Após a repercussão do feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, 42 anos, assassinada pelo ex-noivo Caio Nascimento, 35, toda a equipe da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pediu afastamento, incluindo a delegada titular Elaine Benicasa.
A atitude foi tomada após uma série de fatos, que começou com a divulgação de áudios onde a vítima narrou que foi tratada com descaso e frieza ao buscar ajuda contra o ex, sendo, inclusive, orientada a conversar com o agressor, e depois, com a exposição do nome de uma delegada como sendo a responsável pelo atendimento, sem que fosse ela a pessoa em questão.
Os cargos foram colocados à disposição, ou seja, as delegadas pediram para trocar de unidade, e não demissão dos postos que ocupam. A situação será analisada pela Delegacia-Geral de Polícia Civil.
O deputado Coronel David explicou que a informação de que as delegadas colocaram o cargo à disposição foi levada aos deputados estaduais pelo secretário estadual de Justiça e Segurança Pública, Carlos Videira.
Inicialmente, a delegada que teve o nome exposto como sendo a pessoa que teria atendido Vanessa foi a primeira a pedir a remoção. Ela teria apenas registrado o boletim de ocorrência, não sendo a responsável pelo atendimento com descaso. Em solidariedade, uma colega também colocou o cargo a disposição e assim aconteceu com a equipe de 12 pessoas.
“Essa foi uma reunião com as instituições para tratar do sistema e dos processos como um todo. Claro que em apenas uma reunião não vamos conseguir resolver todo um contexto de problemas, questões culturais, de consciência, de educação e de segurança de uma sociedade, mas saímos com a necessidade de criação de protocolos e melhorias para daqui para frente”, disse o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Gerson Claro.
O feminícidio gerou vários questionamentos sobre o atendimento prestado às vítimas de violência doméstica, com várias outras vítimas dando seus depoimentos de que passaram pelo mesmo tipo de atendimento no local, não recebendo apoio contra seus agressores e até sendo desoncorajadas a denunciar.
O caso identificou a necessidade de melhorias nos protocolos de atendimento e chegou até Brasília. Nesta semana, equipe do Ministério das Mulheres, incluindo a ministra Cida Gonçalves, cumprem uma série de agendas em Campo Grande.
Saída necessária
Nessa segunda-feira (17), editorial do Correio do Estado já apontava que a solução mais digna diante da negligência no atendimento seria que as delegadas pedissem para sair. "A negligência do poder público em lhe oferecer proteção foi violenta também, com ela e conosco, como sociedade", diz trecho do editorial.
O editorial também ressalta que a Casa da Mulher Brasileira tem gestão tripartite, com financiamento do governo federal, órgãos de segurança pública mantidos pelo governo do Estado e a gestão do espaço feita pela prefeitura de Campo Grande.
Todos falharam em dar proteção à vítima.
Isto porque Vanessa pediu socorro duas vezes. Na primeira ocasião, ela registrou o boletim de ocorrência e pediu medida protetiva contra o agressor. Na segunda, ela retornou e a medida já havia sido deferida pela Justiça, mas Vanessa não recebeu apoio policial que pediu para retirar o ex da casa ou acompanhá-la para buscar seus pertences.
No áudio, a vítima relata ainda que foi tratada de forma seca, com frieza, e que não teve acesso a informações que pediu ou a qualquer outro tipo de apoio.
A falta de apoio ficou ainda mais escancara quando as delegadas deram coletiva de imprensa, após o feminicídio, dizendo que a vítima recusou abrigo e quis voltar para casa. Tal afirmação foi desmentida quando os áudios, enviados horas antes da morte, vieram à tona.
"Os profissionais que atenderam Vanessa nas duas ocasiões em que pediu socorro ao poder público deveriam pedir para sair de suas funções. Seria mais digno", trouxe o editorial.
Feminicídio
Caso Vanessa
Vanessa Ricarte foi assassinada a facadas pelo ex-noivo na última quarta-feira (12), em Campo Grande.
O boletim de ocorrência foi registrado na noite de terça-feira (11) e Vanessa retornou à Deam na quarta-feira (12) à tarde para verificar o andamento do pedido da medida protetiva, que foi deferido pelo Poder Judiciário.
Conforme reportagem do Correio do Estado, a delegada Analu Ferraz informou que todo o procedimento de praxe foi seguido e que a vítima recusou abrigo.
No entanto, áudios encaminhados pela vítima à uma amiga, antes de ser assassinada, revelam que ela não teve o atendimento esperado, como uma escolta policial para retirar o agressor de sua casa e ajudá-la a buscar as coisas.
Além disso, ela narrou que foi tratada com descaso e frieza.
Ao sair da Deam, já com a medida protetiva contra o ex deferida, a vítima foi com um amigo para buscar as coisas, sendo surpreendida pelo ex-noivo, que aproveitou o momento em que o amigo de Vanessa ligava para pedir ajuda a outra pessoa e a atingiu com três facadas no peito, próximo ao coração.
O amigo de Vanessa a levou para dentro de um quarto e trancou-se lá com ela, à espera de ajuda. Ele acionou a polícia nesse período, com o agressor esmurrando a porta.
Ela chegou a ser encaminhada para a Santa Casa, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital.
Cario foi preso ainda no local e teve a prisão em flagrante convertida em preventiva na sexta-feira (14), em audiência de custódia.
* Matéria alterada às 16h03 para correção de informação. Inicialmente, foi atribuída uma fala errônea ao deputado coronel David





