Celso Antônio Bandeira de Mello ensina: “Sabe-se que certas atividades (consistentes na prestação de utilidade e comodidade material) destinadas a satisfazer a coletividade em geral são qualificadas como serviços públicos quando, em dado tempo e lugar, o Estado reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas (fiscalização e controles estes que se constituem no chamado ‘poder de polícia’)” (“Curso”, Malheiros Ed. São Paulo, 15ª Edição, 2003, página 611).
Não é o caso de aprofundar o conceito de serviço público, tema, aliás, com várias correntes e entendimentos. Basta acentuar um determinado aspecto. Há exclusividade na prestação de serviços públicos previstos na Constituição Federal, como, por exemplo, os Correios.
O serviço postal é, segundo a Constituição, um serviço público. Entregar correspondências é serviço público. A questão que se põe hoje é: deveria continuar sendo um serviço público exclusivo da União, monopolizado por ela? Será que, em face da evolução tecnológica e das grandes inovações trazidas pela modernidade, justifica-se essa competência?
No mundo dos computadores, da internet, das mensagens por celular, dos aplicativos, da inteligência artificial, da multiplicidade de empresas que prestam ou podem prestar serviços de entregas de correspondência e documentos, justifica-se essa competência? Cremos que a resposta é negativa. Não se justifica o privilégio constitucional atribuído no século 21 aos correios.
É claro que a decisão de ser ou não um serviço público ou um monopólio deveria ser, em última análise, da sociedade brasileira, mas, ao olharmos a realidade de outros países de democracias modernas, a resposta também parece apontar outra direção.
Em Portugal, o CTT é empresa privada, totalmente privatizada, com acionistas privados, o mercado é liberalizado, com vários operadores, embora o CTT ainda tenha posição dominante em cartas.
Na Alemanha, a DP tem natureza privada e tem ações listadas em Bolsa de Valores. O mercado é liberalizado com outros operadores postais, atuando especialmente em encomendas.
Na Itália, ainda há 64% de controle estatal, mas o mercado é aberto à concorrência, principalmente em encomendas e logística.
Em síntese, de uma maneira geral, a legislação europeia obrigou a abertura dos mercados postais à concorrência, de modo que não há mais monopólio legal forte como no passado, em regra, nem mesmo para as cartas. Embora haja regras de acesso e obrigações específicas, há espaço amplo para empresas privadas atuarem.
Sabe-se, por outro lado, quais as razões que levaram ao longo dos séculos a compreender o serviço postal como público. Havia razões político-militares e de soberania.
O controle da informação e da comunicação era total nos Estados absolutistas e, depois, nos Estados nacionais, que viam o correio como uma infraestrutura estratégica inclusive para a comunicação oficial (ordens militares, administração, diplomacia).
Ademais, ter um monopólio estatal facilitava a censura, o sigilo do Estado e o controle de fluxos de informação em tempos de guerras e de crises.
No século 19, muitos países usaram os correios como instrumento de integração de territórios recém-unificados (Itália e Alemanha) ou muito extensos (EUA e Brasil). A ideia era mesmo que não houvesse lucro, o Estado deveria garantir que a carta chegasse a toda parte.
É claro que o mundo mudou radicalmente. Com a modernidade, cartas não são mais o meio corrente de comunicação, mas os e-mails, as mensagens instantâneas, as plataformas digitais reduziram brutalmente o volume de cartas pessoais e mesmo parte do correio comercial.
Empresas privadas globais mostram que é possível operar redes logísticas complexas em escala continental e global. Hoje se admite que o Estado possa garantir um serviço universal por outros instrumentos, como, por exemplo, subsídios públicos, fundos setoriais, leilões de concessão, compensações, etc.
Vide o sucesso da privatização da telefonia no Brasil. Há uma tendência geral hoje da quebra dos monopólios estatais integrais para modelos de serviços mais flexíveis e regulados em mercado concorrencial com benefício para toda a população.
As sucessivas crises econômicas (prejuízos) e de gestão nos Correios brasileiros apontam para a exaustão e a ineficiência desse modelo, que tem servido mais a interesses político-partidários (indicação e nomeação a cargos e funções) do que a outro interesse público ou social relevante. É urgente a mudança do modelo para atender ao princípio da eficiência com responsabilidade.


