Artigos e Opinião

ARTIGO

Valfrido M. Chaves: "Colombização à brasileira"

Psicanalista

Redação

28/08/2015 - 00h00
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Nossa colonização, aqui no Sul de MS, se deu como sinônimo de “fixação de fronteiras”, logo após a “Guerra do Paraguai”, quando o Império estimulou os ex-combatentes a aqui se fixarem. Vieram atraídos pelos “campos nativos” e o “gado bagual”, que aqui campeava. Foi uma história árdua, muitas vezes violenta, onde a solidão e a falta de recursos eram soberanas.

Mas venceu a tenacidade e a fibra brasileira. Mais tarde, acolhemos povos de todos os quadrantes, novas levas de sulistas que trouxeram sangue novo, com vocação para o trabalho árduo com a terra e a produção agrícola. Deixamos de ser apenas “a terra do boi” e o que produzimos, hoje, dá lastro aos governos, quando nas mesas de negociação e planejamento. Se há quem cuspa no prato em que se come, há quem esteja aqui à sombra de nossos esforços e não medem palavras e ações para nos desqualificar, bem como a tudo aquilo que construímos.

Infelizmente, o progresso e desenvolvimento não chegou para todos e nossa população indígena permaneceu marginalizada, mesmo aqueles grupos afeitos ao trabalho agrícola e outros. Vivem numa quase indigência, sem escolas descentes ou apoio às suas atividades tradicionais ou agrícolas. Entretanto, o alcoolismo, suicídios e suicidamentos, terrorismo, trabalho escravo, prostituição, estupros e impunidade, ausência de perspectivas, são fatos que se vêem ou que deles se sabe, em profusão. A indigência que apontamos também é verdade  para nossos índios “latifundiários”, detentores de 530.000 hec. de terras (Cadiwéu).

Tudo atesta a indiferença da sociedade face à sua população indígena e a falta de vontade política de nela investir atenção e recursos, fora de uma ótica assistencialista que sedimenta, com o clientelismo,  a decadência de quaisquer povos objeto dessas práticas. A política indigenista é, pois, um fracasso criminoso e indiscutível. Como se não bastasse, forças escusas se acasalam para encobrir esse fracasso promovendo manipulações político-ideológicas da injustiçada comunidade indígena. Nessa ótica, o produtor rural deverá ser o bode expiatório, transformado em “ladrão de terras indígenas”  para pagar, sozinho, uma dívida que é de toda a sociedade.

Na verdade, os objetivos são outros e, para tanto, montou-se uma indústria de conflitos e invasões, que quer semear ódios definitivos entre índios e pioneiros, sob o olhar conivente do aparelho estatal. Brasileiros dignos que vivem para o trabalho e para suas famílias, estão sendo expulsos de suas propriedades legitimas, sujeitos a toda sorte de abusos. É o que acontece hoje em Antônio João,  onde carros identificados pelas placas, alugados pelo Estado, fornecem logística para a invasão de áreas já preparadas para o plantio, por seus proprietários. Já se tornou corriqueiro em MS: produtor expulso de sua propriedade e das páginas da Constituição, pois os locais invadidos se tornam “terra de ninguém”, sujeitos a depredações vergonhosas, com a evidente anuência do aparelho estatal, quando  Procuradores Federais “defendem índios”mas, sectariamente, esquecem a Constituição é um todo onde a etnia não determina privilégios ou culpas inatas. 

Tudo se passa como se houvesse o interesse de, didaticamente, ensinar às massas que a Lei não existe e que o Estado Democrático e de Direito não passa de um papelucho a ser rasgado através de crime coletivo. Torna-se claro que há um projeto de poder onde a luta de classes deve ceder lugar à promoção do conflito étnico e racial entre brasileiros, sob a batuta de militantes com holerite pago por nós.

Não seria isso a “colombização” à brasileira?

Obs: Este artigo foi publicado no Correio do Estado há dez anos,  mas poderia ter sido escrito hoje, na medida em que nada mudou na problemática que aborda: indios e fazendeiros transformados em buchas de canhão por interesses ideológicos..

 

editorial

Violência contra a mulher e ações efetivas

Setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública

13/06/2025 07h00

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O mais recente Mapa da Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, trouxe novamente um dado alarmante: o Estado de Mato Grosso do Sul continua figurando entre os líderes do ranking nacional quando o tema é violência contra a mulher. Trata-se de uma repetição trágica que vem se confirmando ano após ano, sem que haja sinais de uma reversão estrutural. Os números são um reflexo doloroso de uma realidade que exige, com urgência, uma abordagem séria, objetiva e comprometida por parte das autoridades.

O enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que discursos bem-intencionados. Ele exige dados, precisão nas políticas públicas e, sobretudo, vontade política. A primeira e mais óbvia necessidade é garantir que os agressores sejam punidos com rigor. Não por desejo de vingança, mas por um princípio essencial do Direito Penal: a punição eficaz tem função pedagógica e dissuasória. Onde há impunidade, há incentivo ao crime. Onde há resposta firme do Estado, há limites sendo reafirmados.

