Artigos e Opinião

OPINIÃO

Gilberto Verardo: "Trilhos do tempo"

Psicólogo

Redação

24/08/2019 - 01h00
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Extraviei a caneta. Achei um toco de lápis. Como num relâmpago, estou imitando Manoel de Barros. Por um bom tempo, é desse modo que ele não apressava as palavras cair da cabeça para o papel vazio. Acho que esse era o segredo de brincar com palavras. Às três e meia da madrugada, acordo e pouco depois ouço o barulho de água correndo, apressada. Até estranhei num primeiro momento, pois pode ser confundido com pneu deslizando no asfalto, mas logo soube que era no Córrego Prosa, na Ricardo Brandão. Pode ser uma raridade, mas, vez ou outra, Campo Grande nos surpreende. Se quiser sentir os respingos de cachoeira, é só ir subindo até a Praça das Águas. Nela, os contornos do Prosa pronto para barulhar sua pressa cutuca afetos escondidos na memória. Ainda deve ser ótimo entrar nas águas falantes do Prosa ali. Penso que tem tudo a ver com conversa de riacho banhando árvores em um diálogo milenar que hoje estamos nos afastando de gostar. Logo à sua volta, outros arranjos sofisticados provocam a atenção e até mesmo o estilo de vida. Não sei se o Prosa parou no tempo. Acho que não. Fomos nós que nos distanciamos, criando um tempo e um espaço diferente.

Campo Grande é isso. Um vasto campo, bem grande, habitado por humanos de todas as partes do mundo, em uma diversidade étnica suficiente para chamarmos de “cidade democrática”. Seus habitantes aprenderam a pressa diferentes das águas do Prosa querendo encontrar o Segredo para se juntarem. Aí, casados geram o Anhanduizinho. Só o sofisticado olhar campestre do Seu Lúdio “Martins Coelho” poderia ter sonhado um Parque das Nações Indígenas. Mesmo adversário político, Pedrossian adotou a ideia futurista de prestar homenagem a nações indígenas, bichos naturais da terra, águas e árvores, como querendo não apressar a modernidade tardia. Lá, podemos reencontrar nossa porção meio selvagem, trajado de urbanoide. É um paradoxo saudável, que traz uma consciência de respeito. Por isso é um templo onde se caminha, orando ou não, em busca do diálogo comprometido entre homem e natureza. O mais chique é que fica no centro de Campo Grande.

Nelsinho Trad, cria da terra também e deve ser por isso, enquanto prefeito, sofistica ainda mais esta relação, filtrando com maestria os apelos da modernidade e da nossa tradição campestre. Penso que tudo isso agarrou mentes e mãos dos nossos artistas e suas artes, fazendo um eco cultural nos usos e costumes com o movimento, a cor, o sabor e o som do respeito por Campo Grande. Viver aqui no sentido existencial é fácil e prazeroso por causa do encontro fácil do passado de mãos com o presente sem dificuldades neuróticas. Os anônimos nossos de cada dia, em seu tímido silêncio, fabricaram essa atmosfera acolhedora. Acho que é o que mais atrai as pessoas para cá, permitindo expressões e desejos daqueles que buscam cordialidade de um lugar para preservar suas pretensões mais humanas. Que o digam os japoneses, os italianos, portugueses, libaneses, sírios etc., que nos ensinaram com seu trabalho e seus sabores o tanto que nos ajuda a crescer vivendo juntos e misturados, sem o monopólio da verdade cultural.

Só temos de pensar seriamente sobre o tamanho que podemos ter sem perder as conquistas visíveis e invisíveis que aplacam a sede de quem quer apenas viver na cidade coração da América.

ARTIGOS

O papel da IA no bem-estar moderno

21/03/2025 07h45

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Os últimos anos foram marcados por transformações em várias esferas da sociedade, e um dos conceitos que mais mudou e ganhou novos significados foi o de bem-estar. Se antes ele era relacionado principalmente com a saúde mental e física, hoje em dia já abrange diversos outros fatores, como qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, segurança e experiências personalizadas.

Esse cenário levou ao crescimento da economia do bem-estar, que, segundo dados do Global Wellness Institute (GWI), alcançou US$ 6,3 trilhões em 2023, montante 25% maior do que o valor avaliado em 2019 (US$ 4,9 trilhões). Para 2028, a expectativa é que o setor chegue a US$ 8,9 trilhões, o que reforça como essa pauta já é uma forte tendência.

Porém, vale destacar que os avanços nesse mercado foram possíveis, entre outros fatores, por conta da evolução da tecnologia, que ampliou o acesso a soluções inovadoras, otimizou processos e possibilitou a personalização do bem-estar de acordo com as necessidades individuais. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel fundamental, contribuindo ainda mais para que o bem-estar seja mais acessível e flexível.

Temos diversos exemplos que comprovam como as soluções inovadoras trazidas pela popularização da IA impactam diretamente o autocuidado e a forma como interagimos com o mundo: no setor da saúde, startups brasileiras como a Pipo Saúde utilizam a tecnologia para oferecer suporte a diagnósticos e otimizar o atendimento médico, permitindo que milhões de pessoas tenham acesso a serviços de saúde de forma mais eficiente. O bem-estar emocional também foi impulsionado com soluções como a da Vittude, uma plataforma que conecta pacientes a psicólogos por meio de IA, democratizando o acesso a cuidados mentais.

