Invisível aos olhos, mas não ao meio ambiente, a existência de fossas sépticas em Campo Grande é motivo de dor de cabeça para especialistas da área e para quem precisa administrar o saneamento básico da cidade. Atualmente, estima-se que existam 125 mil buracos no solo da Capital, muitos irregulares e que representam risco à saúde da população e à natureza. Um número que chama atenção é o da existência de pelo menos 25 mil dessas fossas em bairros onde a rede de coleta e tratamento de esgoto já está implantada, ou seja, a conscientização dos moradores é essencial para o fim desse problema.
Exemplo para muitas prefeituras quando o assunto é saneamento básico, Campo Grande possui 81% de cobertura de coleta e tratamento de esgoto. Com ampliação iniciada em 2006, a expectativa é que 100% das casas da cidade tenham coleta e tratamento dos resíduos até o ano de 2025.
Para que tudo saísse do papel e se tornasse realidade nas casas, a concessionária Águas Guariroba deve investir, até a data limite para a cobertura total, pelo menos R$ 891 milhões só no programa Sanear Morena, que conta com três fases.
O investimento e o esforço do poder público aliado às ações da concessionária não são suficientes se uma atitude simples não partir do morador: a ligação à rede de esgoto. Das 125 mil fossas que existem hoje em Campo Grande, 25 mil estão em áreas onde a rede existe, mas por uma série de justificativas, como a falta de dinheiro, não é usada.
O Aero Rancho é o bairro mais populoso da Capital de acordo com levantamento recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Jailson Nabhan, presidente há mais de 20 anos da Associação de Moradores do Setor 3 do bairro explica que em boa parte do conjunto a rede de esgoto já existe, mas a resistência de moradores em fazer a ligação leva muitas casas a manter o antigo sistema de fossa.
“Temos vários casos de moradores que não fazem a ligação. A gente incentiva, informa através de panfletos e até vai às casas para explicar a necessidade por conta da saúde, mas muitos preferem continuar com a fossa”, afirma o presidente.
Enquanto muita gente despreza a rede e prefere correr o risco de contaminar o solo e prejudicar a saúde da família e dos vizinhos, em outros bairros o “sonho de consumo” é que a rede seja instalada. Localizado na região oeste de Campo Grande e conhecido por moradores antigos como “brejo”, o bairro São Conrado está na lista da concessionária e deve ter toda a rede instalada e funcionando até 2023.
Moradora do bairro há 28 anos, Evanilde Oliveira, de 52 anos, tem três fossas sépticas em casa e espera pela rede. A algumas quadras na casa dela, no mesmo bairro, a tubulação e todo o sistema de coleta já foi instalado e funcionam, mas para ela e alguns vizinhos, a implantação da rede ainda depende do cronograma da Águas Guariroba.
“A gente tem um sonho de ter o esgoto aqui e torcemos para que chegue logo. Eu tenho três fossas na minha casa e ainda tenho piscina, sem a rede, preciso liberar a água na rua quando faço a limpeza e os dejetos de casa vão para a fossa”, conta.
A moradora revela ainda que entre os que vivem no São Conrado, os benefícios de ter a rede de esgoto serão muito maiores do que a taxa de ligação e o valor cobrado na conta de água, justificativa de muita gente que prefere continuar com as fossas.
“No mesmo dia que passarem com a rede aqui eu e muitos vizinhos iremos fazer a ligação. Sabemos da importância e dos riscos para o meio ambiente em continuar com as fossas”, completa.
BENEFÍCIOS
E já que a moradora citou os benefícios da existência da rede, números revelam estatísticas interessantes. Publicada no ano passado, pesquisa que avaliou os indicadores de saúde pública da Capital associados ao saneamento básico revela que as mudanças com a ampliação da rede de esgoto já foram sentidas “na pele” dos moradores e nos cofres do poder público.
Em um período de 11 anos, de 2003 até 2013, as autoridades em saúde viram a taxa de internação hospitalar em decorrência de doenças diarreicas, aquelas causadas por infecções vindas da falta de saneamento, cair de 157,4 para 22,2. Uma redução de mais de 85%.
Outra queda, essa mais expressiva ainda, foi registrada nas mortes causadas por diarreias e que geralmente vitimam crianças e idosos. Em 2003, a taxa de mortalidade era de 0,99 para cada 100 mil habitantes, 10 anos depois, em 2013, o número caiu para 0,36, redução de mais de 63%.
Com a queda de internações e mortes, caem também os gastos com a saúde pública. Levantamento da Águas Guariroba revela que o poder público saiu de um gasto anual de R$ 48,3 milhões com internações causadas por doenças ligadas à falta de saneamento para R$ 10,6 milhões, também no intervalo de 10 anos.
