Morando há quatro anos na área de retomada indígena Assentamento Ararikuty, em Dourados, onde vivem 36 famílias, Magno Souza, de 38 anos, é um dos Guarani Kaiowá que vivem na situação de miséria em que os povos originários são submetidos em Mato Grosso do Sul.
A situação de fome e difícil acesso aos serviços básicos como postos de saúde, medicamentos e escola ainda é um plano distante para os indígenas de todas as partes de Dourados, que não recebem a devida atenção da prefeitura da cidade ou de órgãos ligados à proteção dos povos originários, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) Secretaria Especial de Saúde Índigena (Sesai).
Ao Correio do Estado, Magno relata que as famílias que vivem nas retomadas e também na Aldeia Jaguapiru, onde ele nasceu, e a cesta básica disponibilizada pela Funai não são suficientes para a alimentação de um mês.
“Tem famílias que têm quatro, cinco e até sete filhos e a cesta básica com dois pacotes de arroz, farinha, óleo e sal não dura o mês todo, inclusive tem famílias passando fome. Não chega a ser como os yanomami, mas é bem difícil”, detalha.
Magno ainda aponta que as retomadas não têm energia regular ou água encanada, o que traz diversas doenças para os indígenas, sendo que as mais atingidas são as crianças e os idosos.
“Tem criança com desnutrição, passando fome porque as coisas são muito caras e as famílias não têm condições para comprar. Por isso, estamos organizando para começar a plantar para ter o que comer”, afirma.
Além da alimentação pobre em nutrientes e pouca, os Guarani Kaiowá também precisam lidar com a falta de acesso à saúde e escolas para as crianças, que muitas vezes reprovam e não dão continuidade aos estudos pela dificuldade de chegar à escola mais próxima.
“A gente fica preocupado porque a Sesai não atende as famílias. Tínhamos pedido uma escola nas áreas de retomada, mas até hoje não conseguimos. Ninguém vem dar explicações, então, estamos correndo atrás de professores e de ajuda para fazer com que as crianças estudem”, aponta
Por fim, Magno ainda destaca que, além de todas as dificuldades, a segurança de todos também não é resguardada já que a área onde vivem é cercada por pistoleiros que, de acordo com ele, ameaçam a integridade dos povos originários Guarani Kaiowá.
“Eles acordam de manhã já atirando pra cima, falando que vai matar a gente. O líder não mora mais na retomada por questões de perseguição de fazendeiros”, conclui.
A reportagem entrou em contato com a Funai, Secretária de Assistência Social e prefeitura de Dourados,
HÁ VINTE ANOS
Em 2005, 17 anos atrás, somente nas aldeias indígenas de Jaguapiru e Bororó, em Dourados, segunda maior potência econômica de Mato Grosso do Sul, por mês, duas crianças indígenas morriam de fome.
Casos de internações e mortes foram registradas também, naquele ano, em quase todas as aldeias do Estado, cuja população gira em torno de 62 mil indígenas. Na reserva de Dourados, os habitantes somam 20 mil.
A tragédia chamou a atenção da imprensa mundial. Históricos de mortes de crianças ou recém nascidos eram descritas em páginas e páginas de jornais quase todo o dia. Além das mortes por fome, o número de suicídios em Dourados também assustavam. À época, autoridades indígenas contavam um caso por semana.
Houve nesse período uma mobilização política, em Brasília, e também da sociedade, que quis saber os motivos da tragédia.
Alguns temas avançaram, outros não. Depois de 2005 crianças desnutridas seguiram morrendo de fome até os anos de 2010.
MINISTRA DOS POVOS INDÍGENAS
Conforme mostrada hoje de manhã pelo Correio do Estado, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, afirmou em entrevista ao Estadão que, além da tragédia humanitária nas terras Yanomami, que matou mais de 500 crianças por doenças e desnutrição, também é preciso que o governo esteja atento à outras etnias que também passam por dificuldades, como os Guarani Kaiowá, em Dourados.
“Uma situação também preocupante é a do Povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que vive insegurança e situação permanente de conflitos territoriais. Sem lugar para plantar, têm muita dificuldade para produzir alimentos", disse.