Mas a efetividade da lei não se mede apenas pela quantidade de anos previstos em uma pena. A lei só é respeitada quando é aplicada de forma real, rápida e visível. Isso requer mais do que papel e tinta — requer fiscalização, presença ostensiva, estrutura e recursos humanos preparados. Tudo isso custa dinheiro. E mais que isso: custa tempo, comprometimento e esforço coordenado entre o Executivo, o Judiciário, os órgãos de segurança e os sistemas de proteção social.

A verdade incômoda é que, sem vontade política clara e corajosa para enfrentar os agressores de mulheres, os números continuarão altos. Não se pode permitir que casos de violência sejam tratados com negligência ou relativismo, como se fossem apenas conflitos domésticos ou “questões privadas”. A omissão do poder público e da sociedade civil, em qualquer nível, é cúmplice da perpetuação da violência.

Além da resposta penal, há um desafio ainda maior: o da transformação cultural. É preciso romper com a cultura da subjugação das mulheres, que ainda encontra espaço em muitos setores da sociedade. Não adianta o Estado fazer campanhas sobre respeito e igualdade se, ao mesmo tempo, líderes religiosos ou comunitários reforçam discursos que colocam a mulher em posição de inferioridade. A sociedade precisa decidir, coletivamente, qual papel deseja dar às mulheres — e essa decisão deve ser baseada em igualdade, dignidade e liberdade.

É verdade que os tempos mudaram, e que hoje há mais autonomia feminina do que em décadas passadas. No entanto, setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública. Essa nostalgia que não respeita a autonomia da mulher — muitas vezes romantizada como “valores da família” — precisa ser encarada como parte do problema, e não como solução.

Reduzir a violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul e no Brasil é possível. Mas isso exigirá ação efetiva, punição exemplar aos agressores, investimento público contínuo e coragem para enfrentar costumes nocivos à diginidade das mulheres ainda presente nas instituições e no cotidiano. Não há caminho mais curto — nem mais necessário.

ARTIGOS

Caetano canta música evangélica e o erro estratégico de setores progressistas

10/06/2025 07h45

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A cena é recorrente nos shows de Caetano Veloso: após sucessos consagrados de seu repertório, o artista entoa a canção “Deus Cuida de Mim”, do pastor Kleber Lucas. A resposta do público, composto em larga medida por admiradores laicos, progressistas e críticos do fundamentalismo religioso, é fria, por vezes, entremeada por vaias.

Muitos entendem essa escolha uma provocação deslocada, uma suposta concessão ao bolsonarismo, dado o histórico apoio evangélico à extrema direita. No entanto, essa leitura é, para dizer o mínimo, apressada e míope. Caetano não cede ao senso comum, mas propõe, pela via da música, uma reflexão profunda sobre escuta, alteridade e a complexidade da experiência religiosa no Brasil.

Reduzir os evangélicos à caricatura do reacionário militante é ignorar a pluralidade real e histórica desse campo e, no atual estado de coisas, incentivar a radicalização de muitos grupos.

Kleber Lucas, pastor batista, negro, progressista e oriundo de comunidade periférica no Rio de Janeiro (RJ), é um exemplo eloquente da riqueza que existe dentro do universo evangélico. Sua trajetória, marcada por pontes entre tradições religiosas, pelo respeito às culturas de matriz africana e pelo compromisso com a justiça social, destoa da retórica de ódio que contaminou setores das igrejas.

Quando Caetano escolhe cantar Kleber, ele o faz com plena consciência: não por ignorância sobre a força do bolsonarismo entre evangélicos, mas justamente para resgatar, em meio ao ruído, vozes que dissonam e que são invisibilizadas. Há, portanto, um erro estratégico e moral no impulso de vaiar Caetano. Rejeitar a canção e a sua proposta é rejeitar o convite a enxergar o outro em sua inteireza, com suas contradições e insurgências internas.

Ao zombar da religiosidade popular, sobretudo quando encarnada em sujeitos negros, pobres e periféricos, setores do campo progressista acabam por reproduzir o elitismo que denunciam e contribuem, inadvertidamente, para o isolamento de milhões de brasileiros.

O abandono simbólico das massas evangélicas, tratadas como um bloco homogêneo e retrógrado, é uma das razões pelas quais a extrema direita tem conseguido monopolizar esse campo. A política, afinal, não se faz só com razão: exige também empatia, imaginação e capacidade de escuta.

Cantar Kleber Lucas em um palco para o público majoritariamente progressista é, da parte de Caetano Veloso, um gesto político potente e perigosamente mal compreendido. Se a esquerda deseja cativar um público maior, precisa deixar de lado o conforto da superioridade moral e compreender, com generosidade e estratégia, a religiosidade do povo.

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