Durante 72 horas, um possível colapso no sistema de transporte coletivo de Campo Grande esteve no horizonte do poder público municipal, do Consórcio Guaicurus e de setores do governo de Mato Grosso do Sul.
O pagamento de parcelas atrasadas do subsídio ao sistema de transporte pela prefeitura da Capital fez com que o Consórcio Guaicurus prometesse pagar parte dos salários de seus funcionários, que retiraram a possibilidade de greve.
Com uma operação que aparenta ser financeiramente insustentável, o Consórcio Guaicurus não conseguiu pagar na data prevista o adiantamento salarial de seus funcionários neste mês, e a falta de previsão do pagamento desencadeou um efeito cascata que chegou ao Município e ao Estado, que subsidiam a operação pagando pela passagem dos estudantes da rede pública.
Se o atraso no pagamento do vale dos funcionários do Consórcio Guaicurus foi o estopim da crise, o explosivo que aumentou a escala do problema foi o não pagamento, pela prefeitura e o governo do Estado, de parte do subsídio negociado ano a ano para contribuir na operação do sistema.
Enquanto os funcionários do Consórcio Guaicurus, por meio de seu sindicato, informavam que a justificativa recebida para o atraso no pagamento do vale foi justamente a inadimplência no repasse do subsídio, um problema maior foi exposto.
Nem prefeitura nem governo haviam pago a parcela de R$ 3,3 milhões referente ao subsídio dos últimos dois meses.
No caso do governo, o Correio do Estado apurou que houve tentativa de quitar o subsídio previamente acertado, mas, como o recurso é transferido primeiramente à prefeitura e depois ao governo, a operação não se concretizou por causa de um bloqueio no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), em razão da não prestação de contas de um convênio envolvendo a União e a Casa da Mulher Brasileira.
A restrição impediu que o governo de Mato Grosso do Sul repassasse neste mês o valor para custear os passes dos estudantes. Do lado do Município, desde que os trabalhadores do Consórcio Guaicurus foram às ruas, houve uma operação de emergência para colocar em dia a parte dos subsídios que cabe à prefeitura e tornar possível a continuidade da operação do concessionário do transporte coletivo.
Entre quarta e sexta-feira, a Prefeitura de Campo Grande transferiu R$ 2,3 milhões ao Consórcio Guaicurus. Até o fechamento desta edição, ainda restava R$ 1 milhão a ser repassado ao concessionário do transporte coletivo, valor que a secretária municipal de Fazenda, Márcia Helena Okama, disse que remanejaria do Fundo Municipal de Saúde (FMS).
O fundo é responsável pelo custeio do sistema público de saúde, e é para ele que são transferidos os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), que mantêm operações de alta complexidade, como repasses a hospitais, e de média e baixa complexidade, como o atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
A justificativa para a transferência é que, entre os beneficiários da gratuidade no transporte coletivo, que servem como argumento para o subsídio, estão pessoas que se submetem a tratamento e enfrentam condições de vulnerabilidade, como renais crônicos e pessoas com câncer, entre outras doenças.
Greve que não foi
A transferência dos primeiros R$ 2,3 milhões ao Consórcio Guaicurus gerou um alívio momentâneo em um sistema que está próximo do colapso.
Ainda nesta sexta-feira, o concessionário informou a seus funcionários que o adiantamento salarial, que deveria ter sido pago no dia 20, será pago nesta segunda-feira. Dessa forma, a assembleia geral extraordinária do sindicato que representa a categoria, que trataria de uma possível greve, foi cancelada.
Os problemas de financiamento do transporte, contudo, continuam. O Correio do Estado apurou que a primeira parcela do subsídio, paga ainda na quarta-feira ao Consórcio Guaicurus, foi destinada exclusivamente ao pagamento de dívidas protestadas.
A segunda parcela, que entrou na conta entre quinta e sexta-feira, seria usada para comprar combustível e pagar o adiantamento salarial dos funcionários.
Tarifa técnica
Em meio a tudo isso, existe a possibilidade de o subsídio ao transporte coletivo de Campo Grande aumentar. Nesta semana, o juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública e de Registros Públicos, Marcelo Andrade Campos Silva, deu prazo de 30 dias para a Prefeitura de Campo Grande se manifestar em ação de execução contra o Município.
A tarifa técnica, que atualmente é de R$ 6,17, teria de obrigatoriamente subir para R$ 7,19. Todo o processo já foi discutido na Justiça e a ação está transitada em julgado, depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o último recurso do Município.
A alegação do Consórcio Guaicurus é de que o município não atendeu a itens do contrato de concessão, deixando de conceder os reajustes e as revisões previstos.
Na prefeitura, a alegação é de que não há como cumprir a decisão e que o Município continuará recorrendo, ao menos da execução.
Embora a tarifa cobrada nas catracas seja de R$ 4,90, a tarifa técnica foi criada em 2021, após a pandemia de Covid-19, para ajudar a operação do transporte coletivo. É ela que justifica o subsídio custeado por prefeitura e governo e que, até este fim de semana, ainda estava com pagamentos em atraso.