No que diz respeito ao bem-estar corporativo, ferramentas desenvolvidas por empresas como a Gupy ajudam organizações a monitorar o nível de satisfação dos funcionários e sugerem ações para melhorar o ambiente de trabalho, reduzindo o estresse e, consequentemente, aumentando a produtividade.

Outro exemplo do impacto positivo da IA no bem-estar moderno está na personalização do entretenimento, com plataformas como Spotify e Netflix, que usam IA para sugerir conteúdos que correspondem aos interesses do usuário, e do aprendizado, com ferramentas como o Duolingo, que usam IA para personalizar o ensino, tornando essa jornada mais eficaz e menos desgastante para os estudantes.

Acredito que essa tendência de sofisticação das tecnologias baseadas em IA vai tornar a busca pelo bem-estar completo ainda mais fácil. Desde aplicativos que monitoram padrões de sono e alimentação a assistentes virtuais que ajudam a gerenciar tarefas cotidianas, é fato que a tecnologia seguirá transformando a forma como cuidamos do nosso corpo, mente e relações.

Porém, não podemos esquecer que o segredo para o uso eficaz da IA nesse contexto inclui necessariamente o desenvolvimento ético dessas tecnologias, para que sejam seguras, inclusivas e realmente focadas no bem-estar humano.

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ARTIGOS

Financiamento rural e a reforma tributária

21/03/2025 07h15

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Os Fiagros são os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Criados em 2021, são ativos de investimento do agronegócio, seja de natureza imobiliária rural, seja de atividades relacionadas ao setor. O Fiagro acabou se tornando uma fonte alternativa de financiamento para o produtor rural, de modo a não depender exclusivamente dos bancos e do Plano Safra.

Entretanto, em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, mas vetou trechos que previam a isenção de tributos para os Fiagros e para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Esses trechos isentariam tais fundos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A justificativa do governo para o veto foi a ausência de autorização constitucional para que esses fundos não fossem considerados contribuintes do IBS e da CBS. Isso pode impactar diretamente o crédito para os produtores rurais. É uma insensatez e ilógico o que o presidente fez.

Os Fiagros são fundos em que as pessoas podem investir e que funcionam como fontes de financiamento para o agronegócio. No mundo inteiro, os fundos já são mais representativos do que os bancos. Esse tipo de fundo tem crescido bastante, pois permite também que investidores urbanos participem do setor agroindustrial, aproveitando o potencial do agronegócio brasileiro.

O Brasil conta com cinco grandes bancos e cooperativas de crédito, além de seis linhas de crédito disponíveis para o agronegócio. Há também o Plano Safra, que atende apenas uma pequena parte da produção. Dessa forma, os agricultores ficam nas mãos desses bancos e frequentemente enfrentam desafios para a concessão de crédito, tornando-se dependentes das instituições financeiras, que impõem taxas, garantias e burocracias muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor.

Prova maior da importância de financiamentos alternativos é a notícia da suspensão do Plano Safra. O Tesouro Nacional decidiu suspender novas contratações dessas linhas de financiamento 2024-2025. A medida vale a partir de 21 de fevereiro. O governo, sempre correndo para remediar em vez de prevenir, editou a MP nº 1.289/2025, liberando 4,17 bilhões para conter a pressão do segmento. Ainda assim, é insuficiente para o que o setor demanda de fomento. 

Os fundos representam um novo universo, uma nova possibilidade de financiamento com juros menores, pois, muitas vezes, esse capital vem do exterior. Os investidores estrangeiros não estão acostumados com os juros elevados do Brasil e, portanto, taxas mais baixas já são atrativas para eles. O Fiagro é exatamente isso: uma fonte de financiamento. Além de financiar o campo, atualmente beneficia cerca de 600 mil investidores.

No momento, o Fiagro só paga imposto se houver mais de 100 cotistas no fundo, não sendo tributado pelo Imposto de Renda. Caso tenha menos de 100 cotistas, há a incidência de 15% de Imposto de Renda, cobrado apenas no momento do resgate do resultado pelo cotista. Além disso, o Fundo não paga PIS, Cofins ou ISS. Contudo, com esse veto presidencial, os Fiagros passarão a pagar os tributos previstos na reforma tributária, especificamente o IBS e a CBS. Isso significa uma alíquota de até 28,5%, o que inviabilizará completamente esses fundos.

É importante lembrar que a logística no Brasil é muito cara, os produtores gastam muito com transporte, e os custos trabalhistas e tributários são elevados. Agora, o governo tenta transferir mais essa responsabilidade para o produtor. Vale ressaltar, mais uma vez, que quanto mais difícil for a vida do produtor, mais difícil será a vida do consumidor, que verá o impacto nos preços dos produtos agropecuários nas prateleiras dos supermercados.

A nossa expectativa é que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifeste firmemente sua discordância com o veto e atue no Congresso para derrubá-lo. A tributação desses fundos compromete a competitividade do setor, aumenta os custos para os produtores, reduz a oferta de crédito no agronegócio e, por consequência, eleva os preços dos alimentos para o consumidor final.

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