Sediada em Dourados, a ONG evangélica Missão Caiuá (organização que já recebeu cerca de R$ 872 milhões em contratos para cuidar da saúde indígena entre 2019 e 2022), deve receber outros R$ 213 milhões até o fim do ano.
Os repasses identificados por meio do Portal da Transparência do Governo Federal apontaram que a organização possui dez contratos em vigência junto ao Ministério da Saúde.
De acordo com o portal, o contrato mais antigo ainda em curso, foi firmado em dezembro de 2013.
Orçado em R$ 203.509.681,99, a ONG já recebeu R$ 174.277.696,25 do total do contrato mais antigo, e conforme o vínculo indicado pela transparência governamental, o contrato entre as partes expira em outubro deste ano, ao passo que os demais, assinados em 2019, têm prazo de vencimento datado em dezembro de 2023.
Denúncia
Na última terça-feira (24), o jornal O Globo denunciou o mau uso do dinheiro, que deveria ser destinado pela Missão de Caiuá para levar atendimento médico aos povos indígenas, e até mesmo o desvio da verba para garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo.
A entidade foi a que mais recebeu dinheiro do Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), totalizando R$ 872 milhões.
O valor é 47% maior do que o destinado para a segunda instituição que mais obteve recursos do Governo Federal, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, que recebeu R$ 462 milhões.
Ao ser questionada pelo Correio do Estado a respeito das denúncias, a Missão de Caiuá explicou que atua apenas de forma complementar na saúde indígena, com a única obrigação de contratar profissionais de saúde, que ficam a disposição do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI/MS).
"Atualmente temos mais de 700 profissionais contratados só aqui no MS e estes ficam a disposição do Governo Federal e compõem as Equipes de Saúde Indígena".
A entidade acrescenta que o convênio não é responsável por outras despesas, como alimentos, remédios, transporte, entre outros.
"Paralelo a isso, a entidade tem um Hospital (Hospital Porta da Esperança) ao lado das aldeias em Dourados e atende de forma gratuita a todos os indígenas (Atendimento básico e primário)".
A Missão de Caiuá também reforçou que vive de doações e os recursos recebidos para o Hospital e pelos convênios não podem ser direcionados para a compra de alimentos.
Relato
Em entrevista ao O Globo, Júnior Hekurari Yanomami, presidente da Urihi Associação Yanomami, relatou que, apesar da ONG informar que contrata apenas funcionários, eles não têm entrado nas terras indígenas nos últimos quatro anos.
Segundo o Portal da Transparência, em 2022, R$ 51 milhões - de um orçamento de R$ 59 milhões - foram executados para as terras indígenas Yanomamis. No entanto, o investimento não refletiu em melhorias.
Júnior Hekurari Yanomami explica que a maior parte desses recursos foi utilizada para a contratação de empresas de transporte aéreo, como aviões e helicópteros, que levam médicos e funcionários à região.
"O que houve foi descaso e crime. O dinheiro foi mal gasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com "aéreo". Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do SAMU nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas".
Entenda
Na última segunda-feira (16), o Ministério da Saúde enviou uma equipe para verificar a situação do povo Yanomami, em Roraima, após relatos de desnutrição e óbitos infantis no local. Na sexta-feira (20), da mesma semana, a pasta decretou emergência de saúde pública.
Segundo informações do Ministério dos Povos Indígenas, no ano de 2022, 99 crianças, entre um a 4 anos morreram, sendo a maioria delas vítimas da desnutrição, pneumonia e diarreia.
No local, também foram confimados 11.530 casos de malária, sendo as faixas etárias mais afetadas os maiores de 50 anos, seguidas pela faixas de 18 a 49 anos e de 5 a 11 anos.
Parte dos problemas têm se itensificado devido ao garimpo ilegal, que dificulta as ações de saúde pública no local. Nos últimos quatro anos, estima-se que 570 crianças vieram a óbito pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome.
Segundo autoridades locais, também foram os garimpeiros ilegais que levaram doenças ao povo, que vivia isolado geograficamente - uma delas foi a Covid-19.
A situação no território ainda será investigada, a fim de identificar os responsáveis pelos atendimentos à população, apurar o crime de genocídio e os crimes ambientais na região.




