A democracia brasileira é jovem, plural e vibrante. Mas também é uma das mais fragmentadas do mundo. Esse excesso de partidos, que muitas vezes mais atrapalha do que representa, poderia ter sido enfrentado de forma decisiva há quase duas décadas – não fosse uma votação histórica no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2006.
Naquele ano, a chamada cláusula de barreira, mecanismo que exigia desempenho eleitoral mínimo dos partidos para acesso ao fundo partidário, tempo de TV e funcionamento parlamentar, foi derrubada pelo STF. A justificativa: a regra feria o pluralismo político. Entre os votos que selaram o destino da cláusula, destacou-se o do então ministro Joaquim Barbosa, que adotou uma interpretação constitucional rígida, focada na defesa da diversidade partidária.
A intenção pode ter sido nobre, mas o efeito foi desastroso. A decisão abriu caminho para a proliferação desenfreada de siglas – muitas sem base social, ideológica ou eleitoral, mas com acesso a recursos públicos e poder de barganha. Criou-se uma verdadeira indústria de partidos, onde legendas se tornaram moedas de troca, e não instrumentos legítimos de representação.
O resultado foi sentido nos anos seguintes: governos instáveis, coalizões frágeis, crises políticas recorrentes e dificuldade para aprovar reformas estruturais. O STF, como guardião da Constituição, tinha (e tem) o dever de proteger os valores democráticos, mas sua decisão, à época, acabou por preservar uma pluralidade ineficaz e disfuncional.
A cláusula de barreira só foi resgatada em 2017, com a Emenda Constitucional nº 97, e seus efeitos começaram a aparecer nas eleições seguintes. Com menos partidos com acesso pleno ao Congresso, a política ficou ligeiramente mais organizada – mas o tempo perdido entre 2006 e 2018 atrasou reformas importantes e consolidou uma cultura de pulverização.
O caso da cláusula de barreira mostra que, muitas vezes, a letra da Constituição precisa ser interpretada com responsabilidade institucional. Defender a democracia não é apenas garantir espaço para todos, mas também criar regras que garantam eficiência, representatividade e governabilidade.
O Brasil precisa de partidos fortes, coerentes e com base real na sociedade. E o Supremo precisa, cada vez mais, considerar os efeitos práticos de suas decisões no funcionamento da democracia. A história da cláusula de barreira é um bom exemplo de como boas intenções jurídicas podem, sem o devido cuidado, gerar consequências políticas e sociais indesejadas.


