a termoelétrica de Campo Grande sozinha, quando em operação máxima, como está acontecendo agora, consome em torno de 1,3 milhão de m³.
Mas, apesar da frustração generalizada com o tal do gás boliviano, ele é fundamental para Mato Grosso do Sul. Isso porque nos últimos 25 anos trouxe bilhões e bilhões em ICMS aos cofres do governo do Estado e de todas as prefeituras. Sem exagero, o gás boliviano é a “galinha dos ovos de ouro” do poder público local. Ele chegou a ser responsável por 13% do faturamento total de ICMS. Nos doze meses encerrados em junho, o Estado arrecadou R$ 17,3 bilhões. Se o Gasbol ainda estivesse em pleno vapor, teria sido responsável por cerca de R$ 2,2 bilhões somente em um ano. No começo desta semana, ao anunciar o corte de gastos, a principal justificativa do governo do Estado para a falta de recursos foi a queda no faturamento com o gás boliviano.
E exatamente por conta desta importância é que o governo do Estado, dono de 51% da MSGás, deveria ser o maior incentivador do consumo. Na prática, porém, o interesse parece ser mínimo. Prova disso é que o preço ao consumidor está longe de ser atrativo. E, no momento em que poderia, a empresa se recusa a baratear o produto. No fim de julho, a Petrobras anunciou redução de 14%. Até agora, porém, nada chegou ao consumidor final.
O balanço da empresa mostra que em 2024 fechou com lucro líquido de R$ 43 milhões, R$ 10 milhões a menos que no ano anterior. Ou seja, a estatal, que divide seus ganhos com um grupo econômico asiático, teria margem para isso. Se os preços fossem sistematicamente atrativos, o ICMS que a administração estadual arrecadaria com o aumento do consumo possivelmente seria maior do que os dividendos que a estatal repassa ao fim de cada ano aos cofres públicos.


