Corre em segredo de Justiça, sob relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, uma reclamação do senador Flávio Bolsonaro (PSL) contra decisões da Justiça do Rio no âmbito das investigações do caso Queiroz, que miram suposto esquema de "rachadinha" no gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro à época em que este exercia mandado na Assembleia Legislativa do Rio.
No pedido, o advogado Frederick Wassef volta a requerer que seja determinada a "imediata suspensão de todos os atos e procedimentos em curso" na investigação que chegou a quebrar o sigilo do senador.
O defensor afirma que a Justiça do Rio vem descumprindo a determinação ministro Dias Toffoli, que suspendeu investigações com base em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) obtidos sem autorização judicial.
Desde 16 de julho, as investigações sobre suposta "rachadinha" no gabinete de Flávio à época em que era deputado estadual estão suspensas em razão da decisão do presidente do Supremo, que acolheu pedido liminar de sua defesa.
No entanto, o advogado do senador afirmou ao Supremo, em novo recurso movido no fim de agosto, que o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) incluiu habeas corpus relacionados ao caso na pauta sob a alegação de que a decisão de Toffoli "não se aplica ao caso".
A defesa ressaltou que a "pendência de julgamento dos embargos de declaração opostos pela PGR" contra a decisão do presidente da Corte "não seria justificativa a impedir a suspensão da tramitação das investigações sobre o parlamentar".
Para Toffoli, em decisão tomada no dia 2 de setembro, como a defesa apontava "suposto descumprimento de decisão" com repercussão geral por ele adotada, o correto seria redistribuir os autos a outro ministro, na forma de uma reclamação - recurso cabível nesses casos.
"Nessa conformidade, determino à Secretaria Judiciária que providencie a autuação do presente expediente como reclamação e distribua na forma regimental", anotou.
No dia seguinte ao despacho do presidente do Supremo, o caso foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes, que já chegou a ter conversas neste ano com Flávio.
Recursos
A defesa do senador tem movimentado os processos no Rio de Janeiro. Recentemente, acolhendo um dos apelos do parlamentar, a procuradora de Justiça Soraya Taveira Gaya deu parecer favorável para que o senador Flávio Bolsonaro tenha foro privilegiado perante ao Tribunal de Justiça do Estado no caso Queiroz.
Para a procuradora "existe uma tendência em extirpar o chamado fórum privilegiado, que de privilégio não tem nada, trata-se apenas de um respeito à posição ocupada pela pessoa". "Estamos tratando de um paciente que, em tese, teria cometido crimes, supostamente escudado pelo mandato que exercia à época, sendo o mesmo filho do atual presidente da República, o que faz crescer o interesse da nação no desfecho da causa e em todos os movimentos contrários à boa gestão pública", anotou.
A procuradora ainda diz que a Justiça de primeiro grau "tem carregado um fardo nos ombros, sendo certo que não podemos trazer a nós, de forma isolada, tanta responsabilidade sem partilhar com nossos pares". "Nem Cristo carregou sua Cruz sozinho".
A manifestação da procuradora de Justiça foi duramente criticada por promotores que investigam o parlamentar. Segundo os promotores, "no ano de 1999, foi abolida do direito brasileiro a perpetuação do foro por prerrogativa de função após o término do mandato eleitoral". "Portanto, há pelo menos duas décadas os deputados estaduais não são mais julgados originariamente pelos Tribunais de Justiça depois de cessado o exercício da função".
Caso a Corte reconheça a competência do Órgão Especial para julgar Flávio, faz parte da estratégia de sua defesa pedir a anulação das decisões que quebraram o sigilo bancário do senador
Procurado para comentar o caso, o advogado Frederick Wassef não atendeu as ligações feitas pela reportagem.
Caso Queiroz
O ponto de partida da investigação da Promotoria do Rio sobre Flávio é o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que aponta movimentação suspeita do ex-policial militar Fabrício Queiroz, homem de confiança do clã Bolsonaro.
Nessa investigação, o Ministério Público conseguiu na Justiça Estadual do Rio a quebra do sigilo bancário do senador Flávio Bolsonaro, por suspeita de "fantasmas" e "laranjas" em seu gabinete na Assembleia Legislativa - quando exercia o mandato de deputado -, além de compra e venda sub e superfaturada de imóveis.
Movimentações bancárias suspeitas atribuídas a Queiroz foram apontadas pelo Coaf. O órgão vinculado ao Ministério da Economia apontou movimentação de R$ 1,2 milhão em um ano.
As investigações miram em 94 pessoas, divididas por núcleos no entorno do senador. O inquérito atinge 37 imóveis supostamente ligados ao parlamentar.
De acordo com a Promotoria, "não parece crível a insinuação da defesa de que a liderança da organização criminosa caberia ao próprio Queiroz, um assessor subalterno, que teria agido sem conhecimento de seus superiores hierárquicos durante tantos anos".