O combate às diferentes formas de agressão a mulheres negras será prioridade no Ministério das Mulheres.
Empossada ontem, a titular da Pasta no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Cida Gonçalves, relatou em entrevista exclusiva ao Correio do Estado que haverá uma assessoria com especialistas no combate ao racismo e à violência de gênero contra esse grupo.
“Estamos estruturando um ministério com uma assessoria especial diretamente vinculada a mim, que contará com especialistas em racismo e na questão das mulheres negras para nos ajudar no combate às violências a esses públicos”, disse Gonçalves.
Cida pontuou ainda que é preciso garantir que a maioria da população, seja pobre, seja negra, seja indígena, tenha direito à vida, à dignidade e ao respeito. Para a ministra, a cultura brasileira possui uma vertente escravocrata que ainda não foi superada.
“Se temos isso instaurado no cotidiano, os negros e as mulheres negras sempre estarão em uma condição de vulnerabilidade. E, sim, nós teremos políticas públicas voltadas para esses grupos. A Anielle [Franco] que é a ministra da Igualdade Racial já participou de reuniões conosco e estamos pensando em diversas ações conjuntas”, relatou a ministra.
Conforme publicado na edição de ontem do Correio do Estado, as mulheres negras foram as principais vítimas de feminicídio em Mato Grosso do Sul em 2022. Elas representam 46,8% dos casos notificados no ano passado.
Das 50 vítimas deste crime de ódio, 20 eram pardas e uma preta, conforme dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) obtidos pela reportagem. As mulheres brancas correspondem a 10 vítimas, o equivalente a 20,4% dos feminicídios registrados no ano passado. A cor/raça de 19 mulheres não foram informadas.
É importante destacar que, de acordo com a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que criou o Estatuto da Igualdade Racial, a população negra é definida como o “conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], ou que adotam autodefinição análoga”.
A maioria da população do Estado se autodeclara como parda, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme a pesquisa do IBGE, em 2021, 49,6% da população disse ser parda, enquanto 43% se autodeclaram como brancos e 6,1% como pretos em MS. Desde 2013, o número de pessoas declaradas pardas é superior ao de brancas em Mato Grosso do Sul.
POSSE
Há 39 anos, moradora de Campo Grande, a especialista em Gênero e Violência Contra a Mulher, Cida Gonçalves, 60 anos, tomou posse, na manhã de ontem, em Brasília, como a ministra das Mulheres do governo de Lula.
“Agradeço às mulheres, que são 52% neste País e que foram as grandes responsáveis pela eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por encerrar um governo machista, patriarcal, misógino, racista e homofóbico”, disse Cida em parte de seu discurso de posse.
Cida Gonçalves é um das 11 mulheres entre os 37 ministérios de Lula. A senadora Simone Tebet (MDB) é outra de Mato Grosso do Sul a assumir uma Pasta, a do Planejamento.
COMBATE
Em entrevista ao Correio do Estado, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, explicou que a estratégia de combate ao feminicídio está diretamente ligada ao desarmamento da população.
O número de registros de armas de fogo catalogadas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) cresceu 793% em MS, quando comparados os anos de 2018 e 2021.
“Precisamos criar um elemento que seja de prevenção ao feminicídio, e o primeiro passo é desarmar a população. Não temos como discutir o enfrentamento ao feminicídio se mantermos os homens armados. Se formos analisar os dados dos últimos quatro anos, além de ter aumentado a crueldade, a forma como as mulheres morreram deixou de ser por arma branca e passou a ser por arma de fogo”, destacou a ministra.
Conforme os dados disponibilizados pela Polícia Federal, corporação responsável pelo Sinarm, em 2018, o Estado teve 618 novas aquisições de armamentos, contra o número expressivo de 5.524 em 2021. Os dados são referentes à posse de armas tanto de cidadãos comuns quanto de policiais e guardas.
VIOLÊNCIA
Conforme os dados da Sejusp, em todo o ano de 2022, 19.027 crimes foram cometidos contra as mulheres de Mato Grosso do Sul. Dentro deste recorte, foram 17.331 casos de violência doméstica, 1.646 registros de estupros e 50 feminicídios. A cada hora, duas mulheres sofreram algum tipo de violência no ano passado.
Apenas nas primeiras 48 horas de 2023, o Estado já registrou 15 estupros, uma média de três vítimas por hora. No mesmo período, foram registrados em MS 111 casos de violência doméstica.
Apesar de por vezes ser deturpado, o feminicídio é um crime de ódio, e não de amor. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública mostram ainda que, desde que a lei foi instituída em 2015, Mato Grosso do Sul registrou em 2022 o recorde de casos de estupro. Em 2021, o Estado registrou 35 feminicídios.
No ano de 2020, 40 mulheres foram mortas por serem mulheres. No ano anterior, MS registrou 30 vítimas de feminicídio. Em 2018, 36 mulheres foram vítimas deste tipo de crime de ódio.
Em 2017, o número de vítimas foi de 28 mulheres, apenas em MS. No ano de 2016, o Estado computou 35 feminicídios, 20 a mais que as 15 vítimas registradas em 2015.
COMO DENUNCIAR
A Central de Atendimento à Mulher – pelo número 180 – presta escuta e acolhida qualificada a mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes.
A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Em caso de emergência, a mulher ou alguém que esteja presenciando alguma situação de violência podem pedir ajuda por meio do telefone 190, da Polícia Militar. (Colaborou Celso Bejarano)
Saiba: Em vigor desde 2015, a Lei do Feminicídio nº 13.104 não impede que mulheres de Mato Grosso do Sul continuem sendo mortas por razões da condição de sexo feminino.
Em 2021, o Estado foi o terceiro do Brasil com a maior porcentagem de vítimas, foram 35 feminicídios registrados, segundo o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
De acordo com os dados da Sejusp, 13 vítimas eram pardas, 13 brancas e em nove casos a cor/raça não foi informada. A ministra Cida Gonçalves, no entanto, destaca que MS aparece no topo do ranking de feminicídio por tipificar de forma correta os crimes.