Quando é feita uma concessão pública, que é um nome mais brando para privatização, é impossível negar que a empresa que se responsabiliza pelo serviço passa a ditar as normas e a definir o norte de determinados serviços.
E, por mais que os responsáveis pelas agências reguladoras digam que quem manda são elas, o passado e o presente comprovam que não é bem assim. É evidente que existe uma infinidade de variantes e variações nestas agências de regulação, muitas delas comandadas por apadrinhados políticos sem conhecimento básico sobre a área que deveriam regular.
Prova disso são as cobranças indevidas de energia, por exemplo, que já ocorreram em Mato Grosso do Sul, e a disparidade incompreensível das tarifas de água entre uma cidade e outra no Brasil afora, embora os custos operacionais sejam muito parecidos.
Além disso, quando determinada concessionária simplesmente se recusa a cumprir aquilo que foi acordado, não há Cristo que consiga obrigá-la ou puni-la por descumprimento de contrato. Prova disso são os 10 anos de ausência de investimentos na BR-163 e a devolução da ponte sucateada na BR-262, próximo a Corumbá.
Levando isso em consideração, é necessário ter cautela máxima ao se abrir a possibilidade de os 600 km da hidrovia do Rio Paraguai, entre Corumbá e Porto Murtinho, serem entregues ao mesmo grupo empresarial que controla a exploração e a exportação de minérios das morrarias de Corumbá, como admite alteração feita no edital do leilão.
A concessão do Rio Paraguai, o principal do bioma pantaneiro, não é uma concessão qualquer. Se houver erro ou exagero nas dragagens, por exemplo, o ciclo de cheias e vazantes de um dos biomas mais delicados do planeta corre o risco de sofrer danos irreparáveis. Ou seja, o Pantanal, como é conhecido hoje, pode simplesmente desaparecer.
Atualmente, quando existe água suficiente, o grupo J&F despacha em torno de oito milhões de toneladas de minério rio abaixo. A meta é chegar a até 25 milhões. Para isso, porém, é necessário remover uma série de bancos de areia.
Com isso, os comboios ganhariam maior velocidade em determinados pontos e poderiam descer inclusive nos períodos de pouca água, como ocorre agora. Há mais de um mês, o nível está abaixo de um metro e assim deve continuar por mais um mês.
E, ao entregar a hidrovia, e consequentemente a dragagem, à empresa interessada em exportar mais e mais minério, dificilmente alguma agência de regulação conseguirá acompanhar e controlar aquilo que estiver sendo feito naquele longínquo Pantanal.
Todos sabem que o poder econômico fala mais alto que qualquer diretor de agência de regulação, ainda mais sabendo que o grupo econômico em questão é um dos mais poderosos e influentes, não só na economia de Mato Grosso do Sul, mas no Brasil todo.
A dificuldade de monitoramento seria igual com qualquer outra concessionária. Ela também teria interesse no aumento na navegação, já que vai cobrar pelo volume transportado. Mas todos sabem que não faz o menor sentido colocar a raposa para cuidar do galinheiro.
É necessário admitir que dragagens de manutenção precisam ser feitas na hidrovia. Porém, se os interesses financeiros estiverem acima da conservação do bioma, elas terão de ser feitas eternamente, já que a água simplesmente descerá mais rapidamente pela planície e a cada ano novas intervenções terão de ser feitas.


