Em tempos em que todos os conteúdos parecem ser forçados a recontar histórias verdadeiras, não chega a ser surpresa que, quando deparamos com narrativas fictícias, sejamos os mais duros dos críticos. A Mulher da Cabine 10 gerou expectativa porque é a adaptação de um best-seller que — na época de seu lançamento — consolidou uma onda de thrillers liderados por mulheres amarguradas, traumatizadas e, no caso de Gone Girl, até questionáveis.
Trabalhar com clichês é tão inevitável quanto perigoso. Mais arriscado ainda é tentar reinventar a roda. A Mulher da Cabine 10 não tenta ser “original”, mas conta uma história “nova” no sentido de apostar no simples — e numa reviravolta que só funciona se o público estiver disposto a embarcar na diversão.
O mistério a bordo
A trama segue Lo Blacklock (Keira Knightley), uma jornalista investigativa que ganha uma chance de cobrir o luxuoso cruzeiro inaugural do Aurora Borealis, um iate de poucos convidados, muito champagne e segredos em cada cabine. Tudo muda quando, em meio a uma noite tensa e de pouca sobriedade, Lo acredita ter ouvido um grito e visto uma mulher ser jogada ao mar — exatamente da cabine ao lado da sua.
O problema é que ninguém acredita nela. Nenhuma passageira desapareceu, nenhuma cabine foi ocupada por uma “mulher número 10” segundo a tripulação, e a credibilidade de Lo — abalada por remédios, bebida e traumas recentes — despenca a cada tentativa de provar o que viu. A claustrofobia do iate, o isolamento no mar e a crescente paranoia transformam a viagem dos sonhos em um pesadelo psicológico.
O brilho discreto de Keira
Keira Knightley é o que vale aqui. A atriz, que navega entre papéis complexos desde a adolescência, chega à maturidade com uma serenidade rara — e continua comandando respeito com cada olhar contido, cada respiração ansiosa, cada silêncio que diz mais do que qualquer grito.
Seria fácil cair nos clichês da “heroína histérica” que Hollywood insiste em repetir. Mas Keira não grita, não chora sem motivo e tampouco força a fragilidade. Ela se mantém firme, lúcida, tentando raciocinar quando o roteiro parece conspirar contra ela. Mesmo quando a lógica da história desmorona, sua performance sustenta o interesse e traz credibilidade ao absurdo.
Entre o livro e a tela
A adaptação é, de fato, bastante fiel ao livro de Ruth Ware, o que significa que mantém também suas limitações. O que funciona melhor nas páginas — o suspense interno, o fluxo de pensamento da narradora, e especialmente a revelação final do plano incrivelmente rebuscado (e quase cômico) para garantir uma assinatura em um testamento — nas telas soa forçado, beirando o bobo.
Mas qual o problema? Nem todo suspense precisa ser revolucionário. A Mulher da Cabine 10 distrai, e faz isso com estilo. É visualmente elegante, com uma trilha sonora envolvente e um ritmo que, apesar de irregular, prende a atenção.
Um mergulho leve em águas turbulentas
No fim, o filme não pretende competir com Gone Girl nem com A Garota no Trem. Ele quer apenas nos lembrar de um tipo de entretenimento que parece cada vez mais raro: o suspense escapista, um pouco ridículo, mas irresistível.
Sim, é previsível. Sim, exagera nas coincidências e subestima o espectador em certos momentos. Mas há algo quase reconfortante na maneira como entrega exatamente o que promete — uma mulher em perigo, um mistério a bordo e Keira Knightley no centro de tudo, segurando o leme com a elegância de quem nunca perdeu o controle.