E todos esses números poderiam ser ainda mais positivos. Levantamento divulgado recentemente pelo Instituto Trata Brasil sobre redes ociosas revela que Campo Grande tem pelo menos 19.341 mil casas que poderiam estar ligadas à rede de esgoto, mas os moradores decidem por não fazer a ligação.
A pesquisa estima também que 77.516 mil campo-grandenses poderiam ser beneficiados com redes de esgoto, mas continuam sem as ligações. Esse total daria 22,2 milhões de metros cúbicos de volume tratados por ano.
EXEMPLO E DESAFIO
Especialista e presidente de um dos institutos mais respeitados do país quando o assunto é saneamento básico, Edson Carlos, do Trata Brasil, afirma ao Portal Correio do Estado que a melhoria sentida pela população e pelo poder público quando o saneamento se torna realidade para a maioria dos moradores engloba várias áreas.
“O saneamento melhora uma série de coisas, a gente sempre soube, internacionalmente falando, da relação estreita da coleta e tratamento de esgoto com a saúde pública. Mas vai além disso, temos melhora também na Educação porque um dos grandes impactos das doenças diarreicas, por exemplo, é afastar a criança da escola, assim, o aprendizado diminui e até a família tem de faltar o trabalho, o impacto é total”, explica.
Até a economia da cidade pode ser impactada positivamente com a existência das redes, segundo o especialista, porque a valorização dos imóveis é imediata. “Campo Grande vem se destacando pela constância nos investimentos. Inclusive usamos a cidade como exemplo para outras prefeituras e empresas”.
Para o presidente da Águas Guariroba, José João Fonseca, os índices positivos do saneamento da cidade traduzem os investimentos constantes, citados pelo presidente do Trata Brasil, e motivam a empresa a alcançar a universalização do esgoto.
“Para que nós possamos fazer investimento que já viemos fazendo há muitos anos e continuar no máximo até 2025, quando temos obrigação de atingir a universalização da rede de esgoto de Campo Grande, temos que buscar excelência no que fazemos, gastar bem nosso dinheiro e investir muito bem”, afirma.
Se 81% da cobertura da rede foram alcançados em pouco mais de 10 anos de trabalho, chegar aos 100%, diferente do que o número pode parecer, é um desafio e tanto. De acordo com o presidente do Trata Brasil, quanto mais as cidades chegam ao número total de abrangência das casas com rede de esgoto, mais difícil é completar o ciclo e "alcançar" os imóveis restantes.
A dificuldade pode ser traduzida em números. “Até hoje o que nós fizemos de rede de esgoto vamos ter que fazer o dobro para atingir os outros quase 20% que não têm a cobertura”, explica o presidente da concessionária.
IMPACTOS
Se para a população o fim das fossas sépticas e a existência da rede de esgoto representam melhorias na saúde e na economia, para o meio ambiente a extinção das fossas é cenário ideal para acabar com riscos de contaminação do solo e do lençol freático.
Engenheiro civil, mestre em recursos hídricos, saneamento e professor universitário, Amon Maciel explica que os riscos das fossas ainda existirem podem ser divididos em dois grupos.
“Temos o risco de contato com os dejetos porque as fossas precisam de limpeza e manutenção e muitas vezes as pessoas não fazem. E o outro grande risco é quando as ligações são clandestinas e ocorre a contaminação do solo e consequentemente do lençol freático”, diz.
E se não bastasse os impactos sofridos pela própria família, os problemas se espalham também para vizinhos e até moradores de outras regiões. “Toda essa contaminação acaba se espalhando para uma grande região e para o meio ambiente o impacto é ainda mais grave”, explica.
Para quem vive em regiões onde a rede de esgoto ainda não chegou, a orientação dos especialistas é que a limpeza das fossas sépticas, a proteção do meio ambiente e da saúde sejam feitas através de limpezas frequentes nos buracos.
Especialista em instalações hidrossanitárias, o engenheiro civil Tomaz Leal Leite explica que a limpeza das fossas precisa ser feita em um intervalo de 2 a 4 anos, mas muita gente ignora o prazo e acaba não contratando empresas especializadas no serviço, que cobram em média R$ 150 para "esvaziar" uma fossa doméstica.
“Se não fizer o procedimento, o esgoto sem tratamento vai ser infiltrado na natureza e os impactos diretos são de contaminar lençol freático e até outros poços de água. O mais grave é ter gente captando água desse lençol freático contaminado”, completa o professor que afirma, ainda, que na maioria dos casos o custo de ter de fazer a limpeza da fossa é maior do que a ligação na rede de esgoto.
Se você ainda não fez a ligação ou conhece alguém que possui a rede de esgoto na rua, mas prefere continuar com as fossas, tire as dúvidas com a concessionária de água e esgoto no telefone 115.