Artigos e Opinião

EDITORIAL

Os financiamentos e as finanças públicas

Diferentemente do financiamento voltado a investimentos, a ideia de contrair crédito para custear a máquina administrativa é preocupante

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Nesta edição, voltamos ao tema das contas públicas de Mato Grosso do Sul, assunto que se tornou recorrente nos últimos meses, diante do cenário de aperto fiscal e da necessidade de manter investimentos estratégicos.

Em primeira mão, trazemos a informação de que o governo estadual tenta viabilizar, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um novo empréstimo, desta vez de R$ 2 bilhões, com a finalidade de custear despesas da máquina administrativa. O movimento, por si só, suscita reflexões sobre os limites da dependência do crédito.

Como o leitor poderá conferir em reportagem a seguir, há um outro empréstimo de valor semelhante já autorizado e liberado, também superior a R$ 2 bilhões, mas com destinação diferente: investimentos em infraestrutura.

É justamente este crédito que sustenta boa parte das obras anunciadas pelo governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, e que deve marcar a reta final de seu mandato, mesmo após o anúncio de cortes de gastos feito no fim do mês passado. Ou seja, sem o fôlego desses recursos externos, dificilmente o ritmo de inaugurações e de lançamentos seria mantido.

Não se trata de uma realidade isolada. Em outros estados brasileiros, o BNDES também tem funcionado como uma espécie de respirador financeiro, garantindo aos governadores a possibilidade de avançar em seus programas, mesmo em meio a dificuldades fiscais.

Trata-se de uma ação republicana: o banco de fomento é comandado hoje por um partido político, mas concede crédito a gestões de diferentes siglas e orientações ideológicas, sobretudo no Centro-Sul do País, onde a pressão orçamentária é evidente. Assim, assegura-se uma continuidade administrativa que vai além dos ciclos eleitorais.

O ponto de maior atenção, no entanto, está na natureza do novo pedido de empréstimo. Diferentemente do financiamento voltado a investimentos, a ideia de contrair crédito para custear a máquina administrativa é preocupante.

Despesas obrigatórias, como folha de pagamento, contas de energia, água ou serviços de rotina, não devem ser bancadas com dinheiro emprestado. É o mesmo que um cidadão se endividar para pagar a conta de luz ou o telefone: qualquer educador financeiro afirmará que se trata de um caminho insustentável a longo prazo.

A situação nos leva a refletir. Apesar de Mato Grosso do Sul ter construído, nos últimos anos, uma imagem de solidez fiscal – com índices que possibilitaram boa capacidade de endividamento –, o equilíbrio entre receitas e despesas continua delicado.

O fato de se recorrer ao crédito para despesas correntes indica que o cobertor é curto e que a expansão de gastos não foi acompanhada, na mesma medida, pelo crescimento da arrecadação.

De todo modo, é preciso reconhecer que a atual administração conta com um colchão de credibilidade importante. Esse histórico recente de responsabilidade permitiu ao Estado manter acesso ao mercado e ao crédito oficial, mesmo em momentos de turbulência econômica.

Isso significa que, embora a prática de financiar custeio com empréstimos seja questionável, o governo dispõe de margem para negociar e garantir que seus projetos não sejam interrompidos.

O desafio, portanto, está em equilibrar a necessidade imediata de caixa com a responsabilidade de longo prazo. Empréstimos podem garantir obras, impulsionar a economia e até suavizar crises conjunturais, mas não devem se transformar em hábito para manter a máquina em funcionamento.

Mato Grosso do Sul precisa preservar sua credibilidade fiscal, evitando que a busca por soluções de curto prazo comprometa o futuro. 

EDITORIAL

O sistema de transporte faliu?

Mais grave ainda é a ausência, até aqui, de uma participação ativa e contundente de instituições que podem e devem agir de ofício diante de um flagrante caso de interesse público

15/12/2025 07h15

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A crise do transporte coletivo em Campo Grande chegou a um ponto que ultrapassa o desconforto cotidiano do usuário e passa a provocar perplexidade institucional. Um serviço essencial, que garante o direito de ir e vir, simplesmente ameaça parar, enquanto parte das instituições que deveriam atuar na defesa do interesse público assiste a tudo à distância, como se o problema fosse apenas administrativo ou financeiro.

O transporte público não é um favor concedido por concessionários nem um serviço opcional do poder público. Trata-se de uma obrigação legal e constitucional, que deve ser prestada de forma contínua, adequada e eficiente.

Ainda assim, a combinação de atrasos no pagamento de subsídios por parte do Município e crises financeiras alegadas pela concessionária – que, diga-se, precisa ser muito mais transparente sobre sua real situação – resultou na convocação de uma paralisação marcada para hoje.

Esperamos, sinceramente, que ela não ocorra. Mas o simples fato de ser cogitada já é um sinal grave de falência do modelo atual.

