A morte de Robert Redford tem muito da persona que ele construiu nas telas: calada, discreta e inesperada. Aos 89 anos, ele partiu em casa, em Utah, sem alarde — como se nos desse um último presente: o de permitir que os filmes, as imagens e as memórias falassem por ele.
A beleza de Robert Redford nunca desafiou seu público a diminuir sua inteligência. Ele foi — e continuará sendo — uma lenda como ator, produtor, diretor, ativista e empresário. Manteve sua integridade artística ao longo das décadas, com filmes e produções que marcaram gerações. Ocasionalmente se permitia aventuras mais populares, como quando entrou no universo Marvel, mas sem jamais diluir sua persona. Era, sem exagero, uma lenda.
Sua filmografia é um verdadeiro mapa de um cinema que foi deixando de existir: Butch Cassidy and the Sundance Kid, Golpe de Mestre, Todos os Homens do Presidente, Entre Dois Amores… até mesmo o cafona e irresistível Proposta Indecente. Atrás das câmeras, estreou com perfeição: Gente Como a Gente lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme e Direção em 1980 e permanece como uma das obras-primas do drama familiar.
Redford nasceu em 1936, na ensolarada Califórnia. Não foi um prodígio que sabia desde cedo o que queria — ao contrário. Tinha bolsa de estudos como jogador de baseball, largou tudo e foi para a Europa, onde a vida boêmia em Paris lhe deu o foco que faltava. Ao voltar aos Estados Unidos, encontrou no teatro o seu lugar. Foi na Broadway, com Descalços no Parque, que chamou atenção — peça que o apresentou à amiga Jane Fonda e abriu as portas para Hollywood, onde reprisaria o papel no cinema. Logo viria a longa parceria com Paul Newman, eternizada em Butch Cassidy and the Sundance Kid.
Politizado e atento, nos anos 1970 fez questão de se conectar a filmes que refletissem a realidade e falassem de temas urgentes, como o meio ambiente e a crise política — não é coincidência que Todos os Homens do Presidente seja uma de suas obras mais lembradas. Sua relação com o cinema independente mudou o curso da indústria: ao criar o Sundance Institute e o Sundance Film Festival, Redford transformou para sempre a paisagem do cinema americano, oferecendo voz a novas gerações de cineastas e tornando-se guardião de histórias que talvez nunca tivessem sido contadas.
Sua veia romântica, no entanto, também deixou marcas. Nosso Amor de Ontem com Barbra Streisand e Entre Dois Amores com Meryl Streep são clássicos que até hoje emocionam. Sua versão de O Grande Gatsby, ao lado de Mia Farrow, foi elogiada por trazer melancolia e elegância ao personagem.
Atrás das câmeras, ele se mostrava ainda mais exigente. Dirigiu Quiz Show, Nada é Para Sempre e O Leão no Inverno (como produtor), sempre buscando personagens complexos e dilemas morais. Até o fim de sua carreira, nunca teve medo de se reinventar. Foi indicado ao Oscar por sua atuação em Até o Fim (All is Lost), praticamente um monólogo (se houve palavras!), uma das atuações mais corajosas e contidas de sua vida — e merecia o reconhecimento.
Cinema B+: Robert Redford: O Adeus Silencioso de um Gigante - DivulgaçãoSua vida pessoal foi sempre extremamente discreta. Casou-se com Lola Van Wagenen, com quem teve quatro filhos. Após o divórcio, viveu um romance notório com Sonia Braga e, desde os anos 1990, estava com a artista alemã Sibylle Szaggars. Em 2018, estrelando The Old Man & the Gun, anunciou que estava se aposentando das telas — um anúncio que soava simbólico, mas que parecia mais um aceno para o fato de que já havia contado todas as histórias que queria contar.
Redford foi também um ativista incansável, sobretudo em questões ambientais, e manteve esse compromisso até o fim. Ao longo dos anos, tornou-se um raro exemplo de celebridade que conseguiu equilibrar fama e responsabilidade — nunca perdeu o senso de propósito, nunca deixou de usar sua voz para causas maiores que ele mesmo.
Hoje, o cinema perde um de seus últimos gigantes. Não apenas um galã de olhos azuis, mas um artista que elevou o nível de tudo o que tocou. Sua morte é o fim de uma era, mas também um lembrete de tudo o que ele nos deixou: filmes, personagens, histórias, ideias e o exemplo de que é possível envelhecer com graça e coerência, sem ceder ao cinismo.
A notícia de que ele se foi, do jeito que viveu, deixa para nós o que era essencial. Robert Redford não era só uma estrela. Era um norte. E agora, cabe a nós continuar contando boas histórias.
E como já disse antes, o título de seu filme de 1984 talvez o defina melhor que qualquer obituário. Redford era Um Homem Fora de Série. E continuará sendo.


