Desde maio, Carla (nome fictício), 25 anos, carrega um aparelho bem diferente do que a maioria das mulheres costuma ter na bolsa ou junto ao corpo. No lugar da maquiagem ou acessórios, o objeto é um tanto quanto incômodo, mas trouxe sossego para dias de medo e preocupação. “Tive depressão, vivia com medo que algo acontecesse comigo ou com minha mãe e só dormia com remédios. Quando o pessoal do monitoramento me ligou pela primeira vez para avisar que meu agressor estava por perto foi que acreditei de verdade no sistema. Antes, mesmo ele [o agressor] usando a tornozeleira, eu não me sentia tão segura quanto agora”, confessa.
Chamado de botão do pânico, o dispositivo usado por Carla é uma das ações tecnológicas que estão em funcionamento em Mato Grosso do Sul com a finalidade de diminuir crimes de violência contra mulher que, muitas vezes, podem levar ao feminicídio.
De acordo com a subsecretaria de Cidadania de Estado de Mato Grosso do Sul (SPPM/MS), Luciana Azambuja Roca, o combate a este crime é uma das frentes do atual governo, por isso, toda iniciativa que venha para proteger mulheres em situação de violência sempre será apoiada, especialmente quando estão em questão as mulheres que têm medida protetiva de urgência. “O governo do Estado está sempre reafirmando seu compromisso com o enfrentamento da violência contra a mulher”, destaca.
O botão do pânico, por exemplo, é usado como medida protetiva de urgência, cuja função é detectar o agressor. Com o auxílio da tecnologia, é possível monitorar a aproximação do agressor num limite de 3 mil metros. Com o equipamento, caso o agressor se aproxime da mulher, até mesmo fora da área de exclusão, o sinal de alerta aciona imediatamente a Central de Monitoramento.
Detectado que o agressor está se aproximando, a vítima também é avisada e o homem informado para sair da área imediatamente. Ao ser acionado, o agressor precisa ligar o mais rapidamente possível (ligação gratuita) para a central para dar as devidas explicações. Em situação de perigo iminente, a vítima também pode acionar um botão para agilizar o atendimento.
PROTEÇÃO
Atualmente, onze homens e mulheres estão usando algum dispositivo de monitoramento no Estado. Os critérios para aplicação destas medidas protetivas são decididos pela Justiça, a maioria sob responsabilidade da juíza Jacqueline Machado, responsável pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar de MS e pela primeira Vara de Medidas Protetivas do País.
Segundo a juíza, o equipamento de botão do pânico, por exemplo, é designado para casos mais sérios, quando só o uso da tornozeleira não resolve. O prazo de duração do monitoramento eletrônico, na hipótese prevista no art. 23, é de até 180 dias, salvo se forma diversa estabelecer o juiz em decisão fundamentada. Ou seja, se a vítima ainda estiver em perigo, a juíza pode acatar a prorrogação do uso do equipamento.
No entanto, de acordo com o diretor da Unidade Mista de Monitoramento Virtual Estadual, Ricardo Teixeira, esta medida ainda não foi necessária desde que o sistema foi implantado no Estado.
O diretor acredita que o prazo de 180 dias é razoável para interromper o ciclo de perseguição. “A tornozeleira e o botão do pânico são mecanismos de fiscalização e não de contenção”, esclarece.
ECONOMIA
Ao custo de R$ 230 por mês, os dispositivos eletrônicos, além da eficiência no monitoramento, também são fator de economia para o Estado. A liberdade vigiada, segundo Teixeira, é alternativa à prisão preventiva, contribuindo, portanto, para diminuir a população de presos provisórios.
Além dos condenados pela Lei Maria da Penha, a tornozeleira é usada em todo o estado de Mato Grosso do Sul em casos de medida cautelar, prisão domiciliar, sentenciados do semiaberto e regime aberto.
No total, o Estado disponibiliza atualmente dois mil equipamentos eletrônicos. Com quatro equipes de três servidores de plantão, o sistema de monitoramento funciona 24 horas por dia e é considerado um dos mais eficientes do País.
REDE DE ATENDIMENTO
Ocupando a Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres desde o início deste ano, Giovana Correa afirma que a meta do governo é investir cada vez mais em capacitação da rede de atendimento às mulheres em situação de violência. Ações permanentes como as séries “Maria da Penha”, a campanha Maria da Penha vai à escola – iniciativa voltada para os alunos de Ensino Médio e educadores de escolas públicas com objetivo de mostrar a importância da Lei Maria da Penha –, estão entre as medidas a serem fomentadas. “O objetivo é trabalhar com 50 escolas durante o mês. Com a mesma proposta de conscientização da necessidade de combater a violência contra a mulher, e a importância da prevenção da Violência Doméstica, temos Maria da Penha vai às empresas e Maria da Penha vai às igrejas, com encontros e palestras para atender diversos públicos”, explica Giovana.
A subsecretária revela ainda que o governo também está investindo em programas que atendem às mulheres que estão no campo. Agentes da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) e Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro) estão sendo capacitados para atender o programa Sempre Vivas, com objetivo de detectar a violência contra a mulher na zona rural.
Vídeos educativos foram produzidos para alcançar públicos de todos os locais. Além disso, há o projeto Ciranda no Campo, programa que faz o diagnóstico das carências femininas e ajuda no empoderamento e na independência – inclusive econômica – das mulheres.
Segundo Giovana, a mulher empoderada consegue sair mais rápido do ciclo de violência. Atualmente, os programas são desenvolvidos nos municípios onde existem núcleos específicos de atendimento (as OPMS). “O trabalho feito em todo o Estado segue o mesmo direcionamento proposto pela Coordenadoria da Mulher”, explicando que está atuando junto à Assomassul para que todos os prefeitos das demais localidades também façam parte desta grande iniciativa.
A delegada responsável pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Joilce Silveira Ramos, conta que o governo do Estado tem dado apoio muito grande ao trabalho desenvolvido pela delegacia. Segundo ela, os números de denúncias aumentaram bastante (só este ano foram 4.000 boletins de ocorrência), mas isso, ao contrário do que se imagina, é um sinal positivo. “Isto significa que aumentou a coragem das mulheres para pedir ajuda”, explica. “Nossa meta é diminuir o feminicídio e aumentar as denúncias”, conclui.
Atualmente, cerca de 5.200 mil mulheres estão com medida protetiva no Estado, de acordo com a juíza Jacqueline Machado, mas ela conta que os números são variáveis. “O caminho é longo, mas quanto mais campanhas fizermos, quanto maior o número de mulheres dispostas a denunciar o agressor, mais chances teremos de mudar este quadro de violência que atinge o mundo inteiro”, conclui.