Mais grave ainda é a ausência, até aqui, de uma participação ativa e contundente de instituições que podem – e devem – agir de ofício diante de um flagrante caso de interesse público. O silêncio do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública causa estranheza.

Estamos falando de um serviço que afeta diretamente milhares de trabalhadores, estudantes, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Não há como tratar esse impasse apenas como um conflito contratual entre prefeitura e concessionária.

Essas instituições existem justamente para atuar quando direitos coletivos são ameaçados. Têm instrumentos legais para exigir informações, fiscalizar contratos, mediar soluções e, se necessário, responsabilizar gestores e empresas.

A crise do transporte público é um típico caso em que a atuação preventiva e firme poderia evitar danos maiores à população.

Esperamos, portanto, uma atuação urgente dessas instituições na mediação do impasse, antes que a cidade seja penalizada com a interrupção de um serviço vital. E, se o conflito acabar inevitavelmente judicializado, que o Judiciário aja como deve agir: com celeridade, sensibilidade social e foco no interesse público, e não apenas na letra fria dos contratos.

Afinal, quando um sistema essencial entra em colapso e as instituições se omitem, a pergunta deixa de ser retórica e passa a ser inevitável: o sistema de transporte público faliu ou falharam as instituições que deveriam garantir o seu funcionamento? Instituições existem para funcionar – e precisam fazê-lo de fato, especialmente quando a cidade mais precisa.

ARTIGOS

Às portas do Judiciário - contratos bancários fraudulentos

Embora exista regulamentação para a contratação na modalidade à distância, por resolução do Banco Central, as instituições bancárias e financeiras, em geral, não adotam as diretrizes legais

13/12/2025 07h45

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Após as fraudes praticadas contra aposentados, pensionistas e beneficiários do INSS terem vindo à tona, cresceu enormemente o número de demandas judiciais que visam ao cancelamento de contratos de empréstimos, principalmente os realizados de forma virtual.

Embora exista regulamentação para a contratação na modalidade à distância, por resolução do Banco Central, as instituições bancárias e financeiras, em geral, não adotam as diretrizes legais, gerando contratos nulos por natureza, os quais acabam sendo invalidados judicialmente.

Tratando-se de situações que envolvem idosos, os atos abusivos praticados pelos bancos provocam, por força do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), maior reprimenda judicial, sendo passível de apuração não só no âmbito cível, como também no criminal, tendo em vista a proteção especial em razão da vulnerabilidade presumida.

Contudo, embora a regra seja clara, temos nos deparado com situações em que vítimas de fraudes têm sofrido não só com os descontos promovidos a título de parcelas mensais não contratadas, como de serviços não autorizados, que torna indigno o valor líquido das aposentadorias, benefícios ou pensões a receber.

Em boa hora, felizmente, o Judiciário tem determinado o cancelamento desses contratos, condenando as instituições que assim atuam não só à restituição dos valores ilegalmente descontados, mas ao pagamento da devida indenização por danos morais, decorrente da lesão causada aos direitos de personalidade, amplamente consagrados na Constituição Federal.

O que atordoa é o percurso que a vítima dessas situações percorre até o momento em que se livra de vez do infortúnio das cobranças.

É que, embora seja cabível, juridicamente, um pedido antecipado de decisão que suspenda os descontos que vão incidindo sobre o já tão comprometido valor a receber, nem sempre esse pleito é concedido ou o é de forma tardia, o que vai pondo a vítima dessas fraudes em situação financeira mais delicada.

O ideal seria que a regra fosse no sentido de se determinar judicialmente a suspensão imediata dos descontos ilegais, já que a parte mais vulnerável (que é sempre o consumidor) não dispõe de meios econômicos para reverter uma situação de miserabilidade a que pode chegar, diferentemente dos afortunados bancos.

No entanto, para que as tutelas judiciais provisórias sejam concedidas, exige-se o preenchimento de requisitos legais mínimos, previstos na Lei Processual Civil, quais sejam: probabilidade do direito; perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; e reversibilidade dos efeitos da decisão.

Nos casos em que o banco não comprova a pactuação por contrato firmado ou quando a suposta contratação se deu de forma virtual, mas não se comprovou idoneidade da assinatura eletrônica, deve o negócio ser cancelado.

Caso haja comprovação de má-fé por parte do banco, impõe-se a restituição dos valores descontados em dobro. Não se comprovando, entretanto, o que é mais incomum, deve o valor ser restituído na modalidade simples, o que significa devolver somente o valor cobrado.

Para a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, entretanto, não se exige nessas situações, por exemplo, que tenha havido negativação do nome da vítima nos serviços de proteção ao crédito, mas a própria má-fé já valida a condenação nesse sentido.

Ainda é árdua a luta dos que sofrem com esses abusos, todavia, a Defensoria Pública é uma forte aliada do consumidor, especialmente os mais vulneráveis.

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