Adecisão do ministro Alexandre de Moraes decretando a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro reverberou intensamente nos meios jurídico e político. A medida decorreu do descumprimento de cautelares impostas desde 25 de julho, entre elas a proibição de utilizar redes sociais – ainda que de forma indireta ou por interpostas pessoas.
Durante manifestação ocorrida no dia 3, o senador Flávio Bolsonaro divulgou vídeo em que o ex-presidente, mesmo impedido por decisão judicial, discursava de forma incisiva a seus apoiadores, com críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF). O material foi publicado no Instagram, reforçando o entendimento de que Bolsonaro teria conscientemente burlado a medida judicial, valendo-se de terceiros para atingir o público.
Na decisão, o ministro Moraes foi categórico: “Agindo ilicitamente, o réu Jair Messias Bolsonaro produziu dolosa e conscientemente material pré-fabricado [...] para seus partidários continuarem a tentar coagir o Supremo Tribunal Federal e obstruir a Justiça”. Afirmou ainda que, na mesma data, o ex-presidente atendeu a uma videochamada do deputado federal Nikolas Ferreira, o que foi utilizado para impulsionar discursos em suposta tentativa de interferência indevida nos trabalhos da Corte.
Frente a esses atos, a consequência foi a decretação da prisão domiciliar. A medida, ainda que menos gravosa que a prisão preventiva, impõe vigilância intensa e limita a liberdade de maneira significativa.
Mas qual é a natureza jurídica dessa prisão? A prisão domiciliar cautelar, prevista no art. 318 do Código de Processo Penal, substitui a preventiva em casos específicos – como idade avançada, doença grave ou situações de vulnerabilidade social.
Ainda que, no caso de Bolsonaro, não haja enquadramento direto nos incisos do art. 318, a decisão encontra amparo na jurisprudência, que admite a domiciliar em substituição à preventiva como forma de assegurar medidas judiciais, quando houver risco de reiteração delitiva ou obstrução da Justiça.
Entretanto, a decisão suscita um ponto sensível: poderia o ministro decretar de ofício essa medida? Aqui reside a controvérsia jurídica mais relevante. Por um lado, o descumprimento de cautelares impostas judicialmente está evidenciado – o ex-presidente, ao utilizar meios indiretos para se manifestar nas redes sociais, violou frontalmente a determinação do STF. Isso, por si só, pode justificar a conversão das medidas diversas em prisão, nos termos do art. 282, § 4º, do Código de Processo Penal (CPP).
Por outro lado, surge a dúvida processual: seria necessária uma provocação formal do Ministério Público ou da autoridade policial para que o Judiciário convertesse a medida? O CPP não exige expressamente esse requisito, mas parte da doutrina entende que, em nome do sistema acusatório, o juiz não deve atuar de ofício em prejuízo da liberdade do réu.
No caso em tela, aparentemente, não houve representação do Ministério Público. Ainda assim, o entendimento majoritário no STF e em Tribunais Superiores tem sido no sentido de que o juiz pode, sim, decretar a prisão de ofício.
É importante destacar que não se trata de uma prisão penal, e sim cautelar, voltada à preservação da regularidade processual. Por isso, a decisão deve sempre observar os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação – o que, segundo o voto do ministro, estaria plenamente atendido, diante da suposta tentativa deliberada do ex-presidente de contornar as proibições impostas.
A prisão domiciliar também cumpre função simbólica relevante: reforça que ninguém está acima das decisões judiciais, nem mesmo quem já ocupou o mais alto cargo da República. Em suma, a prisão domiciliar de Bolsonaro parece encontrar justificativa legal e fática diante do cenário apresentado. Ainda assim, a ausência de provocação do Ministério Público pode alimentar questionamentos quanto à forma do ato decisório, o que poderá ser objeto de recurso e debate nas instâncias superiores. A legitimidade da Justiça não se constrói apenas com decisões firmes, mas também com estrita observância ao devido processo legal.


