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Stheven Razuk:
Novo CPC - outras reflexões

Stheven Razuk é Advogado

Redação

10/08/2015 - 00h00
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Em 16 de Março do ano vindouro entrará em vigor um novo Código de Processo Civil para a nação brasileira. 

Regido por novos princípios, o diploma tem como finalidade central propiciar à sociedade uma duração razoável do processo judicial e ao mesmo tempo conferir expressão máxima a valores consagrados na Carta Magna de 88 como segurança jurídica e isonomia para tornar previsíveis  e estáveis os atos jurisdicionais, além de conferir tratamento igualitário àquele que solicita de seus serviços. A principal pretensão do novo CPC então reside na ideia de que o Poder Judiciário adote uma tese jurídica tida por “oficial” sobre certos casos e que, uma vez formatada, todos os juízes e Tribunais deverão segui-la obstinadamente. 

É o que se extrai das várias passagens no texto do Código que reforçam o dever de obediência do magistrado bem como o remédio processual cabível contra a “rebeldia”, no caso, a reclamação, prevista nos artigos 988, IV e 985, §1º.    

A partir de então, o Novo CPC tem um bordão, quase que um mantra enfadonhamente repetido pelos juristas, que é garantir “previsibilidade, isonomia e segurança jurídica” ao jurisdicionados, que saberão previamente qual será o comportamento do Estado-Juiz a esses ditos casos “uniformizados”.

Porém, um detalhe chama a atenção. A maioria dos dispositivos que impõem vinculação de toda magistratura às “teses oficiais” estão direta ou indiretamente relacionados aos chamados processos de massa, casos que se repetem aos montes e que abarrotam os escaninhos da justiça.

Assim, as teses vinculativas terão sua edição ou desfecho em caráter definitivo nos Tribunais Superiores em Brasília, cuja função constitucional é dar interpretação oficial ao ordenamento jurídico e uniformizar a jurisprudência. Obviamente não há nenhum problema das instituições desempenharem suas funções, o obstáculo, a nosso ver, problemático, reside na disparidade de armas daqueles que estão postulando ou em vias de postular em juízo e que serão atingidos pelas teses oficiais, mas, que foram absolutamente excluídos de participarem de sua formação ou se fazerem representados.

O NCPC cometeu um grave pecado, não estabeleceu com firmeza um método formal para que as Cortes Superiores editem uma Súmula ou imponham um enunciado tirado do julgamento de um recurso afetado ao regime dos repetitivos, limitando-se a relegar aos próprios Tribunais a tarefa de cunhá-lo através de seu regimento interno. 

Se por um lado, o novo código é um leão de rugido estridente com os juízes de 1º Grau, impondo cooperação com as partes, contraditório amplo, vinculação a técnicas uniformizadoras e obrigatoriedade de enfrentar todos os argumentos das partes, de outro, o novo diploma é um gatinho acanhado com as Cortes Superiores, naquilo que é seu foco principal.

Não existe nada quanto ao amadurecimento da tese,  também não se menciona quais os personagens que poderão e deverão influenciar na tomada da decisão vinculativa a fim de contribuir com o debate, deixando a escolha destes a título discricionário do próprio Relator (1.038, I). 

Registra-se que, segundo os dados estatísticos do CNJ sobre os cem maiores litigantes da justiça brasileira, ou seja, aqueles que rotineiramente figuram em um dos polos da demanda, pelo menos na Justiça Estadual, os bancos, as empresas de telefonia, o setor público estadual e municipal constituem os maiores litigantes habituais do país.

O Estado e as grandes corporações são de fato os grandes consumidores da justiça e quase sempre estarão em um dos polos das ações alvejadas por essas ferramentas vinculativas, enquanto de outro lado, quem figurará, em regra, será um cidadão litigando individualmente.

A partir daí, é imprescindível realizar algumas reflexões: a) quem o representará nessas decisões que atingirão seus interesses? b) a quem de fato será conferida “segurança jurídica, isonomia e previsibilidade”? 

Passados mais de 30 anos da 1ª edição da revolucionária obra de Mauro Cappelletti, a qual propunha minimizar os entraves de acesso à justiça do cidadão, através das famosas ondas renovatórias que culminaram na criação da Defensoria Pública, dos Juizados Especiais e no surgimento dos direitos metaindividuais, hoje, no século 21, em plena vigência do Estado Democrático de Direito emerge um novo obstáculo, muito mais requintado, que certamente interromperá o réquiem espiritual do saudoso jurista de Florença.

editorial

Violência contra a mulher e ações efetivas

Setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública

13/06/2025 07h00

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O mais recente Mapa da Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, trouxe novamente um dado alarmante: o Estado de Mato Grosso do Sul continua figurando entre os líderes do ranking nacional quando o tema é violência contra a mulher. Trata-se de uma repetição trágica que vem se confirmando ano após ano, sem que haja sinais de uma reversão estrutural. Os números são um reflexo doloroso de uma realidade que exige, com urgência, uma abordagem séria, objetiva e comprometida por parte das autoridades.

O enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que discursos bem-intencionados. Ele exige dados, precisão nas políticas públicas e, sobretudo, vontade política. A primeira e mais óbvia necessidade é garantir que os agressores sejam punidos com rigor. Não por desejo de vingança, mas por um princípio essencial do Direito Penal: a punição eficaz tem função pedagógica e dissuasória. Onde há impunidade, há incentivo ao crime. Onde há resposta firme do Estado, há limites sendo reafirmados.

Mas a efetividade da lei não se mede apenas pela quantidade de anos previstos em uma pena. A lei só é respeitada quando é aplicada de forma real, rápida e visível. Isso requer mais do que papel e tinta — requer fiscalização, presença ostensiva, estrutura e recursos humanos preparados. Tudo isso custa dinheiro. E mais que isso: custa tempo, comprometimento e esforço coordenado entre o Executivo, o Judiciário, os órgãos de segurança e os sistemas de proteção social.

A verdade incômoda é que, sem vontade política clara e corajosa para enfrentar os agressores de mulheres, os números continuarão altos. Não se pode permitir que casos de violência sejam tratados com negligência ou relativismo, como se fossem apenas conflitos domésticos ou “questões privadas”. A omissão do poder público e da sociedade civil, em qualquer nível, é cúmplice da perpetuação da violência.

Além da resposta penal, há um desafio ainda maior: o da transformação cultural. É preciso romper com a cultura da subjugação das mulheres, que ainda encontra espaço em muitos setores da sociedade. Não adianta o Estado fazer campanhas sobre respeito e igualdade se, ao mesmo tempo, líderes religiosos ou comunitários reforçam discursos que colocam a mulher em posição de inferioridade. A sociedade precisa decidir, coletivamente, qual papel deseja dar às mulheres — e essa decisão deve ser baseada em igualdade, dignidade e liberdade.

É verdade que os tempos mudaram, e que hoje há mais autonomia feminina do que em décadas passadas. No entanto, setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública. Essa nostalgia que não respeita a autonomia da mulher — muitas vezes romantizada como “valores da família” — precisa ser encarada como parte do problema, e não como solução.

Reduzir a violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul e no Brasil é possível. Mas isso exigirá ação efetiva, punição exemplar aos agressores, investimento público contínuo e coragem para enfrentar costumes nocivos à diginidade das mulheres ainda presente nas instituições e no cotidiano. Não há caminho mais curto — nem mais necessário.

ARTIGOS

Caetano canta música evangélica e o erro estratégico de setores progressistas

10/06/2025 07h45

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A cena é recorrente nos shows de Caetano Veloso: após sucessos consagrados de seu repertório, o artista entoa a canção “Deus Cuida de Mim”, do pastor Kleber Lucas. A resposta do público, composto em larga medida por admiradores laicos, progressistas e críticos do fundamentalismo religioso, é fria, por vezes, entremeada por vaias.

Muitos entendem essa escolha uma provocação deslocada, uma suposta concessão ao bolsonarismo, dado o histórico apoio evangélico à extrema direita. No entanto, essa leitura é, para dizer o mínimo, apressada e míope. Caetano não cede ao senso comum, mas propõe, pela via da música, uma reflexão profunda sobre escuta, alteridade e a complexidade da experiência religiosa no Brasil.

Reduzir os evangélicos à caricatura do reacionário militante é ignorar a pluralidade real e histórica desse campo e, no atual estado de coisas, incentivar a radicalização de muitos grupos.

Kleber Lucas, pastor batista, negro, progressista e oriundo de comunidade periférica no Rio de Janeiro (RJ), é um exemplo eloquente da riqueza que existe dentro do universo evangélico. Sua trajetória, marcada por pontes entre tradições religiosas, pelo respeito às culturas de matriz africana e pelo compromisso com a justiça social, destoa da retórica de ódio que contaminou setores das igrejas.

Quando Caetano escolhe cantar Kleber, ele o faz com plena consciência: não por ignorância sobre a força do bolsonarismo entre evangélicos, mas justamente para resgatar, em meio ao ruído, vozes que dissonam e que são invisibilizadas. Há, portanto, um erro estratégico e moral no impulso de vaiar Caetano. Rejeitar a canção e a sua proposta é rejeitar o convite a enxergar o outro em sua inteireza, com suas contradições e insurgências internas.

Ao zombar da religiosidade popular, sobretudo quando encarnada em sujeitos negros, pobres e periféricos, setores do campo progressista acabam por reproduzir o elitismo que denunciam e contribuem, inadvertidamente, para o isolamento de milhões de brasileiros.

O abandono simbólico das massas evangélicas, tratadas como um bloco homogêneo e retrógrado, é uma das razões pelas quais a extrema direita tem conseguido monopolizar esse campo. A política, afinal, não se faz só com razão: exige também empatia, imaginação e capacidade de escuta.

Cantar Kleber Lucas em um palco para o público majoritariamente progressista é, da parte de Caetano Veloso, um gesto político potente e perigosamente mal compreendido. Se a esquerda deseja cativar um público maior, precisa deixar de lado o conforto da superioridade moral e compreender, com generosidade e estratégia, a religiosidade do povo.

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