Em uma cena no primeiro capítulo da nova novela das 21h, “Três Graças”, a personagem Lígia, da atriz Dira Paes, diz: “Ainda tem essa minha doença, hipertensão arterial pulmonar, isso é doença de rico, não é de trabalhador, não”.
A cena repercutiu bastante na comunidade de hipertensão pulmonar, da qual faço parte como paciente, assim como a personagem Lígia, e como presidente da Abraf, organização sem fins lucrativos que apoia as pessoas que vivem com a doença no Brasil.
A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma doença rara, progressiva, sem cura, que afeta especialmente mulheres em fase produtiva e reprodutiva.
Ver uma personagem de novela com a doença possibilitou que pacientes em todo o País pudessem se identificar e se sentir representados. Naquela cena, Lígia dizia o nome da doença que ainda é tão desconhecida pela maioria da população.
A HAP dificulta a passagem do sangue pelas artérias pulmonares, sobrecarregando o coração e causando sintomas como falta de ar, dor no peito, cansaço e até desmaios. Por ser rara e ter sintomas que podem ser confundidos com os de outras doenças, o diagnóstico costuma demorar muito tempo.
Reconhecer os sinais e sintomas da doença é um primeiro passo para essa jornada. A visibilidade que uma novela pode trazer para a HAP é muito bem-vinda, pois precisamos que mais pessoas conheçam a doença e a realidade vivida por milhares de famílias no Brasil.
A jornada das pessoas com HAP é longa, na maioria das vezes: depois de receber o diagnóstico, é preciso chegar aos centros de referência, onde há médicos especialistas, e ter acesso ao tratamento adequado. A falta de uma linha de cuidado dificulta o diagnóstico precoce e o encaminhamento rápido para um serviço especializado.
Em um país de dimensões continentais e tanta desigualdade social, há poucos serviços especializados e muitos pacientes ficam soltos à própria sorte e precisam percorrer longas distâncias em busca de cuidado.
O problema é que a doença é progressiva, o que faz com que cerca de 60% dos pacientes cheguem aos ambulatórios já em fase avançada, o que dificulta o tratamento.
Também no primeiro capítulo da novela, a personagem Lígia diz que está tomando os remédios corretamente, mas que não estão fazendo efeito, pois ela está piorando.
Na ficção, escrita por Aguinaldo Silva, Virgílio Silva e Zé Dassilva, essa piora parece estar relacionada a um problema de falsificação de medicamentos distribuídos pela Fundação Ferette, de Santiago Ferette, personagem do ator Murilo Benício.
Na vida real, os medicamentos usados no tratamento da HAP são distribuídos pelas Secretarias Estaduais de Saúde, e não há notícias de falsificação. No Brasil, o tratamento da HAP é baseado no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas (PCDT) de hipertensão pulmonar, atualizado pelo Ministério da Saúde em 2023.
Há cinco medicamentos incorporados ao SUS, que podem ser usados de forma combinada, conforme diretrizes internacionais e nacionais de sociedades médicas.
Mas os pacientes da vida real enfrentam dois problemas muito graves. O primeiro é que o tratamento ainda não está disponível em todo o País. Dois anos depois de publicado, o PCDT não foi regulamentado, ou seja, não está sendo cumprido, em 10 estados.
O segundo problema é que pacientes são obrigados a conviver com a falta de medicamentos, que ocorre quando os estados ou o DF não compram os remédios e interrompem um tratamento que não pode ser interrompido. Infelizmente, o desabastecimento nas farmácias do SUS virou rotina, colocando a vida das pessoas em risco.
Se a hipertensão arterial pulmonar entrou em pauta, que olhemos para quem tem a doença e lancemos luz aos problemas que essas pessoas enfrentam no dia a dia. Cada dia sem tratamento adequado é um risco à vida dos pacientes.
Vamos acompanhar o desenrolar da história de Lígia e torcer para que o adoecimento dela seja tratado com sensibilidade e responsabilidade. As Lígias da vida real agradecem.


