Artigos e Opinião

OPINIÃO

Gaudêncio Torquato: "A festa do Estado-Espetáculo"

Professor da USP, consultor de comunicação

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Há, na sociologia política, uma hipótese que pode muito bem explicar certos fenômenos que mexem com o estado d’alma da população. A sobrecarga das demandas sociais aumenta as frustrações com o desempenho do poder público, levando grupos a procurar mecanismos de recompensa psicológica. Não necessariamente por isso, mas certamente tendo alguma coisa a ver com essa abordagem, imensos contingentes nacionais são atraídos por conteúdos diversionistas que funcionam como contrapontos compensatórios em momentos de crise.

É jogar na loto, ir aos estádios de futebol ou mesmo abrir o riso com os programas populares na TV. Os olimpianos, perfis que o sociólogo Edgar Morin descreve como os figurantes que aparecem cotidianamente no topo da cultura de massas, chamam a atenção, brincando com as plateias, abrindo portas da esperança, “inventando milagres” em templos suntuosos, acenando com gestos simpáticos para torcidas futebolísticas, encarnando o perfil de xerifes contra a corrupção e mesmo caprichando na imagem de heróis “salvadores da Pátria”.

Quanto maior a falta de grana no bolso, maior será o sucesso dos personagens do Estado-Espetáculo: artistas de novelas, bispos reunindo multidões em suas igrejas, jogadores(as) de futebol, juízes, ex-juízes, procuradores e até políticos de visibilidade midiática, etc.

À fragilidade do Estado provedor do bem-estar contrapõe-se o Estado das Estrelas Individuais, com seu teatro de formas lúdicas, promessas e elementos ficcionais. E que está por trás dessa moldura? Entre outros fatores, instituições frágeis, conteúdos sociais amorfos, a banalização da violência, descrença geral na política e na justiça, carência de cidadania, um conjunto amalgamado festejado com pirotecnia pela mídia.    São visíveis os sintomas de profunda crise, expressa pela deterioração de programas sociais, principalmente nos capítulos da segurança, educação, saúde e habitação. As forças policiais não têm conseguido cumprir com rigor o policiamento ostensivo e preservar a ordem. As gangues se expandem por toda a parte. Exércitos privados se multiplicam. A marginália ganha volume e o medo se espraia por todos os segmentos.

Nesse vazio, abrem-se espaços para mecanismos catárticos que fazem o diversionismo das massas. A “marcha para Jesus” e a Parada Gay são exemplos de eventos de grande mobilização social, funcionando como estruturas de catarse. De um lado, o encontro místico, de outro, a liberação de identidades. Ninguém grava o que se ouviu nos palanques (semântica), mas a estética dos espetáculos é a própria mensagem, no conceito mcluhaniano. Todos se recordam das cenas que viram. A disfunção narcotizante, o efeito teatral sobre o psiquismo de milhares de pessoas e a alienação cívica são alguns dos efeitos provocados por esses ritos, signos e ensaios coletivos.

Que a liturgia dos atos é importante para criar estados de animação, não se discute. Transformá-la em anzol para “pescar” a fé de multidões é coisa típica do Estado-Espetáculo. A estampa litúrgica de credos é o retrato acabado de um tempo em que as coisas essenciais dão lugar ao acessório.

O resultado é a dormência da cidadania. Pois um cidadão que se acostuma a viver no mundo ficcional acaba transformando a versão em verdade e o meio em fim. Sem segurança, sem saúde, com educação precária, sem serviços essenciais básicos eficientes, as pessoas se tornam fragilizadas. Perdem autonomia. Mais parecem rebanhos famintos à procura de pasto. Vai embora a noção de direitos.

O debate em torno de ideias cede lugar ao ludismo. Os líderes das massas já não são figuras da esfera política portando valores essenciais, como decência, respeitabilidade, honra, moral, ética, compromisso. Esse acervo se perdeu. Hoje, o que vemos são atores do Estado-Espetáculo expressando promessas de salvação, elementos canhestros, tipos que dramatizam a vida cotidiana, ancorando-se na miséria das margens sociais para aumentar seus cofres.

A paisagem social é lúgubre. Remete-nos ao poeta Manuel Bandeira, que assim cantava: “que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? O que vejo é o beco”.

ARTIGOS

Melhor idade: um convite para grandes aventuras

03/12/2024 07h45

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As pessoas necessitam de um período para reavaliar as escolhas, explorar novos interesses e adquirir experiências inovadoras. O termo sabático, oriundo do hebraico shabat, está relacionado à tradição judaica de descansar a terra a cada seis anos de cultivo ininterrupto. Na terceira idade, um momento de pausa pode ser especial. Não é uma decisão fácil ou imediata, mas sim fruto de um processo de autoconhecimento e de estar disposto a sair da zona de conforto (ou de desconforto), enfrentando medos e desafios. Para que o projeto se torne exitoso, há três palavras fundamentais: antecedência, organização e planejamento.

Compartilho aqui a experiência que tive com meu marido, Paulo, de nosso período de pausa, após eu pedir afastamento do cargo de gestão que exercia há mais de 10 anos. Apesar de gostar imensamente do que fazia, não desvinculava o cansaço e o estresse que sentia a esse trabalho. Essa constatação me fez refletir e ver que era hora de “passar o bastão”, não sem antes praticar o desapego. O que fazer? O mundo tinha aberto as portas e o céu seria o limite!

Quantas possibilidades! Depois de várias “tempestades de ideias”, decidimos viajar por aproximadamente seis meses para a Europa em 2018, guiados por interesses comuns em história, cultura e arte do Velho Mundo.

