Localizado no oeste brasileiro, Mato Grosso do Sul é um dos estados em que podem ocorrer tornados nos próximos anos, iguais aos que atingiram o interior do Paraná na sexta-feira, e que destruíram casas, deixando seis mortos e centenas de feridos.
Na semana passada, três tornados atingiram as cidades paranaenses de Turvo, Guarapuava e, principalmente, Rio Bonito do Iguaçu. Segundo o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), os ventos alcançaram a velocidade de 330 quilômetros por hora (km/h), o que resultou em 6 mortes, mais de 750 feridos e diversos imóveis destruídos nos 3 municípios que somam 210,2 mil habitantes.
Widinei Fernandes Alves, professor e doutor em Física, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e coordenador do projeto da instituição de monitoramento da qualidade do ar, afirma que, geralmente, os tornados ocorrem em regiões de latitudes médias – áreas localizadas entre os trópicos (23,5°) e os círculos polares (66,5°).
Porém, apesar de Mato Grosso do Sul não ter essas características, ainda assim é possível que o Estado tenha esse tipo de fenômeno.
“É possível. Principalmente na região sul [de MS]. Para a sua formação, são necessárias condições meteorológicas específicas para que haja uma rotação das massas de ar”, explica.
Em reportagem especial do Fantástico, que foi ao ar neste domingo, especialistas também afirmaram que a região sul do Estado, que faz divisa com o Paraná e compreende cidades como Dourados, Ivinhema, Naviraí, Caarapó e Fátima do Sul, pode presenciar tornados nas magnitudes observadas na sexta-feira, assim como as regiões oeste de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
“Nós temos uma combinação de fatores. A cerca de 1.500 metros de altura, a gente tem esse transporte de umidade, desde a Amazônia até o Sul do Brasil, isso recebe o nome também de rios atmosféricos. É como se nós tivéssemos um empoçamento de umidade”, detalhou Ernani Lima, especialista em Tornados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Somado a isso, você tem a incursão pela Argentina cruzando os Andes de massas de ar polares, que traz um ar mais frio e seco. Esse contraste de massas de ar gera um fenômeno que a gente chama de cisalhamento vertical do vento, ou seja, é a intensificação do vento com a altura. Essa é uma condição que favorece a formação de tempestades rotativas”, completa.

PASSADO
Há quase quatro décadas, em julho de 1989, a população de Ivinhema presenciou um tornado muito parecido com o que atingiu o município de Rio Bonito do Iguaçu.
Como reportou o Correio do Estado à época, pelo menos 20 pessoas morreram e 160 ficaram feridas após um clube da cidade desabar com os ventos que alcançaram a velocidade de 250 km/h.
De acordo com os relatos dos sobreviventes, cerca de 400 a 500 pessoas estiveram, no dia 29 daquele mês, na Associação Cultural e Recreativa para eleger Garota e Garoto do Verão de Ivinhema.
Porém, próximo da meia-noite, as luzes do clube apagaram repentinamente. O que ninguém sabia é que esse era um sinal do começo da catástrofe.
“Foi nesse momento, como se tudo estivesse programado, que um ciclone arrasou com o clube, derrubando o telhado e as paredes (só sobrou a da entrada em pé), provocando a maior tragédia vivida pela cidade”, detalhou a reportagem do Correio do Estado, que complementa que, além do clube, o tornado também atingiu uma escola, serralherias, casas e carros pelo caminho.
Três dias depois, o município realizou um levantamento dos estragos causados pelo tornado, do qual foi constatado que ao menos 60 casas e três indústrias de fabricação de farinha de mandioca foram destruídas, somando NCz$ 2 milhões (cruzados novos, moeda da época) de prejuízo.
Por conta da alta quantidade de feridos, os hospitais da cidade ficaram lotados e muitos tiveram que ser transferidos para unidades de municípios vizinhos.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Curiosamente, os tornados estão em pauta justamente na semana em que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) ocorre em Belém, no Pará.
Para o professor Widinei, as mudanças climáticas que o mundo vem enfrentando neste século contribui diretamente para que haja mais eventos como este que ocorreu no interior do Paraná.
“O principal efeito das mudanças climáticas é o aumento da temperatura da superfície. Esse aumento da temperatura provoca a evaporação, ou seja, vamos ter mais vapor na atmosfera. Isso tende a intensificar essas tempestades, então nós teremos eventos com tempestades mais severas e, evidentemente, isso muda também a circulação atmosférica que pode ocorrer”, explica.
Ele complementa afirmando que as alterações também devem influenciar na maior ocorrência de raios na região tropical do Brasil, que inclui Mato Grosso do Sul. Diante desses fatos, os tornados devem ficar mais frequentes, na visão do professor.
“Deve aumentar a ocorrência de tornados nessas regiões onde eles normalmente ocorrem e também favorecer a ocorrência eventual em regiões que, até então, praticamente não tinha”, conclui.


