Durante a sessão ordinária da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems) nessa terça-feira (11), uma fala do deputado João Henrique Catan (PL) provocou indignação e polêmica entre parlamentares e parte da população.
Em vídeo exibido pelo deputado — postado pela professora trans Emy Santos, da rede municipal de ensino de Campo Grande, durante recepção de volta às aulas — a educadora aparece nas imagens fantasiada da personagem Barbie.
Ao narrar as imagens, Catan chamou a professora pelo pronome masculino, criticou a vestimenta e também questionou se a roupa utilizada por ela contribui para o ensino das crianças.
“Um professor da Rede Pública Municipal está mostrando para alunos de sete anos de idade como que se veste montada de travesti. Um homenzarrão querendo levar a ideia para alunos de sete anos de idade que o professor homem precisa ter tetas. Eu quero saber e quero oficiar a rede pública e a comissão de Educação aqui da Assembleia também quem é esse professor e quem é esse diretor que permitiu que o professor entrasse dentro da sala de aula fantasiado de travesti. Quer dizer que esse é o dress code? Esse é o uniforme? Mostrar um professor de saia e de teta. Que que isso? Isso está no plano de ensino? Está no conteúdo pragmático?” questionou o deputado, de forma indignada.
"Fantasiado de travesti. Essa é a vestimenta para ir na sala de aula dar aula para as crianças? Eu quero saber se isso está no conteúdo de ensino, o que isso contribui para o ensino? Eu quero saber se os pais dessa comunidade escolar gostariam de receber todos os professores vestidos ao contrário. Qual debate ele promoveu para essas crianças de 6 e 7 anos?”, complementou Catan.
Parlamentares do PT repudiaram
Em resposta, o vereador Jean Ferreira e os deputados estaduais Pedro Kemp e Gleice Jane, todos do Partido dos Trabalhadores (PT), repudiaram o comentário.
"Hoje crime de homofobia é comparado ao crime de racismo, e foi feito aqui na Assembleia Legislativa. Eu só queria registrar que uma mulher trans e travesti tem o direito de ser professora. Uma mulher trans tem o direito de ser deputada; uma mulher trans tem o direito de ir e vir em qualquer lugar; e a escola é um lugar para as mulheres trans. Inclusive tem muitas alunas que são trans, e a transição de gênero não tem qualquer relação com a conotação sexual", disse Gleice Jane ainda durante a sessão.
Em nota compartilhada em rede social, o vereador Jean Ferreira (PT) classificou o discurso como vergonhoso e criminoso.
"Hoje presenciamos um ato vergonhoso, o Deputado João Henrique Catan usou a transfobia como arma política, atacando publicamente a professora trans Emy Santos. Emy, uma educadora dedicada, foi alvo de uma narrativa falsa e desumana, distorcendo seu gesto pedagógico de acolhimento às crianças. Catan ainda se recusou a tratá-la pelo gênero correto, um ato de violência", disse.
"Isso não é só irresponsável, é criminoso. Enquanto finge preocupação, ignora os verdadeiros casos de violência infantil. Por isso, protocolaremos uma moção de repúdio e acionaremos a Comissão de Ética da Assembleia Legislativa. Nosso mandato segue na luta por um Brasil onde todos possam existir e trabalhar sem medo ou violência. Justiça será feita!", enfatizou Jean Ferreira.
O deputado estadual Pedro Kemp (PT) pediu respeito à professora Emy Santos e destacou o currículo da educadora.
“[...] o deputado João Henrique fez aqui um discurso enviesado, um discurso inadequado que expôs, atacou publicamente a professora e artista Emy Santos, uma mulher trans, profissional de educação e servidora pública”, destacou Kemp.
“A professora Emy, como tantas outras da sua escola que atuam na educação infantil, preparou a recepção de seus alunos com ludicidade, com festa, tornando aquele primeiro dia de aula de acolhimento. O discurso de Catan reforça o preconceito estrutural na sociedade e a desinformação sobre pessoas transsexuais. Pode fazer aumentar ainda mais o discurso de ódio e ações contra essas pessoas”, disse o deputado.
Catan nega preconceito
Em resposta às críticas, Catan negou que seu discurso tenha sido transfóbico ou preconceituoso. Após repercussão e publicação das notas de repúdio por parte dos parlamentares do PT, Catan enfatizou que sua crítica se direcionou à vestimenta da professora.
“Eu não expus em momento nenhum, quem expôs foi o professor, ou professora. Quem não restringiu a imagem das crianças foi ela, quem postou na rede mundial de computadores foi ela. A partir do momento que ela faz isso, as imagens se tornam públicas. Não há preconceito nenhum da minha parte”, justificou.
Catan também enfatizou que a acusação de transfobia é falsa, e que não se importa ou afeta pelas notas de repúdio publicadas pelos colegas do PT.
"Eu sou o deputado que apresentou projeto de lei que autoriza os homossexuais a doarem sangue. Não estou nem aí para escolha sexual do professor. Se fosse mulher com utilização e exposição da imagem de crianças vestida de maneira inadequada sem autorização dos pais, consentimento da comunidade escolar e direção a atuação seria a mesma. Levar essa pauta e debate para crianças de 6 e 7 anos de idade por escolha individual sobrepondo as violações legais, o pátrio poder da família e o critério de aproveitamento acadêmico é o que consiste a minha crítica", complementou.
Além de Catan, o deputado Zé Teixeira (PSDB) também comentou o episódio. Conforme Teixeira, o traje utilizado pela professora não foi exagerado.
“O que foi discutido foi o traje que a pessoa estava usando, não o que a pessoa era ou não. [...] Não achei o traje exagerado ontem, achei muito mais exagerado o professor da universidade Federal de Pernambuco dar aula pelado, sem nenhuma vestimenta, balançando o chocalho. Achei muito mais deprimente do que a roupa que a professora estava usando”, relatou.
Secretaria de Educação avaliará conduta da professora
O secretário de Educação, Lucas Bittencourt, afirmou em entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira (12), que irá averiguar a conduta da professora.

Bittencourt disse ainda que a educação infantil trabalha com atividades lúdicas, ou seja, com vestimentas de personagens, mas que deve estar associada ao currículo e ao conteúdo, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“Nós abrimos um processo de averiguação e, diante dessa averiguação, nós vamos viabilizar para saber o que houve, o que aconteceu e se há necessidade de alguma orientação ou intervenção. Eles identificaram que uma professora foi de princesa à escola. A gente tem que ver o que isso tem a ver com o currículo".
"[O caso] vai ser averiguado e nós estaremos dando as orientações específicas à escola, ao servidor e à servidora também”, pontuou o secretário.
'Fui convidada a me fantasiar'
Nas redes sociais, a professora Emy Santos esclareceu que foi convidada a se fantasiar de Barbie, e exigiu respeito e justiça. O objetivo, segundo ela, foi recepcionar as crianças de uma maneira diferente e animada no primeiro dia de aula.
“Sou uma profissional, uma educadora, estudei para isso, sou uma mulher Trans, sou travesti essa é minha identidade, arte é arte, foi um dia especial na escola, fui convidada a me fantasiar para receber as crianças de forma diferente para o primeiro dia de aula! Meu plano de aula está correto, tudo encaminhado com muito cuidado, trabalhando a criatividade e imaginação das crianças!", disse
"Tenho meus documentos retificados, tenho diploma, tenho família e sou muito respeitada, porque minha vida é lutar para um mundo melhor e sem preconceito! Espero que a justiça seja feita!!!”, complementou Emy Santos em resposta às falas do deputado.