Iniciamos a jornada pela Inglaterra e tivemos a oportunidade de conhecer e de interagir com pessoas de várias partes do mundo. Todo o roteiro foi em função do desejo de conhecermos as grandes obras de arte, como as contidas no British Museum, na capital inglesa, no Museu do Prado, em Madri, e no Louvre, de Paris, além de patrimônios históricos e culturais da humanidade, em lugares como Portugal e Alemanha. As vivências espirituais foram outro ponto alto do passeio, em espaços como a Sacré-Coeur, de Paris, o Self Realization Fellowship, de Dublin, e o templo de Neasden, em Londres.

Ao término de nossa viagem, voltamos com uma bagagem extraordinária de vivências e de conhecimentos que gostaríamos de passar para outras pessoas. Descobri o prazer de escrever e publiquei dois livros sobre a experiência, e Paulo entrou para o ramo do turismo. Valeu a pena? Muito!

Essa decisão precisa ter uma razão e um propósito, um plano de ação muito bem estruturado, com definição do tempo da pausa, do destino, dos custos e da preparação para o retorno, garantindo que essa experiência se reverta em crescimento pessoal ou profissional. Desperte sua criatividade e explore potencialidades que talvez nunca tenha imaginado, permitindo-se um período de pausa transformador!

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ARTIGOS

Recomendações de Herman Benjamin para os juízes

03/12/2024 07h30

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Sempre tive uma vontade grande de conhecer pessoalmente o ministro presidente do STJ, Herman Benjamin, paraibano de Catolé do Rocha, e conversar com ele para beber seus vastos conhecimentos jurídicos, filosóficos, teológicos e humanitários tão importantes para sedimentar as suas sentenças e engalanar a cátedra onde sustenta com absoluta competência. Esse sempre foi um dos meus acalentados sonhos.

O ministro está tão próximo da minha cidade Ponta Porã e não pude concretizar essa aspiração em razão da fragilidade da minha saúde. Mas as oportunidades se renovam e quem sabe um pouco mais à frente poderei concretizar esse desiderato precioso. Mas é certo também, em outra vertente, que as suas decisões inseridas nos anais dos tribunais por onde peregrinou e ainda peregrina são sábias e pedagógicas e de valor inigualável. Não são conversas vazias e destituídas de fundamentos esse indicativo lançado pelo articulista. 

São provas robustas e insofismáveis emanadas daqueles que verdadeiramente amam o Direito e ainda consagram a sua vida inteira a serviço da Justiça como instrumento fomentador da paz social. Sim, porque o Direito, embora seja uma ciência abstrata, ele atrai, seduz e nunca chega a satisfazer a inteligência do seu estudioso diante da sua grandeza e do alcance dos seus propósitos.

Desde que nascemos, com o registro de nascimento, até quando morremos, com o atestado de óbito, tudo o que fazemos ou realizamos no curso da nossa peregrinação terrena está regulamentado por normas, regulamentos, portarias, decretos e leis que formam o nosso ordenamento jurídico. Base fundamental para referendar a justa distribuição da Justiça sempre que esse reclamo bater às portas dos juízos, instâncias ou tribunais.

Nessa linha de pensamento e de coexistência pacífica entre o Estado e a sociedade civil organizada surge o Judiciário como instrumento valioso para assentar a paz social, sobretudo quando foi esse o propósito do Estado para chamar para si a responsabilidade de distribuir a Justiça. Como o Estado se trata de um ente abstrato, ele mostra a sua face na pessoa física do juiz como responsável pela aplicação da Justiça. Não pode existir nada mais sublime do que isso. 

Consolidar a paz social com a aplicação da norma jurídica capaz de serenar os ânimos dos que buscam na Justiça o último guardião para a defesa dos seus direitos. E isso se torna mais evidente quando se constata a lisura dos nossos juízes, suas condutas morais, culturais, sociais, éticas e jurídicas no contexto da sociedade em que convive, como expressão maior para conquistar a respeitabilidade dos seus jurisdicionados.

Na primeira entrevista que concedeu, e que está estampada nas páginas amarelas da edição da Veja de setembro/24, disse a cada jovem magistrado com quem se encontra que a ambição da riqueza material ou quem sonha com um emprego glamouroso não deve ser juiz, estará na profissão errada. E sentenciou dizendo que o juiz no exercício da sua função judicante nunca será rico, e quem quer ser rico, não deve fazer concurso para juiz. 

Foi o desabafo diante de tantos tormentos que sacudiram os tribunais estaduais com os afastamentos de desembargadores de seu ofícios judicantes. Mas esse desejo enlouquecido que embrutece o ser humano não reside apenas nos limites do Judiciário. Outras tantas instituições sofrem com esse pesadelo. Nem o papa Francisco com o seu colégio de cardeais rebelde, e de outros tantos padres que se utilizam da sotaina para destruir sonhos justos e santos, vive momentos do seu pontificado sem tormentos. 

Em razão desses ditames, a nossa Carta Constitucional, para evitar essa vontade condenável, reservou aos integrantes do Judiciário as garantias constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos como instrumentos robustos para enfrentar os poderosos e vencer os desafios que todos os dias surgem na sua rotina de trabalho.

Parabéns ao nosso Estado, que recebe as mais altas autoridades do Judiciário brasileiro pelo colóquio. Parabéns a nossa sempre linda Campo Grande, terra de José Antônio Pereira, plantador de uma cidade de gente honesta, trabalhadora e que respeita a ordem, a lei e as autoridades constituídas. 

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